ISEB: fábrica de controvérsias

Enviado por Edison Bariani


Ressurge no cenário político, ironicamente por meios dos críticos de outrora, um certo nacionalismo (e mesmo ufanismo) que se espraia pelo esporte, cultura, economia, e traz à tona conceitos como desenvolvimento, soberania, nação, povo  etc. Tal cenário nos remete à revisão de um capítulo ainda controverso do pensamento social no Brasil, simbolizado principalmente por uma instituição que - amada ou odiada - foi pouco compreendida: o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros)  – baluarte do nacionalismo desenvolvimentista.

O ISEB – que teve como "precursores" o Grupo de Itatiaia e o IBESP (Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política) - nasceu e morreu em circunstâncias curiosas, em momentos confusos, por meio de decretos assinados por figuras inexpressivas da política brasileira exercendo provisoriamente o poder: foi criado em 1955 por um decreto do governo interino de Café Filho e extinto 13 abril de 1964 por decreto de Ranieri Mazzili (Presidente provisório). No início, congregava em seus conselhos curador e consultivo uma enorme gama de personalidades das mais variadas tonalidades ideológicas: Anísio Teixeira, Roberto Campos,  Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Miguel Reale, Horácio Lafer, Pedro Calmon, Augusto Frederico Schmidt, Sérgio Milliet, Paulo Duarte, Heitor Villalobos, Fernando de Azevedo, San Tiago Dantas etc.. Tinha como diretor Roland Corbisier e como  responsáveis pelos departamentos Álvaro Vieira Pinto (Filosofia), Cândido Mendes (História), Ewaldo Correia Lima (Economia), Hélio Jaguaribe (Ciência Política) e Alberto Guerreiro Ramos (Sociologia); estes, juntamente com Nelson Werneck Sodré – remanescentes do IBESP – tomaram os rumos do instituto e ficaram conhecidos como os "isebianos históricos".

Ao longo da existência do ISEB mudanças de personalidades e de posicionamento político, tom das análises e tonalidades ideológicas levaram os comentaristas a distinguir possíveis "fases" em sua trajetória. Daniel PÉCAUT (1990, 112-3) identifica três etapas:

1) do início até a crise gerada em torno do livro de Hélio Jaguaribe e logo a seguir o afastamento de Guerreiro Ramos, em 1958;

2) deste acontecimento até as desavenças na disputa eleitoral presidencial entre Jânio Quadros e o Mal. Lott, em 1960,  e

3) da configuração esquerdista do início dos anos 60 até 1964, o fechamento. Já Caio Navarro de TOLEDO (1982, 186-9), define também três etapas (sem detalhar datas), limita-as do seguinte modo:

1) início de posições ideológicas ecléticas e conflitantes;

2) período da ideologia nacional-desenvolvimentista,

3) defesa das reformas de base. Nesses breves 9 anos de existência vários conflitos agitaram o ISEB: o estreitamento do grupo de participantes, as disputas internas, o controverso apoio à candidatura do Mal. Lott, a polêmica em torno do livro de Hélio Jaguaribe (Nacionalismo na atualidade brasileira), as críticas de GR a Jaguaribe e a Álvaro Vieira Pinto, a pressão da UNE no sentido de um alinhamento ideológico, o boicote orçamentário, as diferenças entre o nacionalismo dos antigos isebianos (históricos) e o esquerdismo dos novos isebianos etc. Não obstante, os conflitos não se limitaram ao funcionamento do ISEB, os analistas e comentaristas que se debruçaram sobre o instituto travaram (e travam) severas batalhas; de fábrica de ideologias, órgão oficial (ou oficioso) do governo JK a bastião da esquerda nacionalista e revolucionária, muito foi dito a respeito dele.

Em livro pioneiro e já notório sobre o assunto Caio Navarro de TOLEDO (1982) – refletindo em muito o "espírito" paulista, uspiano e de época – desconstrói ideologicamente o discurso do que chamou "fábrica de ideologias". Em sua visão a produção isebiana, além da falta de rigor teórico, confundiria ciência e ideologia e esposaria uma posição  não-democrática, na qual o elitismo e tecnocracia da intelligentsia, tutelando as classes dominadas, hipotecaria apoio a uma suposta burguesia nacional, levando a um falso projeto de desenvolvimento, que não seria equivalente, como criam os isebianos, à autonomia e liberação nacionais; seria ainda a ideologia isebiana de inspiração intelectualista e de classe média. Mais tarde, o mesmo autor caracterizará o instituto como "aparelho ideológico de Estado", embora não na exata construção althusseriana (idem, 1986) e, analisando-lhe a influência marxista, localizará um "marxismo indigenista" nas formulações dos autores (idem, 1998).

Ao radicalizar um certo posicionamento presente em Toledo, Maria Sylvia de Carvalho FRANCO (1985, 153-4),  em tom bem menos prudente (e um tanto genérico), avalia que os isebianos teriam sustentado a "consciência burguesa em sua autojustificação: a razão instrumental em suas variantes de técnica, de ciência social, política científica; a visão da história como movimento natural percorrendo o caminho que necessariamente leva à epifania e uma classe salvadora; a instalação de um todo harmonioso unificado pelo bem comum e eqüitativamente atravessado pelo progresso e pela justiça",  o que produziria "miragens" cristalizadas no jargão científico ou filosófico que travestiriam "o senso comum em conhecimento, usando simples definições indemonstradas, postulando o iluminismo de uma classe e concebendo sua antropomorfização, com o autoritarismo disfarçado em revolução social, com as projeções soterológicas apelando para o obscuro sentimento das massas e para o misterioso sentido do destino".


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