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Passado, presente e futuro da saúde pública. Reflexão em português (página 2)

Ana Catarina Peixoto Rego Meireles

Contrariamente ao que se passava com os nossos antepassados, o mundo e o futuro não nos são tão desconhecidos e confabulados. Tal não significa, contudo, que a nossa menor fragilidade e ignorância nos retira completamente o respeito e a cautela. Porventura, talvez aconteça o inverso: há menos desculpa na falha, no "engano da cartografia". Sabemos, desde já, que temos muitos desafios, de grandeza diferente, uns em vigor outros previsíveis… mas também recursos e conhecimento para os contornar.

Depois dum percurso histórico, que passou pela Protecção Social e Políticas de Saúde, surge agora a era da Governação da Saúde. Talvez a sua maior premência seja a efectiva concretização. é necessário que o país adquira a "cultura da governação", capaz de implementar as políticas públicas formuladas, com horizontes temporais previstos, com resultados demonstráveis e avaliáveis.

Há que assumir as dificuldades dessa implementação se se desconhecer a "terreno", ou seja, os recursos, actores e agentes sociais. A expectativa de sucesso, independente da interacção social, é ingénua e antecipa fracasso. Há que conhecer e aproximar os níveis teórico (ou formal) e prático (ou real), função duma das vertentes da Governação: a Governança.

Nesse empreendimento surge o importante contributo, a incluir cada vez mais nas decisões e práticas de Saúde Pública, das Ciências Sociais. Além de pilares já instituídos ou assumidos (Epidemiologia, Estatística, Informática, Economia...), esta área do conhecimento é uma mais valia a operacionalizar e a integrar no processo de prospecção/diagnóstico nas populações, elaboração de políticas públicas, estratégias de implementação, investigação em saúde, etc.

A Governação deverá ter um carácter normativo, consertado e coerente. Para tal, a aproximação da legitimidade política á legitimidade técnica deve ser também algo a alcançar. Muito provavelmente é, também, o caminho para acções não focalizadas ou parcelares mas de carácter transversal, integrado e lógico, mas principalmente, com relevantes ganhos em saúde pública.

Por aqui se infere, claramente, a necessidade do Planeamento em Saúde, outro importante pilar da Saúde Pública e uma grande prioridade para o devir português. Em Portugal, é também quase inexistente a "cultura do Planeamento", nas acções restritas, e ainda mais nas de carácter abrangente. Naquelas em que eventualmente se faz, rompe-se frequentemente algum elo da cadeia que levará á execução e seu sucesso.

É consentâneo que a Avaliação (do Planeamento e Execução) e o aperfeiçoamento da sua metodologia poderá dar um importante contributo a este nível, com consequente elevação do nível de saúde das populações. é crucial uma Avaliação correcta, independente e suficientemente exaustiva do desempenho do sistema, programas e projectos de saúde, que apure os resultados, impactos e eventuais "ganhos" obtidos, com identificação das limitações e obstáculos, com responsabilização dos intervenientes. Só assim se poderá, a todo o momento, reformar ou reformular as políticas e intervenções em saúde pública.

Qualquer reforma na saúde deve atentar e perspectivar a concretização maximizada e equilibrada dos seus objectivos: elevar o nível de saúde da população; melhorar a resposta em serviços (equidade); procurar a justiça na contribuição financeira. As reformas visam, precisamente, essa afinação e melhoramento.

Nesse sentido, surgem a Rede de Centros de Saúde de 3ª geração, a Rede de Cuidados Continuados, Hospitais com gestão privada empresarial. Partilham objectivos de simplificação do acesso, maior equidade, melhor articulação entre público e privado, em saudável e construtiva competitividade, sempre com vista á qualidade e serviço contemplando o interesse do cidadão.

Dentro da Qualidade, particulariza-se a "Segurança dos Doentes". Pela sua verificação, visa-se a redução de efeitos negativos consequentes á intervenção pelos prestadores de cuidados de saúde. Para tal é necessária a notificação (sem punição mas também sem isenção ou imunidade), bem como a avaliação contínua e permanente, além duma revisitada formação e aprendizagem pelos profissionais de saúde.

Este aspecto é contemplado no mais recente nível de prevenção: a Prevenção Quaternária (*). Também chamada de Prevenção da Iatrogenia, de um modo geral, visa evitar os efeitos indesejáveis resultantes da hiper-medicalização dos utentes, as consequências de estudos diagnósticos e terapêuticas excessivamente invasivos, controlar e minimizar custos financeiros no sistema de saúde, melhorar a qualidade e aumentar a racionalidade do acto médico. Como suporte fundamental surge a Medicina baseada na evidência, investigação idónea e consciente, formação permanente dos profissionais, mas também capacitação e educação dos consumidores de serviços de saúde.

A formação e consciencialização dos cidadãos ou profissionais prestadores de cuidados de saúde, o avanço na investigação… bem como o sucesso da implementação das políticas, a articulação entre instituições e aproximação do pensamento e discurso entre governantes e técnicos, a execução dos programas, a informação, nunca se dará com êxito se tudo se passar aquém do pleno conhecimento e domínio da arte de comunicar.

Comunicação não é sinónimo de informação, e em saúde essa "nuance" é ainda mais significativa. Pretende-se que o conteúdo seja entendido e assimilado, para mudar comportamentos, para influenciar, para ter impacto! Será esse um veículo para que as escolhas e iniciativas individuais sejam conscientes, geradores de empowerment informado do cidadão, gerindo ele próprio os seus recursos e doseando os da comunidade, para os quais contribui.

A informação, seus sistemas e processos, têm também um incontornável relevo, sendo beneficiários (e tributários) da inovação científica e tecnológica. Dispor e garantir informação em tempo real, rigorosa e completa, é de sobremaneira importante para decidir e intervir, em saúde pública. Além disso, permite antecipar efeitos e acontecimentos futuros. é um dos alicerces a fortalecer no futuro, de modo a que se cumpra o novo paradigma da saúde Pública.

Efectivamente, almeja-se a implementação dum novo paradigma para a Saúde Pública. Que tome decisões baseadas no conhecimento actualizado; que faça gestão da informação relevante e, em função disso, gira e comunique o risco; que, definitivamente, identifique os problemas e as necessidades em saúde da população, que monitorize o seu estado e determinantes de saúde e avalie o impacto das intervenções realizadas; que faça investigação e vigilância epidemiológicas; em que aconteça a gestão dos programas e projectos planeados executados no âmbito da promoção e protecção da saúde.  

Labutar para o exercício e concretização da ideia de Promoção da Saúde (existente desde 1986, pela Carta de Ottawa) é um instituído objectivo da Saúde Pública, seja qual for o paradigma. Se os serviços de saúde e equidade no seu acesso são relevantes para obter "ganhos em saúde", a maior contributo resulta do empreendimento individual na aquisição e manutenção de estilos de vida saudáveis, em interacção com os profissionais de saúde, as estruturas sociais, ambiente físico, meio cultural... entre outros determinantes de saúde.

Em termos ambientais, é cada vez mais custoso o equilíbrio entre o desenvolvimento das civilizações e o bem-estar e sustentabilidade das mesmas, a médio e longo prazo. Cada vez mais as intervenções humanas no Ambiente se dão a larga escala, com efeitos marcantes e sem ter como fito as consequências sobre gerações vindouras e os impactos sobre toda a vida no planeta. Em função desses cenários e suas consequências prováveis, dever-se-ão contemplar medidas preventivas e correctivas, ou minimizadoras, dos riscos e impactos esperados. Em Portugal, as ondas de calor (consequência do aquecimento global) têm sido responsáveis por excesso de morbilidade e mortalidade prematura, principalmente em grupos de risco (doentes crónicos, idades extremas, dependentes/acamados, etc.).

O Ambiente, as Migrações, as Doenças Transmissíveis, tal com outros assuntos, dizem respeito a todo o planeta, pelo que as políticas devem ser integradas e contextualizadas a nível global. Importa a união entre as nações, a colocação assumida do nosso país na agenda internacional, a interacção diligente ao nível da saúde pública e não só. O determinismo da globalização representa fontes de encargos mas também possibilidades de luta.

A agregação e federação, como um corpo único e vivo, unido na diversidade, está predestinada também desde os Descobrimentos. Depois de navegar águas mais ou menos conturbadas, os meridianos e coordenadas cruzam-se e concorrem mutuamente para um mesmo fim. Afinal, a terra é redonda, "Deus quis que a terra fosse toda uma"... e se "Deus quer", se o "Homem sonha" então… a "Obra nasce".

As caravelas para a unificação são, sem dúvida, aos Valores e a ética porque tocam todos, ou a maioria, dos desafios do "nosso futuro". Privilegio o Princípio da Responsabilidade. é fundamental que exista Responsabilidade: a nível internacional, nacional, regional e local; quer em termos  políticos, como técnico-científicos e sociais; em todos os profissionais mas também nos cidadãos… para que qualquer mudança seja bem sucedida.

É prioritário que ocorra a verificação dos princípios de "boa governação", independentemente dos valores contemplados ou metas priorizadas na agenda política. As "regras do jogo", transversais no tempo e no espaço, existem para se cumprir e fazer valer, visando-se a obtenção de bons resultados, em que todos ganham e se eleva o nível de saúde colectivo. Para exigir que se verifiquem, é importante que as instituições, intelectuais, comunidade em geral... sejam mais participativos e praticantes dos direitos e deveres que lhes assistem.

" Todos somos responsáveis por todos" (Rose).

Ainda hoje, na Lusitana nação, os navegadores são poucos e têm que se fazer ao desconhecido e á aventura para angariar recursos noutras paragens, em novos mundos. Mas a sua "loucura" reluz em "esperanças".

A maioria destas "esperanças" são reais e já vividas noutros países, há muito avistados.

A miragem vai chegando e ficando, com os ventos e as marés.

Falta cumpri-la.

"(…) Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.

Senhor, falta cumprir-se Portugal!"

Fernando Pessoa, in Mensagem (Poema "O Infante")

Trabalho realizado com base nas aulas e seminários do módulo de ISP, com apoio nos documentos disponíveis da plataforma e-learning (Curso de Especialização em Saúde Pública " Escola Nacional de Saúde Pública)

 

 

 

Autor:

Ana Catarina Peixoto Rego Meireles

a.catarina.meireles[arroba]gmail.com

É natural do Concelho de Vila Verde, Distrito de Braga.

Concluiu a Licenciatura de Medicina em 2004, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Em 2005 foi Interna do Ano Comum nos Hospitais de Universidade de Coimbra.

Em 2006 ingressou na Especialidade de Saúde Pública, estando a frequentar o Internato Complementar na Unidade de Saúde Pública de Braga. 

Portal de Saúde Pública, 2007



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