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Eleições 2006: para consolidar a democracia brasileira (página 2)

Dejalma Cremonese

A democracia latino-americana não pode ser apenas uma democracia que facilita os procedimentos, porém fracassa em proporcionar liberdades cívicas e em garantir os direitos humanos, é o que Diamond (2001), denomina democracia iliberais (illiberal democracies); ou ainda a que Baquero (2006A, p.67) chama de democracia inercial: inexistência de instituições sólidas, comportamento político emocional e subjetivo, falta de fiscalização e predomínio de traços clientelísticos, personalistas e patrimonialistas entre os representantes eleitos.[2] É necessário que se estruture na América Latina uma democracia dos de baixo onde os pobres vejam garantidos a segurança social e econômica (CASANOVA, 1995).

Além do autoritarismo democrático que se vive na cultura política latino-americana, pode-se afirmar que impera uma típica democracia delegativa (O"DONNELL 1991). Isso significa afirmar a existência de frágeis instituições políticas, em que se sucedem crises de ordem sócio-econômica (sucessivos planos econômicos), deterioração da autoridade presidencial, corrupção do aparelho do Estado e violência generalizada.[3] Isto é, a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso de suas políticas é exclusiva do Presidente da República. O presidente e sua equipe pessoal são o alfa e o ômega da política (o presidente isola-se da maioria das instituições políticas) e os problemas da nação são tratados por técnicos e burocratas, especialmente no que se refere à política econômica. A oposição e a resistência das ruas, da sociedade, do Congresso ou de associações de representação de interesse são silenciadas ou ignoradas. Prevalece a centralização política e a personificação do poder do presidente, o que pode ser chamado hiperpresidencialismo: "o presidente se considera legitimado por um poder delegado pelo voto para implementar, por mecanismos autoritários, suas decisões políticas" (TRINDADE, 2003, p.63).

Além da participação dos setores organizados da sociedade civil e do olhar crítico e imparcial da mídia, é preciso outras formas de controle e "responsabilização" dos atos administrativos das pessoas que ocupam cargos públicos. Trata-se aqui de inserir o conceito de accountability, "que quer dizer autoridades politicamente responsáveis, autoridades que podem ser responsabilizadas pelos seus atos, que devem prestar contas dos seus atos" (MARENCO DOS SANTOS, 2003, p.492). O accountability (controle democrático) pode ser vertical (relação governantes e governados) e horizontal: poderes externos podem punir o governo – separação de poderes (autoridades estatais que controlam o próprio poder: que pode empreender ações que vão desde o controle rotineiro até sanções legais ou inclusive impeachment, conforme o caso).[4]

No Brasil, com a criação e implementação de instrumentos institucionais, como os Conselhos Gestores de Políticas Públicas e o Orçamento Participativo (Constituição de 1988), efetivaram-se experiências significativas de democracia participativa, que contribuem no aprimoramento da democratização das instituições sociais e políticas do país. De certa maneira, estas experiências institucionais possibilitam a interferência e a participação da sociedade civil na formulação e controle das políticas públicas, favorecendo a prática de fiscalização dos negócios públicos ou a prestação de contas pelo governo (accountability), além da transparência dos atos do Estado.

A chegada da "esquerda" ao poder: eleições 2002 e 2006

Ao avaliar a trajetória da política brasileira, percebe-se que a classe dirigente (classe política) sempre esteve ligada aos interesses da elite econômica ou, em outras palavras a classe política era a classe econômica dominante. Desde a "Independência", a família real defendeu os interesses dos latifundiários (amigos do Rei); na República, não fora diferente: os oligarcas (políticas dos coronéis) revezavam-se no poder, no intuito de preservar os interesses dos produtores de café (São Paulo) e leite (Minas Gerais). Logo após entra em cena o populismo de Vargas (1930-1945), chamado "pai dos pobres" por atender as necessidades emergenciais das classes populares, mas, que não deixou de atender a classe poderosa (burguesia industrial) sendo, portanto, "mãe dos ricos". Vargas fez um governo populista sem jamais modificar as estruturas econômicas, que se mantêm intactas até hoje. De 1964 a 1985, com o "Golpe Democrático", a elite militar governou o país de forma centralizadora e autoritária. Neste período, o desenvolvimento econômico brasileiro deu-se com o investimento externo, avanço das multinacionais e, conseqüentemente, um grande endividamento frente às instituições internacionais. Com a "abertura democrática", José Sarney, assume o governo e, aos poucos, vê-se o retorno da política das oligarquias, principalmente, com a ampla distribuição de canais de rádio e TV, para a formação de um ambiente eletrônico visual e auditivo de tipo oligárquico. Após o governo Sarney o Brasil conhece a experiência "modernizadora" do governo Collor que prometeu inserir o Brasil no cenário mundial da globalização. A aventura durou pouco, as reformas do Estado brasileiro foram "abortadas" e Collor sofreu o impeachment. As reformas neoliberais voltaram nos dois mandatos do governo de FHC (representante das classes médias ilustradas) e, com seu partido burguês, o PSDB, o Brasil passou por profundas transformações em seu modelo político-econômico.

Com a vitória de Lula nas eleições presidenciais (2002), teoricamente rompia-se a trajetória do poder econômico na direção do comando político. O currículo do candidato vencedor se diferenciava dos presidentes anteriores: Lula trazia na bagagem a herança de um retirante nordestino, metalúrgico que se tornou líder sindical, até entrar para a cena política, como deputado parlamentar e líder de um dos maiores partidos do país. No entanto, questiona-se: Com a vitória do PT em 2002, as mudanças tão esperadas e propagadas pelo candidato Lula realmente se concretizaram? O governo Lula não seria uma mera continuidade das políticas do governo anterior (nível econômico e social)?

Eleições 2002: razões para a vitória

Depois de três tentativas consecutivas de chegar à presidência da República, o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva, venceu no segundo turno as eleições 2002. Lula recebeu 52.793.364 (61,27% dos votos válidos) contra 33.370.739 (38,73% dos votos válidos) recebidos pelo candidato oponente José Serra do PSDB.[5]

Algumas razões podem ter influenciado na vitória petista. A primeira diz respeito à mudança programática do PT que, com o passar do tempo, foi mudando gradativamente sua ideologia e seu discurso: das propostas socialistas de transformação social (luta de classe) para práticas reformistas, passando da esquerda do espectro político para o centro, na tentativa de se aproximar do eleitor mediano (eleitor de centro). A mudança gradativa do discurso do PT está intimamente ligada à evolução positiva do resultado das urnas. A mudança programática do PT foi possível perceber desde as eleições presidenciais de 1994, abandonou-se as principais bandeiras e diretrizes outrora defendidas.

O gráfico abaixo demonstra a evolução da votação petista de 1989 a 2002. No primeiro turno de 1989 o partido obteve 11,6 milhões de votos, ou 16,1% do total dos votos válidos. Em 1994, 17,1 milhões de votos (27%), em 1998, 21,4 milhões de votos (31,7%), em 2002, 39,4 milhões de votos (46,5%) e, em 2006, o PT fez 46.662 milhões de votos (48,6%).

Gráfico 1 – Evolução do desempenho petista – para Presidente da República (1989-2006) Primeiro Turno

Monografias.com

A segunda razão está relacionada à morte da política e o nascimento do marketing político: hoje "vende-se um candidato como se vende um produto qualquer". Presenciamos a morte do debate político construtivo, dos programas e das ideologias partidárias, sendo que o embate político deu lugar ao espaço midiático, a projeção da imagem do candidato (o terno, a barba, o discurso produzido).

A terceira diz respeito à conjuntura político-econômica desfavorável da era FHC favoreceu Lula. A vitória de Lula deu-se pelo esgotamento das políticas neoliberais de FHC (privatizações, abertura de mercado, globalização) que não se traduziu no crescimento da economia (apenas 2,3% em média nos 8 anos de governo). A pouca transparência (corrupção) do processo de privatizações e da e emenda da reeleição, desencadeou um pensamento de desconfiança na sociedade, embora a mídia tenha compactuado com o governo, no sentido de silenciar sobre esses problemas junto à opinião pública. O desemprego, o agravamento da concentração de renda e o empobrecimento da classe média nos 8 ano de governo de FHC, produziram um sentimento de mudança no eleitorado brasileiro.

A quarta razão: as alianças do PT. Com o objetivo de ganhar as eleições, o PT desconsiderou alianças do tipo programáticas e procurou fazer alianças do tipo "vale tudo" como a aliança com o PL e PTB, por exemplo. Além das alianças o PT buscou a aproximação com setores conservadores da sociedade como os empresários e banqueiros.

Por fim, a famosa "Carta aos brasileiros" escrita no dia 22/06/2002. O momento de instabilidade política que antecedeu as eleições 2002 refletiu diretamente na economia do país, fazendo com que o risco Brasil (percepção externa dos investidores) alcançasse percentuais recordes de 1.770 pontos. Com o objetivo de "acalmar" o mercado, o então candidato Lula, juntamente com seu partido, elaborou a chamada "carta aos brasileiros" que, em resumo, compromete-se em pagar os juros da dívida externa, cumprimento dos contratos. Esta "carta" foi re-batizada por alguns analistas de "carta aos banqueiros", exatamente por beneficiar mais os banqueiros do que a população como um todo. Esta foram algumas razões que deu a Lula a expressiva vitória, com 52.793.364 (mais de 61% dos votos válidos).

O governo Lula: primeiro mandato

A vitória de Lula nas eleições presidenciais (2002), trouxe entusiasmo e alegria a milhões de brasileiros: "Finalmente a esperança venceu o medo". Os primeiros cem dias do governo Lula foram festivos, não faltaram discursos e "showmícios", que expressavam bem o clima de "lua-de-mel" entre o novo presidente e a população. No entanto, com o passar do tempo, o entusiasmo e as expectativas com o novo governo foram diminuindo e a frustração não tardou a chegar.

A composição ministerial

Com a vitória da Frente Popular nas eleições 2002, foi sendo montado o governo de transição e, junto dele, cogitados os possíveis nomes para o futuro ministério, tudo com o devido cuidado, para não assustar o "mercado". O PT entregou a direção do Banco Central para o deputado federal Henrique Meirelles (PSDB), ex-administrador máximo do Bank of Boston, segundo credor do Brasil. No mesmo sentido, contrariando boa parte da esquerda do PT, o Governo Lula reafirmou a proposta de conceder autonomia administrativa ao Banco Central, medida exigida pelo capital financeiro internacional. O Ministério da Fazenda foi para o médico Antônio Palocci, que administrou a prefeitura de Ribeirão Preto, onde implementou medidas neoliberais, como a privatização do serviço telefônico da cidade. Os demais ministérios foram entregues aos partidos que apoiaram a Frente Popular no segundo turno, como o PPS, PL, PDT, PTB, além de pessoas ligadas ao empresariado brasileiro.

A mudança programática se confirmou

Com o passar do tempo, na prática, o governo Lula, não demonstrava claramente qual era o projeto de desenvolvimento para o Brasil. O que ainda não parecia claro, no início, era a guinada extraordinária das doutrinas originárias do Partido dos Trabalhadores para o centro, a partir da "Carta aos Brasileiros" escrita em junho de 2002. Aos poucos a retórica socialista foi sendo abandonada e passou-se a seguir um programa similar ao defendido anteriormente pelo ex-presidente FHC, isto é, o modelo liberal-desenvolvimentista. No início, o PT trazia, em seu programa, o anseio por mudanças e a proposta de ruptura com o atual sistema econômico. As idéias socialistas e o sonho da revolução (luta de classe) permeavam as mentes mais ousadas. Mas, aos poucos, tudo foi mudando...

No mês de dezembro de 2001, a linha oficial do PT ainda defendia a ruptura radical com o modelo existente. Durante o XII Encontro Nacional do PT, realizado no Recife, foi aprovado o documento "Ruptura Necessária", que defendia o rompimento com o FMI: "Será necessário denunciar do ponto de vista político e jurídico o acordo atual com o FMI, para liberar a política econômica das restrições impostas ao crescimento...". Anunciava também o rompimento com o modelo econômico herdado após 8 anos de governo FHC: "A implementação de nosso governo (...) representará uma ruptura com o atual modelo econômico, fundado na abertura e na desregulação radicais da economia nacional e na conseqüente subordinação de sua dinâmica aos interesses e humores do capital financeiro globalizado...". Logo após a aprovação do referido documento, o que se constatou foi exatamente o contrário do que se defendia. Logo veio o comprometimento do PT junto ao FMI, com o cumprimento dos contratos e o pagamento das dívidas e a promessa da manutenção do modelo econômico anterior.

Comprometimento com as instituições financeiras internacionais

No início, quando Lula discursava para dezenas de milhares de delegados, representantes de boa parte da esquerda mundial reunida no Fórum Social Mundial de Porto Alegre (edição 2003), jamais se imaginava que seu governo Lula já houvesse aderido às reformas macroeconômicas propostas por Wall Street e o FMI. Como nos diz Michel Chossudovsky: "Enquanto era abraçada em coro por movimentos progressistas de todo o mundo, a administração de Lula estava a ser aplaudida pelos principais protagonistas do modelo neoliberal". O entusiasmo, na época, do atual diretor do FMI, Heinrich Koeller, em relação ao Governo Lula, expressava esse sentimento: "Sou entusiasta [em relação à administração Lula]; mas é melhor dizer que estou profundamente impressionado pelo presidente Lula, na verdade, e em particular porque penso que ele tem a credibilidade que muitas vezes falta um pouco a outros líderes, e a credibilidade está em que é sério para trabalhar afincadamente a fim de combinar política orientada para o crescimento com eqüidade social".

A orientação do modelo econômico propagado por Wall Street e o FMI, aceito e implementado pela equipe econômica do Governo Lula, seguiu o modelo proposto por FHC, sustentado em uma "política monetária dura, medidas generalizadas de austeridade, altas taxas de juro e regime de câmbios externos desregulamentado", que acarretou fraco desempenho econômico (2,6%), pouca alteração do problema do desemprego, exclusão social e desigualdade social. Por outro lado, nos últimos anos, jamais o sistema financeiro lucrou tanto na história do país. Os lucros exorbitantes do sistema bancário (período 2006), expostos no quadro abaixo, são exemplos do que é prioridade no atual governo.

Quadro 1 – Lucro dos principais Bancos em funcionamento no país (2006)

Monografias.com

Fonte: Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários no Estado do Paraná. Disponível em http://www.feebpr.org.br/lucroban.htm. Acesso em 25 de fevereiro de 2007.

Governo: aquém das expectativas

Ao chegar ao fim do seu primeiro mandato, percebe-se que o governo Lula seguiu piamente a orientação do modelo econômico propagado por Wall Street e o FMI. Aceitou e implementou uma política monetária dura, com medidas generalizadas de austeridade, altas taxas de juro e regime de câmbios externos desregulamentado, que beneficiou apenas o setor financeiro. Em termos econômicos, o crescimento continuou medíocre, com uma média de 2,3% ao ano (média dos três primeiros anos). As políticas sociais do governo Lula restringiram-se ao fortalecimento e ampliação do programa Bolsa Família. Na questão ética, o governo Lula foi marcado por escândalos e corrupção Governo marcado por escândalos ("mensalão", caixa-dois, dossiês...), atingindo não apenas o governo, mas o seu próprio partido.

Avanços e retrocessos

Por um lado conseguimos, nos últimos anos, alguns avanços significativos na depuração da política brasileira, por outro, persistem ainda a impunidade e muitas CPIs terminaram literalmente em pizza. Dentre os avanços podemos citar, por exemplo, a demissão de altos funcionários de empresas estatais; José Genuíno presidente do PT foi deposto (caiu no ostracismo); José Dirceu, o homem mais poderoso do governo Lula foi cassado; Palocci, o homem forte da economia, foi demitido; O ministro Gushiken, que era o terceiro mais importante do governo, encolheu a ponto de não se ouvir mais falar nele; Desvendou-se o valerioduto, que irrigou contas e campanhas eleitorais desde 98 pelo menos... A área de agências de publicidade, como o marqueteiro Duda Mendonça foi flagrado com contas milionárias no exterior... No entanto, a absolvição do deputado Brant (PFL) e Prof. Luizinho (PT), após o "acordão" entre os referidos partidos, retrocede o processo democrático e a certeza da impunidade volta a pairar no cenário político brasileiro...

Como retrocesso, percebe-se ainda a vigência de práticas patrimonialistas, clientelistas, populistas e personalistas na cultura política atual (desde a esfera nacional até a municipal). Estes atos políticos pouco cívicos, juntamente com o abuso do poder através de Medidas Provisórias, além da prática do "troca-troca" partidário (migração partidária) favorecem para que as instituições políticas sejam vistas cada vez mais com descrédito e desconfiança pela maioria da população.

As eleições 2006

A campanha eleitoral

Pode-se considerar, inicialmente, que a campanha eleitoral 2006 foi um tanto atípica, comparando com a eleição de 2002. Percebeu-se a existência de um sentimento muito grande de indiferença e apatia. Isto pode ser justificado por algumas razões: a primeira relaciona-se, principalmente, à frustração quanto à expectativa criada com o "novo", com um Presidente oriundo das classes populares, que apresentou-se como uma alternativa ao governo de FHC (desgastado pela aplicabilidade de uma política econômica neoliberal). Lula representava o anseio e a esperança que acabou não se confirmando na ótica de muitos.

A segunda razão está relacionada diretamente ao descrédito das instituições políticas ligado aos escândalos de corrupção dos últimos tempos. É claro que a corrupção não é uma novidade deste governo. É preciso afirmar que os escândalos de corrupção acontecidos durante o governo Lula são incipientes comparados com aqueles protagonizados nas gestões anteriores (mal de origem da cultura política brasileira). A terceira: a lei eleitoral tornou-se mais severa eliminando das ruas os brindes (camisetas, bonés, shows..) e, ao mesmo tempo, a alegria e a fonte de renda de muitos brasileiros.

Os números

Como vimos, no ano de 2006 o Brasil consolidou a democracia eleitoral ao alcançar a quinta eleição geral consecutiva. Estiveram aptos a votar mais de 126 milhões de brasileiros, 11 milhões a mais se comparado com as eleições gerais de 2002, quando mais de 115 milhões de brasileiros estavam aptos a votar.[6] Nos 27 estados da federação, 29 partidos concorrem com seus 19.619 candidatos a 1627 vagas.[7] Um ponto positivo foi o aumento do percentual da participação dos eleitores jovens. Segundo o TSE a participação dos eleitores de 16 e 17 anos aumentou em 39% (faixa etária em que o voto é facultativo), em relação às eleições 2002.

Os candidatos mais competitivos

Lula, buscando a reeleição e Geraldo Alckmin do PSDB apresentaram-se como os candidatos mais competitivos. Em todos os Institutos de pesquisas (IBOPE, DataFolha e Census), o candidato petista aparecia à frente.

Apresenta-se a seguir algumas razões fundamentais para esta preferência. Primeiro, as políticas sociais: a atuação do governo tendo como prioridade as políticas sociais que atingem os menos favorecidos (Bolsa Família) beneficiando 11 milhões de famílias, principalmente na região Nordeste do país. Estes programas, embora sejam paliativos, não deixam de ser uma política eficiente de distribuição de riqueza. Pode-se citar ainda o PROUNI (Programa Universidade para todos) possibilitando jovens de baixa renda ter acesso à Universidade. O governo concedeu um aumento real ao salário mínimo R$ 350,00 que entrou em vigor no mês de abril de 2006.

Segundo, a utilização da máquina pública que, de certa forma, facilita a reeleição dos candidatos que se encontram à frente do Executivo ou do Legislativo.[8] Exemplo, o próprio Lula utilizou deste benefício (onde andou, segundo ele próprio no "limite da lei"). Terceiro, o próprio carisma do presidente. Segue a imagem do presidente como uma pessoa que se identifica com o povo excluído, sendo ele mesmo um deles. Quarto, a atuação do presidente no cenário internacional. O importante papel do Brasil no cenário internacional, principalmente na América Latina, Lula fazendo a ponte entre Chaves, Morales, Vásquez e Kirchner. E, por fim, o Lulismo: a figura do presidente transcende o seu partido, o PT. Ao reforçar seu ônus eleitoral, Lula mostrou também que não é refém do partido. Pelo contrário, é o PT que não pode abrir mão do presidente eleito.

Os resultados: Primeiro Turno

Contando com um moderno sistema tecnológico de votação (urna eletrônica), as eleições 2006 superaram as expectativas no quesito eficiência na votação e no escrutínio. Na mesma noite da votação, já tínhamos quase todo quadro eleitoral configurado e as apurações já nos esclareciam como se definiria o primeiro turno.

As eleições de 2006 tiveram o menor índice de abstenção, se comparadas com os últimos pleitos. Nesse primeiro turno, deixaram de votar 21.092.511 cidadãos, o que corresponde a 16,75% do eleitorado brasileiro. Do eleitorado de quase 126 milhões de pessoas habilitadas para o voto, compareceram às urnas pouco mais de 104,8 milhões (83,25%). Deste total, foram considerados válidos 95.996.733 votos (91,58%). Votaram em branco 2,866 milhões de eleitores (2,73%) e outros 5,957 milhões anularam seu voto (5,68%).

Mesmo com larga vantagem apontada nas pesquisas sobre o candidato tucano, a vitória de Lula no dia 1º de outubro de 2006 não se concretizou. Na mesma noite, às 22:26, o candidato petista, reconhecia, através de porta-vozes, que não vencera o pleito e, ao mesmo tempo já indicava quais seriam as estratégias da campanha eleitoral para o segundo turno.

No que concerne a não reeleição do presidente Lula no primeiro turno, podemos fazer algumas análises no intuito de encontrar quais foram as possíveis causas da não efetivação da esperada vitória petista na primeira etapa.

Não comparecimento ao debate televisivo final: Até o último momento o candidato Lula ficou em dúvida se participaria ou não do debate. A opção pelo não comparecimento causou certa indecisão no eleitorado. Todos esperavam a presença do presidente para o esclarecimento dos fatos e das denúncias ocorridas contra seu governo. A omissão de Lula significou uma perda de prestígio e indignação para um eleitorado que exigia explicações das falhas éticas do eu governo.

A compra do dossiê e a mala de dinheiro. Além de todos escândalos e supostos envolvimentos governamentais em fraudes e corrupções no mandato de Lula, o caso do Dossiê Vedoin foi muito influente na opinião pública, especialmente nos últimos dias antes da eleição, também influenciando a não vitória do candidato petista no 1º turno. As fotos do dinheiro que seria usado por petistas para a compra de dossiê contra o candidato tucano José Serra (PSDB) vazaram para imprensa 2 dias antes do pleito. Havia toda uma expectativa em torno da confirmação e do aparecimento desse dinheiro (apreendido pela PF no dia 15 de setembro, cerca de R$ 1,75 milhão que estavam com os petistas Gedimar Pereira Passos e Valdebran Padilha).

O Clima de "já ganhou". Podemos elencar também os números apontados pelo Ibope dias antes da eleição, que colocavam Lula com 24 pontos percentuais à frente do tucano Geraldo Alckmin. Estes dados podem ter causado um clima de "já ganhou" na coordenação eleitoral do PT, motivando um certo "esfriamento" da campanha, que pode ter sido decisivo também.

A influência da mídia. Alguns especialistas ainda vão mais longe, dizendo que foi o "massacre da mídia" que levou a eleição para o segundo turno. Parte dos meios de comunicação teriam adotado uma posição partidária, perdendo a objetividade, o equilíbrio e a isenção que se espera da imprensa numa sociedade democrática. Isso não haveria ocorrido com toda a mídia, mas com parte dela. Ao longo de toda a campanha, alguns órgãos teriam agido como um partido de oposição. Isso teria se agravado muito nos últimos 10 dias do 1º turno.

No final, Lula recebeu 46.662.365 votos (48,79%), precisando pouco mais de 1,2%. Alckmin recebeu 39.968.369 votos (41,4%). Heloísa Helena somou 6.575.393 votos (6,85%) seguido por Cristovam Buarque que recebeu 2.538.844 votos (2,6%).

Segundo Turno: disputa para a Presidência da República

Como vimos, o candidato do PSDB à Presidência derrotado, Geraldo Alckmin, conseguiu uma façanha pouco comum na política, ao terminar o segundo turno com menos votos do que obteve no primeiro. Alckmin atingiu 39,9 milhões de votos na primeira etapa. Fechou a campanha do segundo turno com 37,5 milhões, totalizando uma perda significativa de 2,4 milhões de votos. Conforme dados do Datafolha, 14% dos eleitores que votaram no candidato tucano no primeiro turno migraram para Lula no segundo. Assim sendo, Alckmin acabou perdendo seus próprios eleitores e não conseguiu absorver os votos dos candidatos derrotados no primeiro turno. Tal feito teria ocorrido porque parte dos eleitores acabou votando em Alckmin como forma de protesto contra Lula depois do surgimento do escândalo do "Dossiê Vedoin" e pela ausência do petista aos debates televisivos.

Além disso, o candidato tucano não conseguiu consolidar uma alternativa melhor do que o atual presidente, e de certa forma Alckmin não possui a mesma aproximação e o carisma com o eleitor da mesma forma que Lula, que já possui uma imagem conhecida e tem enorme facilidade de comunicação com as grandes massas. Lula venceu no segundo turno com a maioria dos votos dos candidatos que não foram ao segundo turno e ainda ganhou votos que foram consagrados ao seu oponente no 1º turno.

Lula no primeiro turno totalizou 46,6 milhões de sufrágios. Ao final da apuração da segunda rodada, obteve mais de 58,2 milhões de votos (60,83% dos votos válidos), um acréscimo de mais de 11 milhões de votos. Alckmin obteve no primeiro turno 39.968.369 (41,64%) contra 37.543.178 de votos (39,17% dos votos válidos) segundo turno.

O presidente reeleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT/PRB/PCdoB), derrotou o seu adversário, Geraldo Alckmin (PSDB/PFL), em 19 estados e no Distrito Federal (DF) no segundo turno. Os dados mostram a virada de Lula em três estados e no Distrito Federal, onde ele havia perdido votos para Alckmin no primeiro turno - um total de 10 estados. O petista conseguiu reverter a situação nos estados do Acre, Goiás, Rondônia e no Distrito Federal.

Alckmin manteve a liderança no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Roraima, embora Lula tenha reduzido percentualmente a diferença em todos esses estados. No Acre, por exemplo, Alckmin havia vencido, no primeiro turno, com 51,79% contra 42,62% de Lula. No segundo turno Lula obteve 52,37% dos votos e, Alckmin, 47,63%. A maior votação que Lula obteve no segundo turno foi dos eleitores do estado do Amazonas, com 86,80% dos votos. Ele ampliou a diferença que havia no primeiro turno, quando alcançou 78,06% dos votos e, Alckmin, 12,45%. A pior votação do candidato petista ocorreu no estado de Roraima, onde obteve 38,51% dos votos. Foi nesse estado que Alckmin teve sua melhor votação: 61,49% dos votos. Luiz Inácio Lula da Silva também foi o mais votado no segundo turno das eleições em 20 capitais brasileiras, de acordo com os números divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Já o candidato Geraldo Alckmin recebeu mais votos que o adversário em sete capitais: Maceió, Campo Grande, Curitiba, Porto Alegre, Boa Vista, Florianópolis e São Paulo.

No primeiro turno, Lula havia sido o primeiro colocado em 15 capitais, enquanto Alckmin foi o candidato com maior número de votos em 12. O cruzamento entre os resultados obtidos nos dois turnos mostra que, no segundo turno, o petista passou a frente do adversário em cinco capitais onde o desempenho do PSDB tinha sido melhor no primeiro turno: Rio Branco, Brasília, Goiânia, Cuiabá e Aracaju.

Na capital federal, por exemplo, Lula recebeu 56,96% dos votos válidos no segundo turno, contra 43,04% de Alckmin. No primeiro turno, o candidato tucano havia ficado em primeiro lugar, com 44,11% dos votos válidos. Já Lula havia obtido 37,05%, uma diferença de 19,91 pontos percentuais em relação à votação obtida no primeiro turno. Na cidade de São Paulo, capital, Geraldo Alckmin venceu no primeiro e segundo turno: 3.384.767 (53,87%) e 3.485.245 (54,42%), respectivamente. No entanto, foi visível crescimento do candidato Lula na mesma capital: Lula fez no primeiro turno 2.243.168 (35,70%) e, no segundo, 2.918.996 (45,58), um crescimento em torno de 10 pontos.

PT vitorioso?

Apesar de ter conquistado a presidência da República, cinco governos estaduais, e ter elegido a segunda bancada da Câmara de Deputados (83), não significa que o PT tenha saído vitorioso das eleições 2006. Pelo contrário, os votos dados ao PT declinaram na Câmara Federal em 2,1 milhões se comparados com as eleições 2002, quando totalizou 16.094 milhões contra 13.990 milhões de 2006. Isto significa afirmar que o PT perdeu no congresso Nacional 13% de seu eleitorado entre uma eleição e outra. As perdas mais significativas deram-se no sul, 675 mil a menos (-22%) e no Sudeste, menos 1.902 milhão de votos (-23%). Somente no estado de São Paulo o declínio foi de 1.062 milhão de votos (-21,5%). O declínio poderia ter sido maior caso a região norte e nordeste do país não houvesse incrementado a votação pró-Lula. No nordeste o PT fez 374 mil votos a mais (13%) e o norte 207 mil votos (31%) se comparado com 2002.

Se traçarmos um paralelo entre o voto petista no Congresso Nacional com o voto petista para presidente, constata-se que a votação de Lula foi duas vezes maior do que os votos atribuídos aos candidatos petistas a deputado federal. Lula fez nas eleições 2006 mais de 46.662 (48,6%) no primeiro turno contra 13.990 de votos para o Congresso.Se compararmos ainda os votos recebidos por Lula nas eleições de 2002 com as eleições 2006, percebe-se que houve um crescimento interessante passando de 39.455 em 2002 para 46.662 em 2006, um crescimento de 7.207 milhões de votos (um acréscimo de 18,26%)

Considerações finais

(em construção)

Resumindo: é possível resolver os problemas de fundo apenas pela via eleitoral? Acredito que não. Sem mobilização e intervenção direta do povo a fim de alcançar a democracia econômica, a democracia social e a democracia política não chegaremos a lugar algum.

Dejalma Cremonese, professor do Mestrado em Desenvolvimento e do Departamento de Ciências Sociais da Unijuí – RS, Doutor em Ciência Política pela UFRGS

 

Autor:

Dejalma Cremonese

dcremo[arroba]hotmail.com

dcremo[arroba]uol.com.br

Professor do Departamento de Ciências Sociais da UNIJUÍ (RS). Doutorando em Ciência Política da UFRGS (Brasil)

Website: www.capitalsocialsul.com.br


[1] Segundo Amaral, a "democracia participativa é a subversão do terceiro milênio". Disponível em http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_151/r151-02.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2004. Conferir, igualmente, o trabalho de Bonavides (2001), que é um dos defensores da democracia participativa.

[2] O'Donnell (1991) chama de democracia delegativa ou uma democracia domesticada (MIGUEL, 2002).

[3] A democracia delegativa não é alheia á tradição democrática, pois também pressupõe eleições limpas (eleições mais emocionais do que racionais). Depois das eleições espera-se que os eleitores retomem a condição de espectadores passivos. A maioria dos países latino-americanos tem características de democracias delegadas. Também para Oliveira; Paoli e Rezek, a democracia delegativa é típica da periferia do capitalismo (2003, p.21).

[4] Ver estudo de O'Donnell (1998).

[5] Números referentes ao segundo turno.

[6] Segundo estimativa do ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Carlos Velloso, dez milhões dos 125,9 milhões de eleitores convocados para votar em 1º de outubro (8%) são pessoas inexistentes. Estes percentuais são decorrentes do cadastro nacional de eleitores que se encontra desatualizado. Há mais de 20 anos não há atualização no sistema. Isto pode favorecer a algum tipo de fraude em que uma pessoa mostra o título de eleitor inexistente para votar duas vezes.

[7] Segundo o Juiz do TRE-SP, José Joaquim dos Santos, as eleições gerais acabam custando aos cofres públicos cerca de 20 bilhões de reais.

[8] Dos 27 governadores eleitos nas eleições 2006, 14 foram reeleitos. Dos 513 deputados eleitos, 241 são novos, isso dá uma taxa de renovação nacional de 46,9%.



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