Marx, Lukács, trabalhadores e proletariado

Enviado por Sergio Lessa


  1. Trabalho e trabalho abstrato
  2. Trabalho abstrato e capital
  3. Trabalho, trabalho abstrato, trabalhadores e operários
  4. Bibliografia

Em vastas áreas da intelectualidade acadêmica, das organizações sindicais e mesmo das organizações políticas de esquerda, a vitória do capital sobre o trabalho que é o fundamento histórico do atual período contra-revolucionário é tomada como a demonstração empírica definitiva da falsidade da "centralidade do trabalho" para o mundo dos homens. Uma situação política conjuntural (mesmo que seja uma conjuntura de décadas) é assumida, sem questionamentos, como a comprovação cabal da falsidade da tese marxiana da centralidade ontológica do trabalho.

Sempre há problemas de ordem metodológica quando deduzimos, direta e imediatamente, uma determinação ontológica a partir da esfera da política[1]Neste caso em particular, a dedução é liminarmente falsa. A começar pelo fato de que a concepção marxiana do trabalho enquanto categoria fundante do mundo dos homens, do trabalho enquanto "eterna necessidade da vida social", não apenas não se opõe, como ainda requer o reconhecimento de que os trabalhadores não foram a classe politicamente decisiva nas sociedades pré-capitalistas. Em nenhuma dessas sociabilidades foram os trabalhadores a classe politicamente predominante – o que em nada altera o fato de ser o trabalho, também para as formações pré-capitalistas, a categoria ontologicamente fundante. Para Marx e Lukács, a centralidade do trabalho decorre, não da afirmação da posição política central da classe que executa o trabalho em todas as formações sociais[2]mas sim da "constatação ontológica" de que sem o intercâmbio orgânico com a natureza não há qualquer socialidade possível.

Algo semelhante tem ocorrido em um outro viés do debate envolvendo o trabalho no mundo contemporâneo. Referimos-nos à relação entre o trabalho e as classes sociais. As transformações promovidas nos processos produtivos nas últimas décadas teriam, segundo algumas das teses mais aceitas, alterado profundamente, por vezes essencialmente, a relação entre o trabalho e as classes sociais: a distinção entre operários e demais assalariados estaria sendo superada por uma aproximação entre o trabalho produtivo e o improdutivo e entre o trabalho manual e o intelectual. Tal concepção, sob as mais variadas formas, faz parte do núcleo central de todas as teses que propõem serem as funções sociais das práxis dos assalariados em geral a mesma da dos operários e que, neste sentido, afirmam serem "trabalhadores" tanto os operários quanto os médicos, professores, assistentes sociais, gerentes, funcionários públicos e assim por diante[3]

Indiscutivelmente, a "reestruturação produtiva" introduziu importantes mudanças nas fábricas e nos serviços, redimensionou em vários setores econômicos a relação entre as atividades de controle e de produção, aprofundou a divisão social e sexual do trabalho (Kumar, 1997; Hirata, 2002, Gorz, 1980) ao mesmo tempo em que intensificou a exploração dos trabalhadores. Nesse contexto, é razoável se questionar se os efeitos dessas alterações sobre as classes sociais não seriam de tal monta a exigir uma nova teoria acerca da relação entre elas e o trabalho. E ainda mais justificada é a questão se lembrarmos que atravessamos o período contra-revolucionário mais extenso e intenso jamais conhecido pela humanidade e que, devido a isso, a identidade político-ideológica das classes fica enormemente prejudicada pelo avassalador predomínio da ideologia burguesa"[4]. Todavia, o fato de as questões serem justificáveis não significa que sejam, necessariamente, corretas as respostas positivas a elas.

O que distingue o trabalho de todas as demais atividades humanas é a sua função social: o trabalho realiza o intercâmbio orgânico com a natureza sem o qual não há qualquer reprodução social possível (Lukács, 1983: 153; Lessa, 2002, 2007a). Todas as outras práxis sociais, rigorosamente todas as outras, agem no sentido de organizar a vida social para que, no limite, seja assegurada a continuidade da produção dos bens indispensáveis à reprodução a partir da transformação da natureza. Esta é a razão de o trabalho ser a categoria ontológica central para o mundo dos homens, tanto em Lukács como para Marx: como sem a transformação da natureza não há qualquer reprodução social, toda a organização social, todas as práxis surgem, "direta ou indiretamente" (Lukács, 1981:135), das novas necessidades incessantemente produzidas pela história para a continuidade de tal transformação. Por isso, as necessidades e as possibilidades que surgem na esfera do trabalho tendem a ter um impacto sobre a reprodução social mais duradouro, profundo e extenso do que as que emergem nos outros complexos sociais – ainda que isto deva ser tomado como uma lei tendencial e não enquanto uma rígida determinação mecânica[5]


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