Sobre o valor da paisagem



«A semiótica, no sentido de fixações de signos, ou seja, de processos sígnicos, está sempre contida em conceitos e operações matemáticas.»

Elizabeth Walther-Bense, 2000

«Penetrar nas representações é compreender o espaço tanto através dos processos visíveis, quanto por meio dos aspectos míticos dos lugares, e a paisagem pode ser fundamental nesta conexão obrigatória entre pensamento e imagem.»

Caio Augusto Maciel, 2000

The Harvesters, 1565, Brueghel

Se há afirmação que parece trivial é dizer que equacionar o valor de uma paisagem é questão complexa. Que dizer da natureza do próprio objecto? Uma paisagem estende-se até onde os olhos alcançam, pode ser rural ou urbana, matriz homogénea ou mosaico variado, plana ou ondulada, de matos ou deserto, eucaliptal ou betão...

Segundo Peirce, quando falamos de objectum somos interpretantes da coisa: a paisagem não é perceptível senão pelos olhos humanos, investida como signo, ou seja como algo que significa. A metamorfose da paisagem pode ser muito rápida, ou pelo contrário resistir muito tempo na sua forma matricial resiliente. Por exemplo, como entender a eucaliptização massiva das serras de Portugal, iniciada em força na década de 80, senão como a afirmação de um valor? O valor de que a realização do máximo lucro no curto prazo, ligado á cadeia de transformação biomassa->fogos->pasta e papel, sobrepôs-se a qualquer outro, seja a preservação da biodiversidade e da memória dos sítios. Já Orlando Ribeiro definia a oliveira como o signo do Mediterrâneo -a sua forma silvestre, designada por zambujeiro, depois domesticada pelo homem para obter fruto, era o símbolo de abundância e de paz para os romanos.

Uma paisagem apresenta uma sintaxe, uma disposição dos elementos, sejam habitats e ecótonos, vias e habitações, linhas de água e poços, ou outros. Essa é a linguagem da paisagem, que remete para significados que ecoam num plano mais profundo, semântico, ligado aos processos e funções: ecológicos, económicos e simbólicos. Estamos assim compulsados a efectuar uma semiótica da paisagem, entendida como Greimas enunciou: uma teoria da significação, e que outros situam como o método da passagem do sensível ao inteligível.

O valor de uma paisagem comporta várias valências, ou dimensões de valor: a valência económica, a valência ecológica e a valência estética. Enquanto lugar de projecção mítica adquire um valor simbólico como nos refere Maciel citado na epígrafe. Por valência analogamente com o conceito de ligação química -entende-se o conjunto das conexões que o objecto possui num dado campo. Assim, tomamos como modelo do valor de um objecto o conjunto das suas valências. Para simplificar podemos reduzir simbolicamente estabelecendo que uma componente de valor é representada por um número e portanto o modelo é o conjunto representado por V={v1, v2, ...,vn}, supondo que existem n valências ou campos de valorização do objecto. A redução máxima é o conjunto V={v1,v2}, representando duas componentes de valor, duas dimensões. O número 2 em matemática tem um lugar especial: é o único número primo par.

O valor económico da paisagem radica na sua própria etimologia: pagus é um termo latino relativo a uma demarcação rural do império romano -uma aldeia e suas terras -sujeita a pagamento de impostos. Um agregado de pagus constitui uma paisagem, onde a par do termo português temos os correspondentes latinos: paisaje em castelhano, paysage em francês. Já a palavra anglófona landscape entra em uso pelas elites em Inglaterra no século XVII e na raiz é derivada do termo holandês landschap -designando uma mancha de terra cultivada. A paisagem enquanto representação de sentido entra na cultura ocidental pela mão dos pintores holandeses dos século XV-XVI e a noção principal que a subtende é a de perspectiva, conjugada com objecto geográfico. Bakhtin recorda-nos que cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade.

Na economia dos recursos naturais procura-se internalizar muitas componentes de valor de troca, como a valorização monetária do fluxo de bens e serviços que está associada a uma área -os produtos florestais, a agricultura, o turismo e o lazer, outros serviços e produções. O último passo nesse sentido é a internalização do sequestro de carbono, na diferença entre o que é emitido de várias formas e o que é fixado por via da fotossíntese.

Existem assim dois campos em que podemos procurar arrumar a redução do valor da paisagem: enquanto materialidade terá um valor real, susceptível de várias mensurações físicas e económicas, incluindo a biodiversidade e o sequestro do Carbono. Além disso terá um valor simbólico expresso nas lendas e nas histórias a que se associa uma expressão estética do objecto. Walther-Bense afirma que o valor estético representa não só uma função de medida estética como uma função da supericonicidade do objecto. Ora, que outro objecto se não a paisagem para nos apelar a um superícone, ou seja, a uma multiplicidade icónica de atributos. Mourão refere que também se pode imaginar uma relação que vai do objecto ao enunciatário, o caso do sujeito estético que inverte a sua posição com a do objecto analisado.


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