Negação da Política, Afirmação do Conservadorismo

Enviado por Claudio Reis


Ao que tudo indica, o ano de 2005 será inserido na história política brasileira, como um dos mais conturbados e tensos para a vida nacional. A publicização dos mecanismos utilizados pelo PT (Partido dos Trabalhadores), maior partido de "esquerda" do país, para atrair para sua órbita programática as diversas forças partidárias do cenário político, acabou por revelar uma profunda "mercantilização" da própria política. O que, sem dúvida, gerou amplos debates acerca da própria limitação e configuração do regime democrático-burguês. Isto porque, a crise do PT se revelou muito mais do que uma crise partidária, na qual, o seu desmantelamento político-ideológico, pode ser um exemplo. Na verdade, esse momento está muito mais próximo de uma crise de Regime, na qual a ausência da Política, no âmbito parlamentar, foi e está sendo a principal característica.

Obviamente que esta crise da Política - no âmbito do que Gramsci chama de "sociedade política", basicamente constituída pelo "monopólio da violência" estatal - não se encerra neste momento centralizador característico do Estado. Ainda com Gramsci, pode-se afirmar que essa crise se estende para outra esfera do Estado, compreendido de um modo ampliado, que é a própria "sociedade civil". Neste sentido, é importante apreender quais são as conseqüências para a Política estabelecida não apenas como prática específica de um aparelho estatal restrito, mas tendo em vista o seu entendimento ampliado. Em outras palavras, observando como a Política é relacionada com os mais diversos indivíduos, grupos e classes sociais que vivem na "sociedade civil".

De forma sintética, Gramsci se expressa sobre essa questão do seguinte modo: "...Estado = sociedade política + sociedade civil..." (GRAMSCI, 2000 : 244). Certamente que esta não é a única passagem do autor sobre o tema. Em diversos momentos dos seus Cadernos do cárcere, Gramsci desenvolve reflexões sobre a relação "sociedade política" e "sociedade civil".

Tendo em vista tal enunciado, a ligação entre "sociedade política" e "sociedade civil" fica mais evidente. Em outras palavras, verifica-se mais palpável uma possível ligação entre a onda conservadora presente em Brasília e o restante do conjunto da "sociedade civil". Dentro desse movimento conservador, pode-se citar desde o pagamento pelo PT para partidos, com objetivo de manter uma certa base aliada, até a vitória de Severino Cavalcanti para a Presidência da Câmara Federal. Diante dos fatos divulgados recentemente, não parece haver dúvidas quanto ao caráter mercantil da política parlamentar, no qual a compra de ideologias se tornou pública. Isso nos faz olhar para a mercantilização da própria vida social, caracterizando um cenário de considerável fortalecimento de movimentos anti-políticos. 

Todo esse processo materializa-se no cotidiano de diversas formas, sendo as manifestações de cunho conservadoras as mais freqüentes. é cada vez maior os atos conservadores nos espaços do dia-a-dia dos indivíduos. Movimentos declaradamente contra os negros e homossexuais, além da permanente manifestação homofóbica, sem dúvida, revelam grande fôlego. E aqui não parece absurdo ressaltar a vitória esmagadora do "Não", no plebiscito sobre o desarmamento. Para acentuar ainda mais tal situação, acrescenta-se a despolitização cada vez maior da grande maioria da população, em conseqüência do descrédito sobre os partidos políticos e sobre os próprios políticos strictu senso.

Ao que parece, estamos vivendo um processo bastante crítico para qualquer força ou movimento que se coloque como progressistas. Poucos são os exemplos de movimentos populares em crescimento. Ao contrário disso, as soluções articuladas pelos setores regressivos dos diversos problemas sociais parecem ser as mais corriqueiras. Ao se olhar para o cotidiano das classes subalternas, não é difícil detectar um certo movimento de fascistização social. Como exemplos bastante evidentes, podem ser lembrados os movimentos neo-nazistas, numa clara defesa do racismo e da homofobia.

Hannah Arendt, importante autora do pensamento político ocidental contemporâneo, faz uma análise fundamental sobre esse movimento de negação da Política. Segundo sua opinião, depois dos campos de concentração nazistas, a humanidade revelou uma capacidade de destruição nunca vista antes na história. Todavia, o fim das fábricas de cadáveres não significou a eliminação de um certo movimento "totalitário" nas relações sociais. E é justamente sobre o fim da política que esse movimento destruidor se alimenta. Para ela:

"Já não podemos dar-nos ao luxo de extrair aquilo que foi bom no passado e simplesmente chamá-lo de nossa herança, deixar de lado o mau e simplesmente considerá-lo um peso morto, que o tempo, por si mesmo, relegará ao esquecimento. A corrente subterrânea da história ocidental veio á luz e usurpou a dignidade de nossa tradição. Esta é a realidade em que vivemos. E é por isto que são inúteis todos os esforços de escapar do horror do presente, refugiando-se na nostalgia por um passado ainda eventualmente intacto, ou no antecipado, oblívio de um futuro melhor." (ARENDT, 1975:11)

é dentro desse raciocínio que a autora esclarece como o anti-semitismo - configurado como uma questão pontual e particular, de pouca relevância para política mundial - pôde fundamentar o movimento nazista e em seguida ser o ponto central dos campos de extermínio. Em certos momentos, ela afirmará que as fábricas de cadáveres não podem ser entendidas apenas pelo anti-semitismo, pois elas, na verdade, transcendem tal acontecimento. Em outras palavras, Arendt parece indicar um movimento "subterrâneo" da história ocidental extremamente nocivo á humanidade, no qual o anti-semitismo seria apenas o canal de fuga dessa "energia" destrutiva. O que faz pensar na possibilidade do surgimento de outras vias de vazão dessa corrente "subterrânea". Desse modo, o anti-semitismo foi apenas um desses canais, resta saber quais poderão ser os outros possíveis. Então, para a autora, o "totalitarismo" e a destruição se colocam como verdadeiros antípodas da civilização e do progresso - importantes bandeiras do Ocidente. Para a autora a única forma de conter esse constante movimento destrutivo é por meio do vinculo com o mundo da Política.


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