Formação jurídica: teoria, prática e pesquisa

Enviado por André Saddy



A formação jurídica é questão da mais alta complexidade, envolvendo diversos aspectos. Tentaremos aqui trazer nossa opinião a respeito do ensino jurídico na atualidade, sem é claro a pretensão de esgotar o assunto, porém com a pretensão de criticar, elogiar e sugerir mudanças, como um concluinte de um curso de Direito. Para tanto, abordaremos um aspecto histórico até a atualidade para em seguida tratar dos aspectos doutrinários sobre o tema para que possamos ao final concluir com as sugestões.


Seguindo a mesma função dos cursos europeus, a criação das Faculdades de Direito no Brasil obedeceu á Lógica das classes dirigentes, que necessitava de quadros aperfeiçoados para administrar o Estado. Cunha (In: Olivo, 2000, p. 57) afirma que o ensino superior atual nasceu "junto com o Estado nacional, gerado por ele e para cumprir, predominantemente, as funções próprias deste". O papel da independência de 1822 foi o de "acrescentar mais dois cursos, de Direito, ao rol dos já existentes, seguindo a mesma lógica de promover a formação dos burocratas na medida em que eles se jaziam necessários".


São essas escolas superiores, principalmente as de Direito, nas quais estavam matriculados ao fim do império mais da metade dos jovens alunos oriundos das grandes famílias proprietárias de terras e de escravos, que desempenharam um papel central no recrutamento e na formação dos mandarins, isto é, da nova burocracia emergente, formada por juízes, administradores, parlamentares e servidores públicos. Caso fosse beneficiado com o privilégio de algum apadrinhamento político, poderia concorrer a algum cargo eletivo.

O novo curso, que teria duração de cinco anos1 , tinha assim definido o seu currículo: 1º ano: Direito Natural, Direito Público, Análise da Constituição do Império, Direito das Gentes, Diplomacia; 2º ano: O mesmo do 1º ano, acrescentando Direito Público Eclesiástico; 3° ano: Direito Pátrio Civil, Direito Pátrio Criminal com a Teoria do Processo Criminal; 4º ano: Continuação do Direito Pátrio Civil, Direito Mercantil e Marítimo; 5º ano: Economia Política, Teoria e Prática do Processo adotado pelas leis do Império.

Em 1854, por decreto de 28 de abril, os cursos jurídicos foram transformados em Faculdades de Direito. O de Olinda foi transferido para Recife. Os currículos sofreram pequenas alterações.

Para ingressar nas Faculdades de Direito, determinavam os Estatutos de 1827 o candidato deveria ter uma idade mínima de 15 anos e aprovação nos exames preparatórios, de língua latina e francesa, retórica, filosofia racional e moral, aritmética e geometria. Os cursos apenas faziam o exame, mas não ofereciam os estudos que preparassem para elas.


Para resolver esse problema foram editados novos Estatutos, em 7 de novembro de 1831, incorporando mais seis cadeiras destinadas a ministrar o ensino exigido pelos exames: latim, francês e inglês; retórica e poética; Lógica, metafísica e ética; aritmética e geometria; história e geografia. A partir de então os estudantes adquiriam na própria escola os conhecimentos exigidos para os exames.

Portanto, quando refletimos sobre a formação jurídica em nosso país, verificamos que, historicamente, existem vínculos muito fortes entre a estrutura e o funcionamento da sociedade e a orientação teórica e prática da formação jurídica. De um lado, a literatura sobre a historia da educação nacional evidencia que os cursos jurídicos foram praticamente os pioneiros, em termos de ensino superior. E os estudiosos do assunto, entre os quais destacamos Cunha (1983), Romanelli (1994) e Bastos (1998) são praticamente unânimes em esclarecer que a origem desses cursos, no início do Século XIX, mais precisamente em 1827, justificou-se principalmente em função do propósito de atender aos requisitos da burocracia estatal e das elites que exerciam o poder, no Brasil imperial. Segundo Bastos (1998, p. 292) existe, desde então, uma tendência continuísta uma vez que a documentação pertinente ou a legislação normatizadora da formação jurídica não apresentam indicações de mudanças educacionais radicais. Conforme palavras do pesquisador mencionado (1998, p. XXI):

Os institutos educacionais, e, sobretudo, os institutos do ensino jurídico evoluíram a partir de suas tradições anteriores, por blocos ou itens de acomodação, nunca em função de grandes ideais ou da negação radical das práticas anteriores. Na verdade, não tivemos rupturas na história do ensino jurídico e as tentativas de mudanças abruptas resultaram em fracassos e frustrações (...)

Por outro lado, considerando a tendência bacharelista, marcante em nossa cultura desde longa data, bem como os papéis relevantes que alguns juristas ocuparam em diferentes posições do cenário político brasileiro, é compreensível que as tendências predominantes na formação jurídica tenham exercido (e desempenhem ainda hoje) importante papel na forma de organização social e política de nosso país. Esse ponto de vista encontra fundamento na análise de Bastos (1998, p. 292), quando explicita o que segue:

No Brasil, a ausência de uma sociedade civil juridicamente organizada deve-se, entre outros fatores, ao processo de formação acadêmica dos advogados, dominantemente voltado para atender a objetivos e interesses do Estado e determinado por uma percepção acentuadamente dogmática da aplicação do Direito.

Decorre desse dado de realidade a importância de que a formação jurídica seja analisada em sua correlação com o papel ocupado pelo Estado no âmbito da dinâmica social, onde se insere igualmente o trabalho dos operadores do Direito, nos diferentes momentos da história pátria.

Daí porque parecer que o ensino jurídico tem atuado no sentido de reforçar a tendência conservadora e dogmática que marca as relações entre as elites políticas e a população, especialmente quando se trata dos segmentos tradicionalmente excluídos do acesso á justiça, ainda que pensemos nos direitos mais elementares.


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