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Educação, cognição e subjetividade: contribuições psicopedagógicas e humanísticas (página 2)

João Beauclair

Com Paulo Freire aprendi que a Educação é "uma situação gnosiológica" , é espaçotempo de "comunicação, é diálogo, é um encontro de sujeitos interlocutores que procuram à significação dos significados." Objetividade e subjetividade são dois lados de uma mesma moeda, que se integram, num movimento dialético onde ensinantes e aprendentes estão em comunhão na busca de suas integridades humanas. Para Freire, uma educação autêntica "não se faz de "A" para "B" ou de "A" sobre "B", mas sim de "A" com "B" mediatizados pelo mundo".

Nesta mediação, o mundo de um pode ser percebido e apropriado pelo outro, com as diferentes percepções de cada um complementando a busca de sentido para o humano existir de todos. Com as experiências educacionais que venho desenvolvendo ao longo dos últimos anos, constato, a cada dia, como tudo isso é real: da educação básica aos cursos de pós-graduação que atualmente ministro, a busca é sempre a possibilidade de crescimento, enquanto ser humano inserido no movimento do conhecer. Para Fromm, este processo "significa penetrar através da superfície, a fim de chegar às raízes e, por conseguinte, às causas; conhecer significa "ver" a realidade em sua nudez".

Nos processos de objetividade e subjetividade, elos entre o lidar consigo mesmo e com os outros se constituem como problemática a ser vivenciada. O sujeito humano deve interagir com os objetos e com as regras do meio, mas deve também interagir com suas próprias limitações, com suas possibilidades e impossibilidades, com suas carências, afetos, com sua incompletude enquanto ser vivente. Se educar é buscar o bem estar do humano em todo este contexto, o espaçotempo educativo deve priorizar construções de processos harmônicos com as condições da vida humana, em interação com a natureza do próprio homem e da própria vida planetária. Enquanto espaçotempo para ser vivenciado em sua cotidianidade, a escola dos sujeitos em processos de interações permanentes deve-se voltar à compreensão de que todo conhecimento é, na verdade, "conhecimento do outro".

Constituímos-nos como sujeitos a partir do desejo e do conhecimento dos outros, mas é no processo de conscientização de nossas limitações e de nossas conquistas que nos tornamos humanos. A escola, enquanto lócus social criado na modernidade, necessita com demasiada urgência rever suas funções e estabelecer vínculos maiores com o tempo presente que ora vivenciamos, repleto de novas conquistas em todos os aspectos da atividade humana. Novos modelos de se pensar a realidade e a vida surgem na ciência e na tecnologia, mas podemos observar que toda esta movimentação tem pouca apropriação no âmbito educacional. A necessidade de mudanças significativas se faz presente quando a escola se vê como um espaço de distanciamento desta evolução. Se os paradigmas científicos mudam, se evolui a tecnologia e o pensamento filosófico, a escola também deve acompanhar todo este processo, visto sua importância como instituição social construída para ser espaço privilegiado de transmissão da herança cultural acumulada pela humanidade através de sua história.

A importância da educação na formação da subjetividade humana é imensa. Cada ensinante e cada aprendente são diferentes porque são únicos e possuem sua própria carga de valores, conceitos e preconceitos. Conviver com estas diferenças é tarefa complexa, que exige formação permanente e continuada. Enquanto humanos, somos seres aprendentes na grande viagem da Vida, na espaçonave Mãe Terra, nossa casa comum, com nos ensina Leonardo Boff. Aprendentes em nossos imensos desafios, vivenciados na cotidianidade relacional que estabelecemos com o mundo, com os outros seres humanos e com nossa própria dimensão existencial, necessitamos compartilhar, estarmos enredados na trajetória do conhecer, do ser e do saber.

De acordo Juan Deval os "humanos não só aprendem, mas também o fazem sistematicamente e dedicam a isso boa parte se sua vida." Desta forma, devemos fazer com que esta ação humana essencial ocorra de modo a ser significativa e que contribua para nos apropriarmos da objetividade da vida, sem perder nossa dimensão subjetiva. Informações e conhecimentos só podem ser validados quando apropriados e transformados em sabedoria.

Enquanto educadores, então, que principal desafio se configura a partir do que até aqui está exposto? Diante minha compreensão, é o desafio da autoria de pensamento que se faz presente. Objetividade e subjetividade convivem no espaço do ensinar e do aprender onde sejam privilegiados aspectos interacionais que possibilitem o sujeito humano compreender os dilemas de nosso tempo e os grandes problemas por eles gerados. Sermos autores de nossa história, única e singular, é termos consciência deste tempo, sabedores de nossas responsabilidades, é sabermos que somos

"o que somos porque fomos historicamente produzidos. Somos seres históricos materializados por marcas emocionais, afetivas, econômicas, sociais, culturais, religiosas e políticas, recebidas pelo ambiente exterior, pelo grupo social no qual estamos inseridos".

A Psicopedagogia, enquanto campo de conhecimento e área de atuação, contribui sobremaneira a esta compreensão por ser "interdisciplinar em sua epistemologia e transdisciplinar em sua evolução, terreno fértil para a construção, reconstrução e ressignificação" e, ainda, por ser também importante movimento de inserção dos nossos processos de pesquisa e autoria de pensamento. SILVA (1998), afirma que é "o homem enquanto ser em processo de construção do conhecimento, ou seja, enquanto ser cognoscente" o foco central da pesquisa, estudo e aprofundamento no campo psicopedagógico.

Assim, podemos observar que a Psicopedagogia hoje aponta novos caminhos para a educação do século XXI, principalmente quando considera que a ação educativa escolar é apenas uma das muitas possibilidades construídas socialmente para que o ser humano aprenda. Aprender implica um amplo conjunto de ideais, processos, atitudes, pessoas, que em movimento de interação se transforma em processos cognitivos que geram novas observações sobre a vida, o mundo, enfim, sobre cada um de nós, sujeitos aprendentes na complexa teia da vida.

Enquanto seres aprendentes e ensinantes, nossas humanas ações formatam nossas potencialidades de irmos adiante, construindo novos significados e sentidos para nossa própria vida. Aprender, então, é a própria vida, que deve ser vivida na reflexão, no diálogo, na interação. A construção de processos subjetivos em educação é uma necessidade urgente a ser vivenciada: os espaçostempos de ação da escola hoje, em sua cotidianidade, devem contar com apoio e suporte psicopedagógico para fomentar movimentos de discussão sobre o próprio papel da escola em nossa contemporaneidade e, ao assim fazer, ressignificar movimentos e rotinas cotidianas, compreendo, como já sinalizei em outros trabalhos, a importante tarefa da educação, que é a de humanizar o humano.

Neste movimento permanente pela humanização do humano, as contribuições oriundas da Psicopedagogia são relevantes e essenciais por estarem sendo possibilitadoras de um redimensionamento da própria práxis educativa, construindo referenciais teóricos e práticos que facilitam a compreensão da própria complexidade presente no ato de ensinar e de aprender.

O convite que aqui faço, depois de desenvolver as idéias presentificadas neste escrito, é que se busque conhecer mais sobre a própria Psicopedagogia, pesquisando, lendo autores psicopedagogos, inserindo-se em processos de formação que fomentem nosso desejo de compreender as diferentes subjetividades humanas e agir sobre a "complexidade dos diferentes desafios que atualmente se colocam à escola, de um modo geral, e aprendizagem em particular" .

* Mestre em Educação, Conferencista e palestrante sobre temas educacionais e psicopedagógicos em diversos eventos, congressos e fóruns nacionais e internacionais; professor em cursos de Pós-graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional de diferentes instituições nacionais, presentes nos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro; Psicopedagogo pela UCAM - Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro; autor do livro Psicopedagogia: trabalhando competências, criando habilidades, publicado pela Editora WAK, Rio de Janeiro, em 2004. Autor de diversos artigos sobre Psicopedagogia, Educação, Meio Ambiente, Ecologia Humana, Direitos e Valores Humanos publicados em revistas especializadas e em sites brasileiros e europeus. e-mail: joaobeauclair[arroba]yahoo.com.br homepage: www.profjoaobeauclair.net

Referências bibliográficas:

PAÍN, Sara. A função da ignorância. Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 1999.

PAÍN, Sara. Subjetividade e objetividade. Relação entre desejo e conhecimento. São Paulo: CEVEC, 1996.

SCOZ, Beatriz J. L. Histórias de aprendizagem: a objetividade e a subjetividade na formação de educadores e psicopedagogos. In: SCOZ, Beatriz J. L. (org.) (Por) uma educação com alma: a objetividade e a subjetividade nos processos de ensino e aprendizagem. Editora Vozes, Petrópolis, 2000.

BEAUCLAIR, João. Oficinas Psicopedagógicas e Subjetividade: movimentos de vida situados no ser e no saber. Publicado no site www.psicopedagogia.com,.br em fevereiro de 2006.

FREIRE, Paulo. Extensão e Comunicação. Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1979, p. 90.

Idem, p. 77.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1978, p. 98.

FROMM, Erich. Ter ou Ser? Editora Zahar, Rio de Janeiro,1979, pág. 56.

Sara Pain, citada por GROSSI, Esther Pillar. A coragem de mudar em Educação. Editora Vozes, Petrópolis, 2000, pág.19.

DEVAL, Juan. Aprender na vida e aprender na escola. Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 2001, p.12.

Neste sentido, conferir: BEAUCLAIR, João. A construção do ser e do saber: os necessários movimentos psicopedagógicos nos processos de "aprendências e ensinagens". Publicado no site português www.gabpsicopedagogia.com em fevereiro de 2006.

PEREIRA, Francisco Donizete. Ensino de Filosofia e Problematização da concepção Pragmática da Realidade. Revista UNIFIEO, Ano I - nº2, Osasco-SP, 1999, p.107.

BEAUCLAIR, João. Tornar-se psicopedagogo: uma questão instigante. Publicado no site http://www.psicopedagogia.com.br em 12/06/2004.

Neste aspecto, conferir: BEAUCLAIR, João. Psicopedagogo/a pesquisador/a: aprendendo outras lições, buscando novos caminhos. Publicado em abril de 2004 no site http://geocities.yahoo.com.br/simaiapsicopedagoga e BEAUCLAIR, João. Autoria de pensamento, aprendências e ensinagens: novos modelos e desafios na produção de conhecimento em Psicopedagogia. Publicado no site da ABPP www.abpp.com.br , em abril de 2004.

SILVA, M. C.A. Psicopedagogia: em busca de fundamentação teórica. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1998, p.60.

BEAUCLAIR, João. Oficinas Psicopedagógicas e Subjetividade: movimentos de vida situados no ser e no saber. Publicado no site http://www.psicopedagogia.com.br em fevereiro de 2006.

BEAUCLAIR, João. Tornar-se psicopedagogo: uma questão instigante. Publicado no site http://www.psicopedagogia.com.br em 12/06/2004.

 

Autor:

Prof. João Beauclair

joaobeauclair[arroba]yahoo.com.br

Doutorando em Intervenção Psicosocioeducativa pela Universidade de Vigo, Galícia, Espanha. Conferencista Internacional, Palestrante, Escritor, Arte-educador, Psicopedagogo, Mestre em Educação, Consultor Pedagógico e Educacional. Autor de vários livros sobre Educação e Psicopedagogia.

Homepage: http://www.profjoaobeauclair.net



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