Sabores da memória: as cozinhas italianas na capital gastronômica – São Paulo



  1. Resumo
  2. Introdução
  3. A experiência da imigração: comida e etnicidade
  4. A comida italiana: novos diálogos nos 400 anos da cidade
  5. A comida italiana em novos cenários: a cidade cosmopolita
  6. Referências bibliográficas

RESUMO

São Paulo, hoje capital gastronômica, exibe essa imagem moldada a partir da diversidade de sabores dispostos em restaurantes das mais variadas cozinhas proveniente da extensa diversidade de grupos étnicos que a cidade abriga. Contudo, é curioso notar que nem toda a cozinha, tomada no senso comum como a cultura do outro, é consumida de maneira equivalente pelo onívoro cosmopolita. Dessa forma, tento explorar neste texto alguns elementos de minha pesquisa de doutorado, levantados com relação á forma como a diversidade foi manipulada no decorrer da presença de um grupo de imigrantes em particular, os italianos.

A relação entre esse grupo, comida e espaço urbano acessada em parte pela memória de proprietários de restaurantes presentes na cidade há mais de cinqüenta anos, mostrou algumas pontos instigantes da forma pela qual negociam sua posição no interior do grupo, frente á cidade e com a diversidade presente no espaço urbano. Assim, a partir das narrativas desses interlocutores tentou-se analisar o papel da comida como instrumento de diálogo em um ambiente extremamente fértil e no qual a questão da diversidade assumiu diferentes posições.

Assim, este texto pretende discutir alguns aspectos dessa relação entre memória e comida, ainda pouco explorada em nossa disciplina, na tentativa de ampliar os estudos levados nessa direção, e proporcionando a abertura ao diálogo na tentativa de enriquecer a discussão em torno das interlocuções com a diversidade.

Palavras-chave: antropologia da alimentação, imigração, cozinha italiana

Introdução

A questão da memória é instigante para a antropologia. Como uma composição heteróclita de imagens que não deixam de estar, por assim dizer, contaminadas das percepções que norteiam a vida no presente, nos oferece uma porta de acesso a diferentes caminhos para pensar a questão da identidade, a relação entre um grupo e o espaço. Nesse sentido, essa composição ás vezes parece estar sem foco, mas um olhar mais cuidadoso é capaz de evidenciar os ritmos dessa cadência.

Segundo Woortmann (1994), o material que acessamos pela memória é maleável, mas até certo ponto. Para a autora, pode-se dizer que teríamos uma interlocução entre memórias de, aquelas que se retém no passado, e memórias para, isto é, aquelas que projetam o passado no presente. Além disso, a memória individual não emerge isoladamente, ela se articula á memória coletiva que opera, ainda segundo a autora, em dois planos, a memória da família e a memória social do grupo.

Partindo desse pressuposto, a memória é central para um processo de construção de identidades, inclusive como um mecanismo de estabilidade, embora tenha um caráter de manipulação, nem sempre consciente, de imagens, combinações, ausências e silêncios. Ainda, as experiências que convergem sobre o individuo, moldam sua memória sem ignorar os laços sociais que o prende a grupos e á história oficial, em um processo alternado em oficiais, familiares e pessoais vem á tona. Dessa combinação, emerge uma composição com tons particulares de fatos e acontecimentos mais gerais, mas que não deixam de dialogar com outras referências próximas, tal como Bosi (1994) sugeriu.

A idéia de progresso e contribuição da imigração italiana é um dado que emerge constantemente nas lembranças, ladeado por eventos marcantes como as guerras, revoluções e outros fatos históricos marcantes. Nesse sentido, lembrando Carneiro da Cunha (1986) sobre as profundas marcas constituídas em uma situação de diáspora, tal como foi o processo imigratório do começo do século XX, é evidente que uma parte da vida é deixada para trás, e nesse sentido, o que se pôde levar está na memória. A longa viagem, a chegada a um país estranho, as dificuldades de sobrevivência em vários planos (econômico, social, cultural) aciona a memória que passa a desempenhar um papel central e, no mínimo, uma forma de compensar não só vazios materiais, mas também vácuos existenciais.

Memórias são maleáveis, se em uma situação de diáspora as lembranças nostálgicas aquecem o espírito, sua transmissão ás novas gerações é um meio de preservar elementos que falam sobre uma identidade e moldam predisposições, demarcando elementos de uma experiência que se é individual e familiar, também não deixa de ter sentido coletivo.

Em parte, esse conjunto de conhecimentos, como bem assinalou Woortmann (1994), seria aquilo que Bourdieu (1979) definiu como habitus, repassado entre gerações e forma de um poderoso mecanismo de distinção. No entanto, essa perspectiva não deixa muita margem para negociar mudanças, um aspecto visível ao voltar o olhar ao nosso objeto, a cozinha italiana. Se as relações são estruturais e estruturantes, os conteúdos que podem ser vislumbrados á luz da trajetória dessa cozinha indicam que há uma produção de sentidos que se sobrepõe constantemente, frutos da própria ação[1].


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