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A ordem da produção da prova oral no Processo Disciplinar e anotações sobre outros meios de prova: d (página 2)

Léo da Silva Alves

Ninguém é detentor de todos os conhecimentos. Há áreas que exigem conhecimento técnico especializado. Aqui, justifica-se a realização da perícia.

O estatuto federal (Lei nº 8.112) enuncia:

Art. 156. (...)

§ 2º - Será indeferido o pedido de prova pericial, quando a comprovação do fato independer de conhecimento especial de perito.

Veja a má vontade do legislador. Ao invés de tratar da perícia no plano positivo, dispondo sobre quando ela seria necessária, preferiu, de pronto, tratar do indeferimento. Já o legislador processual civil foi mais feliz:

Art. 146 (CPC) - Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito...

Então, precisamos interpretar o estatuto com a visão lógica estampada no Código de Processo Civil. A perícia será necessariamente produzida quando a autoridade processante, para o seu esclarecimento, depender do conhecimento técnico ou científico. Ou será indeferida quando não existir essa dependência.

COMISSÃO PERICIA O PEDIDO DE PERÍCIA:

A perícia, obviamente, pode ser determinada de ofício. E pode ser requerida pela defesa. Neste caso, a comissão irá periciar o pedido. Para tanto, verificará os seguintes pontos:

- o esclarecimento depende de conhecimento especializado;
- é pertinente e relevante?
- é materialmente possível a realização da prova
?

Atendendo esses requisitos, a prova há que ser deferida, com o ônus do Poder Público, ainda que requerida pela defesa.

Veja-se, a propósito, o que diz o diploma processual civil no art. 420:

Parágrafo único - O juiz indeferirá a perícia quando:
I - a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico;
II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas;
III - a verificação for impraticável.

QUEM PAGA?

A Perícia legítima, requerida pelo acusado no exercício da defesa, é encargo da Administração. Cabe á comissão periciar o pedido para verificar se é procedente. Em sendo, o ônus é do erário. A Administração não pode transferir ao servidor o peso do esclarecimento dos fatos - princípio da gratuidade - como ensina o professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes no livro Tomada de Contas Especial (Ed. Brasília Jurídica - 2a edição, págs. 68/69)..

PROCEDIMENTOS NA FORMULAÇÃO DA PROVA PERICIAL

Nomeado perito - ou definido pelo encaminhamento a instituição científica oficial -, a comissão intimará o argüido para, querendo, em CINCO dias:

a) indicar assistente técnico;
b) apresentar quesitos.
(Art. 421, § 1º, do CPC)

EXAME PARA RECONHECIMENTO DE ESCRITOS

Quando for necessário examinar, por exemplo, a autoria de escritos, a comissão deve proceder de acordo com o art. 174 do Código de Processo Penal. Ali estão os indicativos sobre como recolher a amostra que servirá para comparação.

REQUISITOS PARA AVALIAR A QUALIDADE DA PERÍCIA

Sabemos que a comissão - e a autoridade julgadora - devem valorar a prova seguindo o princípio do livre convencimento. Mas o adjetivo livre não significa aleatório. Para dar ou para retirar valor á prova pericial, serão considerados especialmente os seguintes critérios:

Titular de conhecimento especializado.
(Art. 145, § 1º e § 2º do CPC)

Explicações sobre como alcançou o resultado.
Comissão não está adstrita ao laudo e pode deliberar por nova perícia (arts. 436 a 439 do CPC e art. 182 do CPP).

POSSIBILIDADE JURÍDICA DE OUVIR O PERITO EM AUDIÊNCIA

Não é incomum a perícia, que é para esclarecer, acabar confundindo. Ou seja, a sua conclusão parece contrária ao convencimento que já se tinha; ou, então, contrasta com todas as demais provas já recolhidas; ou, ainda, é visivelmente contrária á lógica e ao bom senso. Noutra hipótese, nós não compreendemos aquilo que o perito quis dizer. O uso de expressões técnicas desconhecidas, por exemplo, pode exigir um esclarecimento adicional. A comissão, então, pode solicitar ao perito que complete, explique ou compareça a audiência para ser inquirido. Esta previsão encontra-se no art. 435 do CPC. Neste caso, deve ser expedida intimação ao perito, com antecedência de cinco dias.

QUESITOS

é preciso compreender que a perícia tem o sentido de esclarecimento. Então, para que seja um expediente de resultado prático, é indispensável que a comissão processante e a defesa, querendo, indiquem quais os pontos que desejam ver esclarecidos. Isso é feito por intermédio dos chamados quesitos. Ou seja, um rol de questões que são apresentadas ao perito (ou peritos), para que sejam objetivamente respondidos.

Os quesitos podem ser impugnados. A defesa pode entender que eles têm uma resposta induzida (a mesma desconfiança pode vir da comissão em relação aos quesitos apresentados pela defesa). Neste caso, as perguntas podem ser refeitas, para que não ocultem um direcionamento de resposta.

é evidente que os quesitos devem se limitar a aspectos relacionados á área de conhecimento específico. O perito da área médica, por exemplo, não pode ser questionado sobre a repercussão jurídica; e nenhum perito pode emitir opinião: a perícia é expressão da conclusão técnica ou científica.

ASSISTÊNCIA

Quando promovida perícia de ofício, a defesa pode apresentar, ao seu encargo, assistente técnico. E aqui entra uma particularidade: o assistente não é um representante da defesa; ele é representante da qualidade. Logo, não cabe ao assistente distorcer a perícia a favor da parte. O seu papel é acompanhar e fiscalizar o trabalho da perícia oficial, identificando, por exemplo, eventual equívoco de método ou de interpretação, ou uso inadequado de equipamentos de análise.

COMO ENCAMINHAR A PERÍCIA

O estatuto federal, por exemplo, não explica como a perícia é encaminhada. Mas devemos fazer uma construção, a partir do que ele enuncia sobre o incidente de sanidade mental:

Art. 160. Quando houver dúvida sobre a sanidade mental do acusado, a comissão proporá á autoridade competente que ele seja submetido a exame por junta médica oficial, da qual participe pelo menos um médico psiquiatra.

Parágrafo único. O incidente de sanidade mental será processando em auto apartado e apenso ao processo principal, após a expedição do laudo pericial.

Daqui, então, extraímos os principais indicativos:

a) havendo necessidade de perícia (qualquer perícia), ela será informada pela comissão á autoridade instauradora:
b) á autoridade compete determinar a realização da perícia;
c) ela será processada em autos apartados.

Também podemos concluir que a perícia será feita por instituição oficial. Entretanto, nem sempre isso é possível. Neste caso, a Administração poderá contratar perícia externa. O que não pode é sacrificar o esclarecimento.

Há situações em que o resultado é demorado. Já correram, por exemplo, 90 dias (o prazo do processo já foi prorrogado), quando se identifica a necessidade de promover perícia. é evidente que o resultado não chegará em tempo hábil para concluir o processo em 120 dias. O que se faz? Recomendamos o sobrestamento 6.

INSPEÇÕES

A comissão processante não pode ficar fechada em uma sala sem abrir a porta, arejar o conhecimento e sair á rua busca de elementos esclarecedores. Há situações, na verdade, que exigem deslocamento, para verificar locais, pessoas, equipamentos e circunstâncias. Para isso, valemo-nos da figura jurídica das inspeções.

Previsão - art. 440 do CPC

De ofício ou a requerimento, "podem ser inspecionadas pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato que interesse á decisão da causa".

HIPÓTESES - adaptadas do art. 442 do CPC:

- quando for necessário para melhor verificação ou interpretação dos fatos;
- quando a coisa não puder ser apresentada perante a comissão, sem consideráveis despesas ou graves dificuldades;
- quando for necessário para reconstituir os fatos.

PROCEDIMENTOS DA INSPEÇÃO

O argüido tem que ser intimado e tem o direito de:

- comparecer á inspeção;
- assistir a inspeção;
- prestar esclarecimentos e observações que considere necessárias.
(Art. 442, parágrafo único, do CPC)

AUTO CIRCUNSTANCIADO

Ao fim, é lavrado auto circunstanciado, "mencionando nele tudo o que for útil ao julgamento da causa". Pode ser instruído com gráficos, desenhos e fotografias - art. 443 do CPC.

PROVA INDICIÁRIA

Não é raro alguém dizer que não há provas, apenas indícios. Na verdade, indícios são provas. O que geralmente acontece, na verdade, é confundir-se indício com suposição.

Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou de outras circunstâncias (art. 239 do CPP).

Nós preferimos conceituar Indícios como fragmentos de provas que, isoladamente, não podem ser aproveitadas. Reunidos, a partir de um raciocínio lógico, esses fragmentos podem compor um mosaico, no qual aparece retratada a verdade.

O trabalho com a prova indiciária, a princípio, não é fácil. Duas pessoas podem ter os mesmos indícios, os mesmos fragmentos, e, ao fim, cada uma chega a uma conclusão diferente. é como se fossem peças de um quebra-cabeças, que uma criança monta com facilidade e a outra, sem o mesmo nível de inteligência e astúcia, não consegue montar.

O aproveitamento dessa prova, na verdade, exige:

- que os indícios (fragmentos) estejam nos autos;
- que o responsável pela análise desenvolva um trabalho mental apurado, baseado na indução7 ;
- que,no relatório, a comissão tenha capacidade de explicar.

Notas de rodapé convertidas em notas de fim

1 Recomendamos que a primeira reunião da comissão seja para examinar aspectos operacionais. Primeiro, conferir a viabilidade jurídica do empreendimento. Às vezes, uma atenta leitura mostrará que a Portaria está mal formata e poderá inviabilizar o processo. Este ato instaurador, com efeito, se não atender os requisitos formais indispensáveis, levará á nulidade de tudo o quanto for processado. Logo, de nada adiantará a prova boa se o processo é natimorto.

Depois de examinados este e outros aspectos formais, a comissão irá verificar os meios materiais que dispõe para levar adiante a tarefa. Não poderá, obviamente, instalar os trabalhos se não tiver disponibilidade de recursos mínimos, que vão desde o espaço físico adequado á prática de atos processuais (audiências) até equipamentos e material de expediente.

Só depois dessas medidas, dar-se-á a instalação dos trabalhos. E a primeira reunião, nessa etapa, é para examinar as provas já existentes e deliberar sobre a juntada nos autos; e, depois, planejar a prova a ser produzida, para completar o esclarecimento.

2 A comissão pode obter provas emprestadas de outros processos. A validade desse expediente está contemplado na chamada teoria das provas emprestadas, recolhida do Direito alemão.

3 A instrução não encerra aqui, como pensam alguns. Depois de ser citado para oferecimento da defesa, o acusado poderá, ainda, apresentar novas testemunhas e requerer a produção de outras provas. Caberá á comissão examinar os pedidos e deferir ou indeferir cada um, sempre motivadamente.

4 é evidente que esta não é uma prova absoluta, como já se viu quando tratamos do valor da confissão. De qualquer maneira, é elemento idôneo a ser considerado a princípio.

5 No nosso livro Processo Disciplinar em 50 Questões (Ed. Brasília Jurídica, 2002, pág. 32) tratamos do roteiro a ser adotado pela comissão quando precisar instruir um incidente de falsidade documental.

6 Sobre as hipóteses, os fundamentos legais e a forma de promover o sobrestamento no processo disciplinar, recomendamos leitura do nosso livro Processo Disciplinar Passo a Passo (Ed. Brasília Jurídica, 2002, págs. 195/206).

7 INDUÇÃO - Operação mental que permite estabelecer uma verdade universal, a partir de verdades singulares (Dicionário AURÉLIO).

 

 

 

Autor:

Léo da Silva Alves

leoalves[arroba]terra.com.br



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