A Internet e sua inserção no sistema de direitos autorais

Enviado por Eliane Yachou Abrão


  1. Um rápido passeio pelo sistema autoral
  2. A globalização do sistema autoral e os problemas com a rede
  3. Composições musicais
  4. Fotografias e ilutrações
  5. Textos literários e jornalísticos
  6. Audiovisuais
  7. Lojas ou sítios virtuais
  8. Base de dados
  9. Programa de computador
  10. Olhando o futuro

Responda rápido, leitor: dá, hoje em dia, para pensar a vida sem Internet? Lembro-me de que há coisa de uma década atrás as duas únicas possibilidades de se fazer uma pesquisa avançada sobre direitos autorais, por exemplo, era tomar um avião para estagiar junto á OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual, organismo pertencente á Organização das Nações Unidas) ou rezar para que Genebra atendesse a um pedido via postal, e, em seguida, ir á missa pedir para que a remessa não se extraviasse...

O surgimento da rede deu início a um novo processo de alfabetização, tamanha sua importância: quem está fora é, literalmente, um analfabeto. Digital, mas, analfabeto. Seu inquestionável alcance, e interesses públicos e privados em jogo, tornam-na objeto de enorme atenção por parte de juristas, advogados, legisladores, comerciantes, prestadores de serviços, na mesma velocidade em que se expande.

Se atentarmos aos aspectos negativos da rede - porque a maravilha da interconexão entre pessoas e culturas, conhecidas ou desconhecidas, livre de censura, ao menos nesse começo, e o encurtar das distâncias, serão sempre mais relevantes e extraordinários que os problemas que trouxe ou que ainda vá trazer - três atingem mais fortemente os direitos fundamentais: a) o da liberdade pública ao direito de receber informações de fonte idônea e de modo correto; b) o da preservação da intimidade/privacidade pessoais, constantemente vulnerável a ataques ao sigilo da correspondência por vírus ou hackers; c) o dos direitos autorais de criadores, organizadores e difusores de obras intelectuais protegidas, pela facilidade com que se disponibilizam obras alheias, numa primeira fase, sem o consentimento de seu titular, e numa segunda, com o seu consentimento, mas escapando ao seu controle.

Sobre o direito á informação, quando a mesma não é disponibilizada diretamente pela empresa jornalística, a autenticidade ou idoneidade da notícia podem ficar comprometidos, apesar de apresentarem as agências noticiosas internacionais sua versão controlada dos acontecimentos, em verdadeira inversão ao que pregam. Ora, se por um lado a Internet fura esse bloqueio, escapa a essa centralização, por outro, a ausência de alguma forma de regulamentação seja da empresa virtual, seja da pessoa-fonte, jornalista ou não, pode levar a prejuízos morais de grande monta em caso de informação mentirosa. Prevendo a possibilidade, o legislador "real" reservou a confecção das matérias informativas ao jornalista profissionalmente habilitado nos termos do Decreto-lei 942/69, e os abusos na informação contidos pela Lei 5.250/67.

Felizmente, até agora, a rede, em movimentações espontâneas, tem se ocupado mais de movimentos políticos e humanitários, que de informações puramente jornalísticas.

Sobre a intimidade ou o sigilo de correspondência, a matéria fica reservada ao estudo dos direitos da personalidade. De qualquer modo, a solução dos problemas surgidos na área dependerão muito mais da regulamentação dos aspectos processuais e procedimentais da rede como um todo, uma vez que já foram contemplados como garantia constitucional e, em nível infra-constitucional, parcimoniosamente, pelo novo Código Civil.

Sobre os direitos autorais, é preciso conhecer um pouco das regras e da história político-legislativa dessa disciplina para melhor entendê-la, e saber aplicá-la aos desafios da rede.

Prefaciando meu livro ("Direitos de autor e direitos conexos", São Paulo, Editora do Brasil, 2002), eu já alertava o leitor de que, embora atualizado em termos legislativos, não dedicava nenhum capítulo específico á Internet por constituir-se a rede em somente mais uma mídia, digitalizada, mas nada mais que um novo canal de veiculação de obras intelectuais ao qual se aplicam todas as regras de direitos autorais incidentes sobre as outras mídias (impressa, eletrônica, radidifundida). Todas as dificuldades de enquadramento de uma obra nova fora da rede são iguais ás enfrentadas a partir dela.

UM RÁPIDO PASSEIO PELO SISTEMA AUTORAL

De acordo com a teoria geral dos direitos autorais, resultam eles de uma dicotomia: de um lado os chamados direitos morais do autor e do artista, e de outro os chamados direitos patrimoniais. Dentre os morais, de natureza pessoal, os mais significativos são os de ter o seu nome vinculado á obra, o de ter sua integridade respeitada enquanto criador de obra, o direito de somente ele modificá-la, por meio de adição ou de supressão. E dentre os patrimoniais, os mais relevantes ao presente estudo são os que dizem respeito á edição, á reprodução, á comercialização (captação, difusão, distribuição), enfim, á comunicação pública da obra.

Entre os dois direitos há um divisor de águas que é a publicação, como fato gerador dos direitos patrimoniais, aqueles que vão gerar rendimentos em pecúnia aos autores e titulares (estes, pessoas físicas e jurídicas envolvidas tanto na criação como na difusão da obra publicada). Uma obra não publicada considera-se inédita, ainda que editada e pronta para ser dada ao conhecimento do público. é que se encontra inabilitada á confecção de exemplares. Entretanto, concebida e registrada, no sentido de documentada, gera outros tipos de direitos ao autor, pessoa física ou jurídica, conforme seja a obra individual ou coletiva.

Ora, só existe direito onde existir uma obra intelectualmente protegida, mas nem toda obra intelectual é considerada protegida nos termos da lei. Uma obra, para ser intelectualmente protegida no Brasil, há que: a) constar do rol do art 7º da Lei 9.610/98, mais as cartas missivas do art. 34, ou, do art. 2 da Convenção de Berna (Decreto n. 75.699 de 6/5/75); b) vir a ser reconhecida como tal por outra(s) lei(s) especiais ; c) ser judicialmente declarada como tal; d) encontrar-se, em qualquer caso, dentro dos prazos de proteção da lei aplicável á época de sua publicação.

Por fora, corre a questão da originalidade, que confunde os intérpretes em virtude de seu alto grau de subjetividade, e porque remete ao novo, conceito cada vez mais difícil de se apurar, graças á volatilidade e velocidade com que atualmente as informações transitam. Na verdade, o antigo conceito de originalidade, necessário como pré-condição de proteção, está dando espaço á questão da identidade, conceito mais objetivo e apto a distinguir uma obra em relação ao universo que habita.

Original deve ser entendido como aquela ou aquelas particularidades que distinguem a obra dentre os seus semelhantes. A semelhança ou a imitação de uma obra em relação a outra não violam direitos autorais da anteriormente publicada porque se tratarem as demais de outras formas de liberdade de expressão das mesmas idéias, máxime quando oriundas de fonte comum. A proteção dos direitos autorais é exercida sobre aquela determinada obra, criada e fixada em suporte, da qual se extraem cópias para comercialização. A violação incide na extração de cópias de uma matriz não licenciada, nem cedida para reprodução/comercialização, entendendo-se o conceito de cópia como reproduções idênticas, do tipo "xerox".

Exemplos de obras são muitos, como o texto literário e suas traduções e adaptações, a composição musical (melodia e letra), a pintura, a escultura, a coreografia, o audiovisual, a fotografia, as coletâneas, as antologias, os programas de computador, e a base de dados, entre outros. Estes dois últimos estabelecem conexões intelectuais imediatas com a mídia digitalizada, mas não possuem tratamento legislativo diferenciado das regras gerais, porque adentraram a Lei 9610/98. Em verdade, foram introduzidos nas legislações de direito de autor em todo o mundo por força de um acordo internacional, o OMC/TRIP's, liderado pelos Estados Unidos da América do Norte, sede da pioneira empresa de criação de programas pagos de computador.

As obras autorais são limitadas no tempo e no espaço. No tempo, porque passados setenta anos contados de primeiro de janeiro do ano subseqüente ao do falecimento do autor, ou da divulgação de obras audiovisuais e fotográficas, a obra cai em domínio público. E uma obra intelectual cai em domínio público, na contramão das demais regras sobre a propriedade, porque o autor/criador, pessoa histórica, recebeu de seu meio, da sociedade em que nasceu ou que foi buscar, elementos que influenciaram, e certamente, o auxiliaram a compor a sua obra, fazendo a lei com que ele devolva a essa sociedade os benefícios de fruição, já livre de autorizações ou pagamentos, daquilo que ela ajudou a criar. Dentro desse prazo, o autor, ou seus sucessores na ordem civil, pode contratar a comercialização dela através de licença, cessão, locação, de modo gratuito ou oneroso. Decorrido esse tempo, toda a sociedade terá acesso livre á obra, devendo apenas respeitar sua integridade e o crédito autoral, ou seja, manter o nome do criador permanentemente vinculado a ela. No espaço, a limitação ocorre no tipo de obra e no uso que se dá a ela. Obras intelectuais como procedimentos normativos, métodos, projetos, conceitos matemáticos, decisões judiciais, textos normativos, informações gerais ou as idéias e se aproveitamento industrial ou comercial não são protegidos pelo direito autoral. Na verdade, pertencem a um outro campo de atuação, imune ás regras autorais, porque necessários ao processo de cognição e disseminação de regras ou do próprio conhecimento.

Também as leis autorais, tal como as fiscais, criaram um campo de isenção desses direitos, uma brecha legislativa dentro da área de proteção, visando mais aos interesses de comercialização dos próprios autores e titulares, e menos aos da sociedade, quadro esse que vem sendo perigosamente restringido. Exemplos de isenções, ou seja, de utilização independente de qualquer autorização, seja do autor, seja do titular, são as seguintes: a reprodução para jornal, ou de revista para revista, de artigos informativos, com indicação da fonte; a transcrição na imprensa de discursos públicos; da transposição de obras literárias, artísticas ou científicas para o método Braille, ou outro procedimento destinado á percepção delas por deficientes visuais; citações de trechos de obras publicadas para fins de estudo, crítica ou polêmica "na medida justificada para o fim a atingir"; da representação de peça teatral e da execução de músicas dentro de casa (recesso familiar), ou nas escolas destinadas ao ensino de ambos, ou quando necessárias para melhor compreensão dos alunos; e ainda a utilização delas como prova judiciária ou administrativa.

Para citar exemplo sobre esse estreitamento, que beneficia individualmente o autor/titular, em detrimento do benefício geral da sociedade, foi retirada do texto da da nova lei, a possibilidade de livre utilização para fins didáticos, científicos ou religiosos de trechos integrais de pequenas composições (um poema, ou uma letra de música, ou uma melodia) e de fotografias em obras científicas ou didáticas, ainda que com retribuição eqüitativa, com menção obrigatória á fonte. E, num equivocado exercício de contorcionismo, a lei nova admite a reprodução integral de obra de arte plástica "sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores" (inciso III, art. 46), não sendo possível entender se essa reprodução refere-se a uma cópia fiel do original, ou a uma reprodução fotográfica, ou, se na balança, pesa mais o prejuízo injustificado de um autor, ou seu licenciado, ou seu cessionário, ou prejuízo coletivo causado pelo impedimento legal, pelo não acesso da sociedade a uma obra de caráter cultural, para a qual contribuiu e á qual tem direito.

As chamadas medidas efetivas de proteção são de caráter administrativo e judicial. A mais conhecida dentre as de ordem administrativa está o ©, ou menção de reserva, usada abusivamente na Internet por quem tem e por quem não tem direitos, sobre obras que são e que não são protegidas. Nos termos do artigo III, 1, da Convenção de Genebra, o símbolo foi criado para atender ao sistema estadunidense, que obrigava seus nacionais ao registro de obra como condição de proteção, criando uma interação com os demais países e sistemas do resto do mundo, para que a obra de estrangeiro, que não estava obrigado á adoção de nenhuma formalidade, pudesse obter proteção dentro daquele território. O uso correto do símbolo, que só deve ser aposto sobre obras intelectuais consideradas protegidas, se dá com o símbolo © seguido do nome do titular dos direitos de comercialização (o autor-criador já tem o seu nome grafado junto á própria obra), e do ano da primeira publicação.

E caso faça o autor ou titular uso de medidas judiciais para fazer valer o seu direito, alem das restritivas de liberdade, há uma ampla gama de ações judiciais cautelares e ordinárias á disposição do autor/titular, sendo que em casos de busca e apreensão deve-se observância ao disposto no art. 842, § 3º do CPC.

Na liquidação das indenizações a nova lei, aumentando em um terço a quantidade estabelecida pela lei que vigorou até junho de 1998, estabelece as indenizações com base no número de exemplares contrafeitos, o que, sendo desconhecido basear-se-á no valor integral, ou proporcional, conforme o caso, a 3.000 unidades. A exceção foi aberta pelo judiciário em relação ao programa de computador, conforme acórdão proferido pela 3ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, aos 03/08/1998, em sede do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 162.419/RJ, cuja ementa é do seguinte teor: "Programa de computador. Utilização indevida. Caso indenizável, não se lhe aplicando, no entanto, o parágrafo único do art. 122 da Lei 5.988/73. Agravo regimental desprovido." O § único do artigo da lei anterior foi restaurado pelo § único do art. 103 da lei 9.610/98, com o aumento de exemplares, apenas.

Finalmente, e fechando esse quadro geral, cabe indagar qual o nível de segurança oferecido pelo sistema legal ao autor/titular na utilização pública de sua obra? O mais elevado possível, porque qualquer utilização se dará somente com sua prévia autorização, de acordo com a disposição contida no inciso XXVII do art. 5º da Constituição da República. Por outro lado, essa mesma Constituição garante a todos os cidadãos o direito ao lazer e á cultura, os quais, comparados aos autores, são em muito maior número.

Esse o panorama no Brasil.

A GLOBALIZAÇÃO DO SISTEMA AUTORAL E OS PROBLEMAS COM A REDE


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