Neurociência, Moral e Direito: seriedade e prudência



Por mais que a atividade científica seja desde há mais de um século o motor -inclusive econômico- das sociedades avançadas, por muito que resulte exemplar a dedicação dos investigadores á tarefa inacabada sempre de saber os "porquês" deste universo, em ocasiões os logros dos laboratórios têm um ponto de exploração publicitária que atrai tentações de risco por parte do mundo mediático. As notícias acerca dos descobrimentos científicos deveriam tratar-se com um rigor mais apurado, ainda que, para dizer a verdade, essa exigência é também necessária para as notícias políticas e econômicas. Se já não faz nenhuma diferença o fato de que todos dias a imprensa publique o último atropelo político do país, porque no mundo da política já enlouquecemos todos e se manejam cifras de escândalo como se se tratasse de uma troca de figurinhas em uma atividade que já não mais ultrapassa o umbral do trivial, com algo de tanta seriedade como é uma descoberta científica não se pode ir com frivolidades.

Um dos mehores exemplos do que estamos nos referindo parece ser, sem dúvida, a franca e crescente revolução das denominadas neurociências. A cada dia que passa, sucedem-se no noticiário novas tecnologias para obtenção de imagens detalhadas do cérebro em funcionamento, novas substâncias moduladoras da atividade cerebral e novas promessas de aniquilação de flagelos antigos como a depressão, a obesidade, a infelicidade , a perda de memória, etc. Todas essas promessas gritam para nós das portadas sensacionalistas de livros, revistas, jornais, etc., todos "inspirados" nos recentes ( e constantes) resultados provenientes das investigações neurocientíficas - já há, inclusive, autores que falam de uma nova área de conhecimento: o "neurodireito". A "neurocultura" parece estar, definitivamente, de moda.

Pois bem, para o que aqui nos interessa, a questão é saber que efeito as neurociências e as neurotecnologias em desenvolvimento têm sobre nosso sentido de natureza humana. Como caberia aplicar a ciência (particularmente a neurociência) ao direito e a moral sem tergiversar o sentido destes últimos? Até que ponto a neurociência e as novas neurotecnologias podem vir a afetar os sistemas jurídicos e éticos e a aplicação da justiça ( por exemplo, nosso senso de liberdade, crime e responsabilidade individual)?

Explicamos: a neurociência, em uma de suas vertentes, é a área de conhecimento que permite uma aproximação ao conhecimento de como se hão construído e que circuitos neuronais estão involucrados e participam na elaboração das decisões que toma o ser humano, a memória, emoção e o sentimento, e até mesmo os juízos e os pensamentos envolvidos nas condutas éticas. Trata-se de uma disciplina que experimentou um crescimento espetacular nos últimos quinze anos. De seu modesto começo como um ramo da fisiologia, o estudo da relação cérebro/mente - também chamado de neurociência - se expandiu consideravelmente em anos recentes, agora fadado a se tornar a rainha das ciências.

O número de artigos em revistas especializadas ou destinadas ao público em geral cresceu quase exponencialmente desde inícios da passada década. E este incremento no número de estudos e o correspondente aumento dos conhecimentos sobre o cérebro e seus correlatos comportamentais não passou desapercebido. A tal ponto que, recentemente, em um artigo publicado em Nature Neuroscience por destacados neurocientistas de vários países, se fez um chamamento acerca da importância que os conhecimentos aportados pela nova disciplina, a neuroética, tem para a sociedade, logrando atrair a atenção de um número crescente de investigadores de reconhecido prestígio e removendo os outrora apáticos cimentos das distintas disciplinas das quais emergiu ( isto é, das múltiplas interfaces entre medicina, biologia, psicologia e filosofia - para citar apenas as mais destacadas).

Mas o atual esforço mundial realizado sobre as neurociências, potencialmente louvável, não deixou de gerar alguns problemas porque, como soe ocorrer quando uma área de trabalho e investigação altera súbita e radicalmente sua face, ao igual que um campo imantado de fascinação, acabou por provocar um pouco de desconcerto e desorientação: proliferam novos conceitos, fatos e argumentos a tal ponto que, de um lado, tornam por momentos difíceis - senão impossível - manter um panorama global, coerente e bem informado; do outro, tornam fluxos, débeis e vulneráveis os critérios de avaliação gerais que permitem julgar ditos conceitos, fatos e argumentos. O resultado de tais inconvenientes, pode ver-se, por exemplo, na desmedida produção de uma massa indigesta de fatos em todos os níveis e pelos diferentes discursos (descritivos e/ou explicativos) que estes acabam por gerar sobre a atividade mental e o cérebro.

Seja como for , a localização dos correlatos cerebrais relacionados com o juízo moral, usando tanto técnicas de neuroimagem como por meio dos estudos sobre lesões cerebrais , parece ser, sem dúvida, uma das grandes notícias da história das ciências sociais normativas. E na medida em que a neurociência permite um entendimento cada vez mais sofisticado do cérebro ( o órgão necessário da consciência, do pensamento, da memória e da identidade), as possíveis implicações e as novas relações provocadas por esses avanços, para além de sua extraordinária relevância científica, também carregam consigo importantes conotações filosóficas, jurídicas e morais, particularmente no que se refere á compreensão dos processos cognitivos superiores relacionados com o juízo ético-jurídico, entendidos estes como estados funcionais de processos cerebrais.

O objetivo parece ser, em princípio, o intento de aclarar a localização de funções cognitivas elevadas entendidas como apomorfias do Homo sapiens, ao estilo da capacidade para a elaboração de juízos morais. Parte-se da convicção de que, para comprender essa parte esencial do universo ético e jurídico, é preciso dirigir-se para dentro do cérebro, para os substratos cerebrais responsáveis por nossos juizos morais e cuja gênese e funcionamento deverão então ser reintegrados na história evolutiva própria de nossa espécie.


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