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"Você é o que você come" Aspectos da subsistência no Sambaqui do Moa – Saquarema/RJ (página 3)

Maura Imazio da Silveira
Partes: 1, 2, 3, 4

A idéia que temos a cerca desses túmulos é a de um mini-sambaqui (pequenos sambaquis particulares) construído para o morto. O túmulo seria o sambaqui do morto, a sua morada, uma reprodução micro de um sambaqui, onde este levava também os seus pertences, ou seja, reproduziam o universo deles nas sepulturas.

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Foto 22 – Perfil evidenciando elevação de solo vermelho pertencente a um enterramento.

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Foto 23 – Enterramento evidenciando elevação com solo vermelho. ("sepultura").

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Foto 24 – Enterramento evidenciando elevação ("sepultura") com solo vermelho. Na parte superior do degrau observa-se parte da concreção que recobria o enterramento.

Os sepultamentos do estrato 1 encontram-se associados, na maioria das vezes, a presença de argila vermelha conforme já frisado. Ver foto 25 abaixo. Ao redor do esqueleto, ou próximo a ele foi registrada a presença de blocos de pedras de diferentes matérias-primas (quartzo, basalto e arenito ferruginoso, principalmente) ou seixos. Em vários indivíduos evidenciou-se a presença de Lucina pectinata e columelas de Thais Hemastoma, assim como ossos de animais. Artefatos líticos, raspadores de conchas e adornos de diferentes matérias primas também foram encontrados. (Rodrigues; Imazio et al 1999). Foto 25 (ver também, prancha com os enterramentos evidenciados em anexo).

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Foto 25 – Enterramentos – estrato 1.

Os sepultamentos localizados na base (estrato 3) apresentam padrão diferenciado em relação ao do estrato 1. O elemento persistente é a argila vermelha, porém, não foram registrados os grandes blocos de pedras, apenas pequenos e poucos seixos, percebendo-se a diminuição da ocorrência de valvas de Lucinas pectinata e ossos de animais. Embora as fogueiras estejam presentes, não aparecem concreções (Rodrigues, Imazio et al., 1999). Foto 26 (ver também, prancha com enterramento evidenciados em anexo).

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Foto 26 – Enterramento localizado na base do estrato 3.

Com exceção da área perturbada, a maioria dos sepultamentos são estruturas razoavelmente preservadas com poucas evidências de distúrbio pósdeposicionais, na maioria relacionados à abertura de novas sepulturas. Foram evidenciadas 26 estruturas funerárias, das quais 20 são sepultamentos primários e 2 relacionavam-se a fragmentos ósseos variados, desordenados. As outras quatro estruturas restantes estavam localizadas na área perturbada, ou adjacente a esta, e apresentavam-se também como conjuntos de ossos fragmentados e desarticulados, recobertos por pedras (quartzo e arenito ferruginoso) fotos 27, 28 e 29. Ossos esparsos também foram evidenciados nesta área (Rodrigues; Imazio et al 1999).

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Foto 27 – Na parte centro inferior da foto, que corresponde área perturbada, observa-se a presença de conjuntos de ossos fragmentados e desarticulados recobertos por pedras.

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Foto 28 – Na parte centro inferior da foto detalhe do conjuntos de ossos fragmentados e desarticulados recobertos por pedras.

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Foto 29 – Detalhe de um conjunto de ossos fragmentados e desarticulados recobertos por pedras encontrado na T 4.

Os dados obtidos com a análise deste material serão parte integrante da tese de doutorado da pesquisadora Claudia Rodrigues. Apesar do material encontrar-se em fase de análise alguns dados já estão disponíveis. Os esqueletos apresentam compleição robusta e inserções musculares bem marcadas. Até o momento foram identificados 2 indivíduos do sexo masculino e um feminino. Utilizando as medidas dos ossos longos para estimativa de altura, temos para o indivíduo feminino, entre 1.43m e 1.51m e para os masculinos entre 1.59m e 1.66m (Rodrigues; Imazio et al 1999).

Das 26 estruturas funerárias resgatadas, 20 puderam ser identificadas como enterramentos primários. Entre estes (enterramentos primários), dois eram duplos, ocorrendo associação de indivíduo adulto e criança. As demais, não puderam ser identificadas por apresentarem-se muito perturbadas (Rodrigues,Imazio et al 1999). Constamos, dessa forma, que houve predominância de enterramento primário. A posição mais freqüente foi o decúbito ventral (10), seguido do lateral (5) e por último o dorsal (2).

O acompanhamento que aparece predominantemente é o corante vermelho colocado junto ao corpo. Sendo comum também os seixos, adornos, instrumentos/ferramentas de uso cotidiano e algumas espécies de moluscos.

Verificamos que determinadas espécies de moluscos ocorrem exclusivamente associadas aos enterramentos, provavelmente, como acompanhamento funerário, são elas: Lyropectem nodosus (Linnaeus, 1758);Cypraea zebra (Linnaeus, 1758); eTonna galea (Linnaeus, 1758).

Olivancillaria sp.;Thaumastus sp.; Megalobulimus sp.; Thais haemastoma (Linnaeus, 1758); Anomalocardia brasiliana (Gmelin, 1791); Lucina pectinata (Gmelin, 1791) são os tipos mais recorrentes junto aos enterramentos, porém como vimos acima também são utilizadas para outros fins.

Podemos citar como adornos associados aos enterramentos: canutilhos, fragmento de mica "cortado", concha perfurada, vértebra trabalhada, pingentes (de osso de peixe, dente de golfinho, dente de orca, dente de tubarão, dente de macaco, entre outros); como instrumentos temos: pontas, agulhas, raspadores, machadinhos, quebra coquinho, entre outros.

Embora ainda não tenha sido feito o número mínimo de indivíduos(NMI), a distribuição do material ósseo nas unidades funerárias permite estimar o resgate de pelo menos 28 indivíduos. Com a continuidade do trabalho de análise é possível que este número seja ampliado (Rodrigues; Imazio et al 1999)

VI – A FAUNA NO CONTEXTO ARQUEOLÓGICO/ ANÁLISE DO MATERIAL FAUNÍSTICO:

Obviamente nem todos os vestígios faunísticos são procedentes de restos alimentares, portanto estamos atentos, também, a modificações nos vestígios faunísticos, examinando o material para detectar alterações tais como: evidenciação de marcas de uso, manufatura de artefatos, queima, marcas feitas por animais, ou pelo homem, entre outras.

Estudos zooarqueológicos são importantes, e contribuirão trazendo informações sobre o "modus vivendi" dos grupos pré-históricos, fornecendo dados significativos referentes à fauna, ao tipo de ambiente, à paleonutrição, etc. Através da percentagem de animais de caça, pesca e coleta entre outros, podemos deduzir o status sócio econômico do grupo, diferenças interculturais, problemas natureza x cultura e evolução diacrônica, além dos padrões de subsistência e informações sobre o meio ambiente.

Os estudos etnológicos trazem, na maioria das vezes, importantes contribuições à arqueologia. Um balanço dos estudos das formas adaptativas e do manejo do meio ambiente por parte das populações indígenas atuais contribuirão para esclarecer questões, principalmente ligadas a padrões de assentamento e sistemas de subsistência, entre outras (Ribeiro, B. 1992).

É importante, contudo, que uma ressalva seja feita: deve-se tomar cuidado para não utilizar dados etnológicos em analogias, mas usá-los apenas para esclarecer os dados arqueológicos, ajudando na construção de hipóteses e modelos. Analogias e comparações etnográficas são pertinentes apenas dentro de certos limites, quando podem ser confrontados os dados arqueológicos e etnográficos (Apud Gaspar,1995:315).

Metodologia

A metodologia aplicada ao estudo do material faunístico foi dividida em 2 etapas:

1) Análise do Material

  • Triagem e pesagem de todo o material coletado, separação por material (ósseo, lítico, cerâmica, vegetal/carvão, corante, malacológico, etc.)

  • Separação por classes (aves, peixes...)

  • Separação das peças anatômicas diagnosticas e das não identificadas

  • Identificação taxonômica -Verificação de marcas de trabalho e/ou uso (artefato)

  • Flotação do material e análise do mesmo (obedecendo os mesmos procedimentos acima descritos)

2) Análise quantitativa

  • Seleção de áreas escolhidas como representativas/ amostragem para análise

  • Pesagem do material já selecionado por classes

  • Quantificação do material (NTR, NMI, NMISP)

  • Sistematização do material e articulação dos dados (programa Access)

Como não dispomos de mais tempo para o processo de análise de todo o material coletado, selecionamos uma amostragem para análise que consideramos representativa. Escolhemos 3 amostrar para cada "tipo" de área como segue:

- 3 amostras da área junto aos enterramentos;

  •  - 3 amostras de áreas de fogueira com carvão e concreção;

  •  - 3 amostras de áreas "limpas"; e

- 3 amostras da área perturbada

Gostaria de ressaltar que além do tamanho/quantidade das amostras é muito importante o local onde estas são coletadas, uma vez que diferentes áreas podem estar associadas a diversos tipos de atividade. Para se obter uma idéia geral é preciso selecionar as diferentes áreas.

1 – Estudo Zooarqueológico

a) Amostragem:

Sem dúvida, o "tamanho" da amostra influi consideravelmente nos resultados obtidos. O ideal seria realizar uma amostragem ampla, ou seja, quando possível, coletar várias amostras dos perfis, da escavação e da peneira, além de reservar uma parte para flotação. Através da flotação podemos recuperar pequenos ossos, dentes e sementes que passam desapercebidos na escavação e no peneiramento, fornecendo-nos assim uma noção mais precisa do material que ocorre no sítio. No caso do trabalho de salvamento realizado no Sambaqui do Moa, a escavação foi realizada com esta preocupação (de amostragem). Foram recolhidos todos os materiais, da escavação, da peneira e os para flotação, análise de solo e pólen.

Utilizamos técnicas de escavação por decapagens em superfícies amplas. Nos procedimentos de campo adotamos controle detalhado, registrando a posição dos vestígios encontrados, o que facilita a análise, remontagem, comparação e articulação dos dados.

Técnicas de análises zooarqueológicas aplicadas ao material

A base do estudo zooarqueológico é a identificação e a quantificação do material, importante não só para se obter uma listagem dos animais, mas também para conhecer a proporção relativa das espécies identificadas.

b) Identificação / Classificação Taxonômica

Identificação e classificação taxonômica do material faunístico: separação do material por grupos zoológicos e por peças anatômicas. O trabalho de classificação taxonômica do material zooarqueológico foi realizado através de comparação anatomo-morfológica (Brian & Wapnish, 1985, Davis, 1987) com coleções osteológicas de referência e bibliografia especializada. Contamos também com a colaboração de pesquisadores (zoólogos) nas áreas específicas e zooarqueólogos.

No material coletado durante a escavação de salvamento realizada no sambaqui do Moa identificamos, peixes, mamíferos, aves, répteis, moluscos, crustáceos e anfíbios, à saber:

  • Répteis: Lagartos da família Teiidae, tartarugas da família Cheloniidae, e Serpentes.

  • Anfíbios: Sapos da família Bufonidae.

  • Aves: Spheniscidae (pingüim); Podicipedidae (mergulhão); Diomadeidae (albatroz); Procellariidae (pardela); Ciconiidae (cegonha, jaburu); Anatida (marreca, pato do mato); Laridae (trinta-réis); Psittacidae (arara vermelha); Anhingidae (biguatinga) (Kneip, et al.,1997). Como ainda não temos as diferentes espécies de aves identificadas, optamos por citar as espécies que ocorreram nas escavações de 88 (realizadas por Kneip) pois acreditamos que não será muito diferente, tendo em vista os outros resultados referentes a fauna, todos muito semelhantes.

  • Mamíferos terrestres: entre os mamíferos terrestres temos as seguintes famílias: Didelphidae (gambá); Critidae (rato d"água); Cavidae (preá); Agoutidae (paca); Dasypodidae (tatu); Cervidae (veado); Tapiridae (anta); Tayassuidae (porco do mato); Cebidae (macaco); Felidae (onça, gato do mato); Procionidae (mão pelada); Leporidae (coelho)

  • Mamíferos marinhos: entre estes a família identificada foi a Delphinidae (golfinho e orca).

  • Peixes: As famílias identificadas foram: Scianidae (corvina, miraguaia, pescada); Carangidae (xaréu); Centropomidae (robalo); Ariidae (bagre); Myliobatidae (raia); Alopiidae (cação); Pomatidae (enchova); Sparidae (pargo).

  • Crustáceos: Para os crustáceos, siris, foi identificada a espécie Callinectes sp.

  • Moluscos: Para identificação da fauna malacológica do sambaqui do Moa contamos com a colaboração da Dra. Elisa Botelho do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que já havia trabalhado na classificação das seguintes espécies:

Gastrópoda: Bulla striata (Bruguière, 1792); Cerithium atratum (Born, 1778); Cochlorina aurisleporis (Bruguière, 1792); Cymatium parthenopeum (von Salis, 1793); Cypraea zebra (Linnaeus, 1758); Gonyostomus goniostoma (Férussac, 1822); Hastula cinerea (Born, 1778); Megalobulimus sp.; Megalobulimus terrestris (Spix, 1827); Nassarius vibex (Say, 1822); Natica limbata (D"Orbigny, 1840); Neritina virginea (Linnaeus, 1758);Olivancillaria auricularia (Lamark, 1811); Olivancillaria urceus (Röding, 1798); Olivancillaria vesica (Gmelin, 1791); Strombus pugilis (Linnaeus, 1758); Thais haemastoma (Linnaeus, 1758);Thaumastus achilles (Pfeiffer, 1852); Thaumastus magnificus (Grateloup, 1839); Thaumastus taunasii (Férussac, 1822) ;Tonna galea (Linnaeus, 1758); Zidona dufresnei (Donovan, 1823);

Bivalvia: Amiantis purpurata (Lamark, 1818); Anadara notabilis (Röding, 1798); Anomalocardia brasiliana (Gmelin, 1791); Arca imbricata (Bruguière, 1792);Barbatia candida (Helbling, 1779); Brachidontes exustus (Linnaeus, 1758); Callista maculata (Linnaeus, 1758); Diplodon multistriatus (Lea, 1831); Donax hanleyanus (Philippi, 1847); Glycimeris sp.; Lucina pectinata (Gmelin, 1791); Lyropectem nodosus (Linnaeus, 1758); Mactra fragilis (Gmelin, 1791); Ostrea sp.; Perna perna (Linnaeus, 1758); Pitar fulminatus (Menke, 1828); Tagelus plebeius (Lightfoot, 1786); Tivela fulminata (Valenciennes, 1827); Tivela isabeleana (D"Orbigny, 1846); Tivela mactroides (Born, 1778); Tivela ventricosa (Gray,1838); Trachycardium muricatum (Linnaeus, 1758);

Com a finalidade de melhor visualização, a seguir apresentaremos algumas tabelas marcando a presença da fauna nos diferentes estratos, que elaboramos a partir dos dados que, no momento, estão disponíveis.

Tabela 1Freqüência de Anfíbios e Répteis no Sambaqui do Moa, por camadas de ocupação

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Tabela 2Freqüência de Mamíferos Terrestres e Marinhos no Sambaqui do Moa

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Tablea 3Ocorrência de Peixes, Ósseos e Cartilaginosos no Sambaqui do Moa

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Tabela 4Crustáceos do Sambaqui do Moa

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Tabela 5Fauna Malacológica do Sambaqui do Moa por estrato

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Tabela 6Distribuição do Material Ósseo e Conchífero do Sambaqui do Moa

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c) Quantificação

As técnicas de quantificação mais utilizadas, atualmente, são o NTF (número total de fragmentos), que fornece uma idéia da conservação do material proveniente do sítio. O inconveniente que esta técnica apresenta é a contagem dos fragmentos de ossos que se encaixam(remontam), o que privilegia animais com maior quantidade de ossos.; NMI - cálculo do número mínimo de indivíduos utilizando as peças

anatômicas únicas ou pares (seleciona-se o lado de maior freqüência) características de uma família, gênero ou espécie) e NISP -cálculo do número mínimo de indivíduos por espécie.

De modo geral, o estado de conservação dos restos de alimentares em sítios arqueológicos não é dos melhores. No Brasil, os estudos zooarqueológicos estão no início e a ausência de coleções e publicações de referencia dificultam a identificação taxonômica do material, sendo necessário, muitas vezes, recorrer a especialistas (zoólogos). Porém, devido ao estado de conservação precário, material muito fragmentado, não se consegue fazer uma identificação taxonômica completa. Sem dúvida, é um problema sério que depende de tempo, persistência e treino, até que se formem coleções e publicações de referencia adequados à nossa realidade.

No caso do material zooarqueológico proveniente do Sambaqui do Moa criamos um banco de dados no programa Access com a finalidade de articular os dados obtidos com a análise do material faunístico e verificar possíveis correlações entre os elementos característicos de cada espécime identificado taxonomicamente. Para isso, elaboramos uma tabela com campos específicos e selecionados (ver estrutura da tabela em anexo). A partir dos dados obtidos foram elaboradas consultas e gráficos. Utilizamos, para a interpretação dos dados e elaboração dos gráficos, o NTF, NMI e NISP. A seguir apresentaremos algumas tabelas e gráficos acompanhados de uma pequena explanação.

Nos gráficos 1 e 2 podemos observar uma grande predominância dos peixes em relação ao restante da fauna. A seguir vem os mamíferos, seguidos dos crustáceos, aves e répteis. Nestes gráficos não incluímos os moluscos porque estes produzem nos vestígios uma grande quantidade de restos (carapaças), possuindo apenas uma pequena parte comestível, ao passo que o restante da fauna produz menor quantidade de restos (ossos), sendo a parte comestível mais substancial .

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Gráfico 1

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Gráfico 2

A seguir, no gráfico 3, temos a distribuição do conjunto das peças anatômicas por estratos e após, nos gráficos 4,5 e 6, podemos verificar essa mesma distribuição com mais detalhes, pois podendo ser vista nos estratos separadamente. Podemos verificar que os peixes continuam predominantes em todos os estratos (1,2 e 3), sugerindo que durante todos os períodos de ocupação do sítio, a atividade predominante foi a pesca.

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Gráfico 3

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No gráfico 7 observamos, com detalhes, a distribuição dos ossos de peixes nos diferentes estratos e a seguir no gráfico 8 observamos a frequência, por estratos, das diferentes espécies identificadas através dos otólitos. Percebe-se que em todos os 3 estratos a grande predominância é de corvina, seguida em menor número dos bagres, miraguaia e pescada amarela. Também podemos conferir, com maior nível de detalhe, na tabela abaixo, elaborada a partir dos otólitos das espécies identificadas, que apresenta o NMI (número mínimo de espécies) de cada estrato. No gráfico 9, ainda referente aos peixes podemos verificar a distribuição da peças anatômicas dos peixes nos diferentes estratos, onde podemos notar que a predominância é dos otólitos, seguidos das vértebras.

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Tabela 7Distribuição de Otólitos de Peixes Ósseos pelo NMI - Sambaqui do Moa

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NMI – Número Mínimo de Indivíduos

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Nos gráficos 10 e 11, apresentamos a frequência dos mamíferos por estratos e depois, com mais detalhes, a distribuição das peças anatômicas nos diferentes estratos. Observamos aqui que os ossos dos mamíferos não ocorrem no estrato 2, porém isso não significa que eles não existam neste estrato uma vez que, convém relembrar, trabalhamos apenas com uma seleção das amostras. Os resultados aqui apresentados são parciais, e necessitam de um maior aprofundamento, através da análise de toda as amostras de material coletado.

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Nos gráficos 12 e 13 podemos observar a distribuição dos ossos de aves e dos répteis, respectivamente, nos diferentes estratos. Entre os ossos de aves, as peças anatômicas mais representativas foram os ossos longos, seguidos das vértebras. Entre os répteis observa-se, na frequência das peças anatômicas uma maior quantidade de placa/carapaça seguidos das vértebras e outros ossos. Observa-se que os ossos de aves estão presentes em todos os estratos porém, a semelhança dos mamíferos, os répteis não estão representados no estratos 2.

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Para os crustáceos podemos observar na tabela abaixo e no gráfico 14, que foram registrados exemplares de Callinetes sp. (siris) em todos os 3 estratos. A totalidade das peças anatômicas é constituída por garras (quelas e dáctilos). Observa-se ainda que no estrato 1 é onde ocorre a maior quantidade de garras.

Tabela 8Crustáceos do Sambaqui do Moa

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NTF – Número Total de Fragmentos

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Entre os moluscos podemos observar, no gráfico 15, que existe quase que um equilíbrio entre a frequência dos bivalves e dos gastrópodes. Estes estão representadios em todos os estratos, conforme podemos verificar no gráfico 16. Novamente, ocorre um aspecto problemático, pois como trabalhamos apenas com uma parte da amostra (amostras selecionada) esta não foi suficiente para representar o que percebemos durante as escavações, que o estrato 2 é o que possui maior quantidade de moluscos em relação aos outros dois estratos (1 e 3).

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Gráfico 16

No gráfico 17, a seguir, podemos observar a quantidade de material não identificado que ocorre nos três estratos. Geralmente a maior quantidade deste material não identificado, ocorre nos primeiros níveis (mais superficiais), isso provavelmente porque o material estando mais próximo à superfície está mais exposto apresentando-se, consequentemente, mais fragmentado.

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Por último, achamos interessante mostrar a distribuição dos artefatos que foram elaborados utilizando a fauna como matéria prima e sua distribuição nos diferentes estratos, gráfico 18. Em seguida nos gráficos 19, 20 21 e 22 apresentamos estes mesmos artefatos com mais informações a cerca dos detalhes, tais como: tipo de fauna e de peça anatômica utilizada na elaboração dos mesmos.

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Gráfico 22

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Podemos observar, nos gráficos 19, 20, 21 e 22, da página anterior, que a maior quantidade de artefatos ocorre no estrato 3. As pontas, como já vimos, podem ser simples ou duplas. Denominamos pingentes, os adornos que, em geral, apresentam um orifício, e algumas vezes dois, com a finalidade de serem pendurados, muito provavelmente. As agulhas na sua totalidade são feitas de esporão de peixe (bagre) com o orifício natural alargado.

2 - Área de captação de recursos.

As evidências demonstram que os habitantes pré-históricos do Sambaqui do Moa escolheram uma área estrategicamente posicionada, tendo em seu entorno 5 diferentes tipos de ambientes (lagunar com floresta inundada e brejo herbáceo, litorâneo com vegetação de restinga, fluvial com floresta de baixada, encosta e interflúvio com floresta ombrófila densa, ou seja, lagoa, mar/praia, restinga, mangue, floresta).

Aproveitando deste posicionamento privilegiado, que muito provavelmente foi escolhido também devido a estas características, exploravam os diversos tipos de ambientes demonstrando que os limites, destas populações, para exploração de recursos, eram bem amplos.

Nossos resultados apontam para uma preferência dos ambientes lagunar e litorâneo. Estes apresentam-se como os mais explorados para a aquisição dos recursos alimentares, do ponto de vista dos restos faunísticos, muito provavelmente devido proximidade do sítio em relação a lagoa e ao mar.

Conheciam provavelmente diversas modalidades de pesca e captura utilizavam pontas de projéteis e pontas de arpões, feitas em osso, anzois de concha e agulhas de osso, estas possivelmente eram utilizadas na confecção de diferentes tipos de redes de pesca ou mesmo de espinhéis.

A utilização do arco e flecha, pontas, arpões e redes não eram exclusivos à pesca, são também relacionados a caça, ou seja, a captura de animais de grande porte (veado, onça, anta, porco do mato e mesmo o robalo). Uma outra espécie que torna-se acessível, devido aos hábitos são as "raias" que, em geral, preferem locais rasos, alimentando-se junto as pedras ou ao fundo lodoso, sendo facilmente capturada com pontas de flechas e lanças.

Outro aspecto que facilitaria a captura constituí-se nos fenômenos migratórios (alimentação, reprodução, abrigo) de várias espécies de peixes que concentramse nos canais de acesso as lagoas ou em ambientes mais rasos. A quantidade e diversidade de espécies nos diferentes tipos de ambientes (estuarinos, lagunares e proximidades) sugerem um quadro abundância, o que deve ter facilitado a obtenção de uma grande quantidade de pescado, através de diversos tipos de armadilhas, como currais, covo, entre outros, ou mesmo um pedaço de pau, lanças ou flechas, favorecendo o aumento do consumo de peixes na pré-história desta região (Kneip, et al. 1994)

Existem ainda espécies de peixe de fácil captura, que não deixam vestígios nos registros arqueológicos pois podem ser consumidos inteiros, o mesmo ocorrendo com os camarões, os tatuís e os turus ("vermes"do mangue), e que muito provavelmente foram consumidos.

A pesca de camarão na lagoa de Saquarema, é feita até os dias de hoje com antigas canoas feitas de uma única tora de madeira cavada à enxó, de fundo chato serve para deslizar nas águas mansas da lagoa e dos rios. Outro tipo de canoa "canoa do índio", possuem proa mais alta e com quilha o que possibilita navegar no mar (Dias,1991).

É possível presumir através das evidências nos ossos humanos, fortes inserções musculares nos braços e pernas, e mesmo na alimentação, exploração dos bancos de moluscos existentes na lagoa, que as populações pré-históricas que habitaram os sambaquis da região utilizavam algum tipo de embarcação.

Existem ainda as armadilhas como os ganchos e as estacadas, utilizadas até hoje em Saquarema. Os ganchos, processo primitivo de apanhar peixes, são varas fincadas no fundo da lagoa formando um círculo. O peixe entra por uma espécie de porta e não consegue mais sair, pois em seu interior existe um labirinto em forma de gancho, feito de rede que camufla a saída. São apanhados diversas espécies de peixes neste tipo de armadilha (Dias,1991)

Outra forma de armadilha para peixe são as estacadas, feitas também com varas fincadas no fundo da lagoa, em linha reta, no sentido transversal ao fluxo da correnteza do canal, a rede é presa as varas em sentido vertical até o fundo da lagoa, ficando aproximadamente um metro e meio acima d"água. Na parte superior fica o "trimonbol" que serve para aprisionar o peixe quando este tenta ultrapassar a rede saltando. É uma forma eficiente de apanhar peixe principalmente se a barra estiver aberta (Dias,1991)

Poderíamos citar ainda numerosas técnicas de captura, porém, como ficaria muito extenso nos referirmos a todas, optamos por dar um panorama geral sobre a área de captação, mencionando apenas algumas delas.

3 - Caracterização dos restos alimentares /Análise dos dados

Restos alimentares:

  • De origem vegetal/

Os vegetais na alimentação Por estarmos tratando de alimentação, apesar do enfoque, principalmente, nos vestígios faunísticos, reconhecemos a grande importância dos vegetais na alimentação e na vida cotidiana das populações pré-históricas. Contudo o material de origem vegetal dificilmente é preservado devido às condições climáticas e do solo. As evidências que permanecem, na maioria dos casos, são carvões, sementes e coquinhos calcinados.

Apesar da importância dos vegetais na alimentação das populações préhistóricas, poucos trabalhos, no Brasil, vem sendo desenvolvidos sobre o tema, uma vez que se trata de uma área restrita a poucos especialistas, o que torna escassos os dados bibliográficos. Sendo assim, apresentamos aqui os únicos dados de que dispomos a cerca dos restos vegetais identificados para os sambaquis da região dos lagos, os quais são apresentados por Schell-Ybert (1998).

Segundo Schell-Ybert (Ibid) que, conforme já mencionamos, trabalhou com carvões coletados em 7 sambaquis da Região dos Lagos (2 deles situados em Saquarema - Sambaquis da Beirada e Pontinha), a coleta de produtos vegetais era, com certeza, muito importante para a alimentação dos grupos sambaquieiros, uma vez que em todos os sítios analisados ocorreram fragmentos de coquinhos carbonizados, sementes e resíduos de tubérculos de monocotiledôneas (provavelmente gramíneas, ciperáceas e carás – Dioscorea sp e Typha dominguensis)

  • De origem animal/ A fauna na alimentação

Os estudos dos vestígios referentes a fauna permitem elucidar questões relacionadas não só ao ambiente, mas também a maneira como estes povos exploravam os diferentes ecossistemas.

A análise do material faunístico que teve como base uma parte das amostras (amostras selecionadas) recuperadas nas escavações de 1998, indicam o seguinte:

Entre os vertebrados, a análise do material ósseo indicou que os peixes possuem maior representatividade em todos os estratos. Em menor quantidade, conforme podemos observar, também nos gráficos apresentados, aparecem os mamíferos, as aves, os répteis, e os anfíbios.

Entre os peixes o que apresentou maior frequência, em todos os estratos, foi a corvina, seguida do bagre, miraguaia e pescada. Assim sendo, podemos concluir que o alimento mais consumido pelos grupos que habitaram o sambaqui do Moa foi, aparentemente, o peixe, ou seja, observa-se uma significativa preferência por este tipo de alimento em todas as camadas de ocupação do referido sítio.

Entre os invertebrados, a análise do material malacológico coletado indicou que 6.920 exemplares pertenciam aos bivalves e 6.582 exemplares aos gastropodes. Os moluscos representam um recurso alimentar secundário de grande importância para dos pescadores-coletores-caçadores de Saquarema, pois constituem-se em uma fonte segura de alimentos, sendo de fácil captura e estando disponível sempre que necessário. Contudo, os moluscos oferecem menor quantidade de carne e nutrientes do que os peixes, por exemplo. Além do alimento, como já vimos, sua carapaça era utilizada como matéria prima na elaboração de artefatos.

De todas as espécies de moluscos identificadas 6 foram as mais utilizadas na alimentação dos antigos habitantes do Sambaqui do Moa, são elas: Thais haemastoma (Linnaeus, 1758); Lucina pectinata (Gmelin, 1791); Ostrea sp.; Anomalocardia brasiliana (Gmelin, 1791). Donax hanleyanus (Philippi, 1847); Perna perna (Linnaeus, 1758) (Kneip, 1994).

Os crustáceos também estão representados entre os restos alimentares desta população, constatou-se uma quase que total predominância de siris, Callinetes sp. , indicando uma predileção por esta espécie.

Finalizando, em todos os estratos, isto é, em todas as ocupações do Sambaqui do Moa, nossos resultados apontam para a predominância das atividades de pesca, ou seja, maior frequência de peixes em relação ao resto da fauna, corroborando os resultados de Kneip et al (1997), para o referido sítio e também o modelo proposto por Figuti (1994/1995), para os Sambaquis Cosipa, no estado de São Paulo, sobre a subsistência dos grupos sambaquieiros.

Em segundo plano temos a coleta de moluscos, e em terceiro a captura de mamíferos, crustáceos, aves, repteis e anfíbios. Os ambientes mais explorados, sob o ponto de vista dos vestígios faunísticos foram o lagunar e o litorâneo, indicando todavia incursões também às florestas.

Por último, gostaríamos ainda de mencionar que prosseguimos com as análise referentes ao restante do material. Esperamos, em breve, obter novos resultados.

VII – DISCUSSAO E CONSIDERAÇÕES

Sendo a alimentação o fator mais importante para a sobrevivência, as atitudes e tradições ligadas à sua obtenção, ao preparo e à ingestão fazem parte de todo grupo social conhecido, constituindo-se em um dos pontos característicos e persistentes de uma cultura. Isto é, uma vez estabelecido, o sistema de subsistência resiste a mudanças. O estudo de práticas relacionadas à subsistência ajuda-nos na tarefa de desvendar e entender aspectos do comportamento humano.

Apesar da composição da dieta alimentar variar muito, a resistência em mudar padrões alimentares deve-se a fatores tais como: desenvolvimento de anticorpos; ajuste do sistema enzima substrato; ajuste da flora bacteriana; aspectos culturais (Wing & Brown, 1979)

Muitos costumes, porém, como por exemplo os tabus alimentares, a divisão de alimentos por sexo ou idade, ritos religiosos, festas, entre outros, são difíceis de serem recuperados nos registros arqueológicos, uma vez que faltam evidências materiais da maioria de tais processos. Entretanto, analisando-se atitudes em relação a alimentação, no contexto etnográfico, podem-se elucidar, até certo ponto, processos humanos ligados a subsistência e adaptação. Assim sendo, o conhecimento sobre grupos caçadores-coletores atuais e do passado ajudam a entender os sistemas de subsistência e adaptação das populações Pescadores-Coletores-Caçadores.

Por ter trabalhado com grupo caçador-coletor pré-histórico, no mestrado, utilizei parâmetros propostos nos estudos de Binford (1980). Porém, existe uma continuidade no trabalho uma vez que trato do tema alimentação, deste modo continuarei trabalhando com alguns pontos já utilizados.

Binford (1980), através de estudos etnológicos ligados às adaptações de caçadores-coletores, propõe evidenciar as diferenças existentes no padrão de mobilidade do homem e detectar padrões espaciais nos sítios arqueológicos, levando em conta esse comportamento.

O mesmo autor considera que os sistemas humanos de adaptação podem ser diferenciados, e essas diferenças (internas) podem caracterizar ações realizadas e lugares de diferentes comportamentos. Isso explica a desigualdade entre os sítios, que variam em relação a seus papéis (de organização) dentro de um sistema.

O registro arqueológico é, para o autor, o melhor padrão estático de associações e co-variações entre "vestígios" distribuídos no espaço. O sentido desses padrões depende do entendimento dos processos que operaram para produzi-los. Para realizar o seu trabalho, o arqueólogo necessita então de um sofisticado conhecimento e compreensão da dinâmica das adaptações culturais, pois é através dessa dinâmica, juntamente com os processos taphonômicos, que surge o estático observado.

Os padrões observados no que tange à organização dos grupos sambaquieiros, levando-se em conta as atividades de subsistência, oferecem certas sugestões analíticas de como o processo pode ser visto, caracterizando a adaptação desses grupos pré-históricos. Isto é, os grupos sambaquieiros geralmente têm uma base residencial como o centro das atividades de subsistência,. Utilizam vários implementos e possuem estratégias regulares na procura diária de alimentos. Com isto, a variabilidade de conteúdos dos sítios residenciais geralmente reflete a cultura, a diferença sazonal do programa de atividades e a duração da ocupação.

O sistema de subsistência das fases de ocupação de Saquarema, principalmente os ligados aos sambaquis, tem sido documentado pelos trabalhos de Kneip e sua equipe, que empregam também métodos de pesquisa voltados para a caracterização dos paleoambientes.

Estudos paleoecológicos são de grande importância contribuindo na caracterização e reconstituição do ambiente pré-histórico. Dados referentes aos paleoambientes ajudam no esclarecimento e entendimento das mudanças climáticas, botânicas, faunísticas entre outros e consequentemente também nos levará a um melhor conhecimento sobre a história do nosso passado.

Reconhecendo-se a heterogeneidade ecológica da região, que apresenta diferentes tipos de ambientes, torna-se difícil não admitir a diversidade das estratégias de captação de recursos empregadas pelos grupos que habitaram os sambaquis da área.

Estudos sobre a subsistência dos pescadores-coletores-caçadores pré-históricos demonstram que os ambientes lagunar e litorâneo foram os mais explorados, do ponto de vista faunístico (Kneip, 1999: 226).

A estratégia de localizarem-se em áreas de transição é eficiente para diversos grupos (pescadores-coletores-caçadores e mesmo caçadores-coletores, entre outros) visto que estas áreas apresentam riqueza e diversidade dos recursos de fauna e flora. Percebe-se que estratégias de manejo e de mudanças no ambiente, objetivando um aumento na produção alimentar, são variadas e bastante criativas.

Na tentativa de verificar todos os aspectos que contribuem para o entendimento das relações existentes entre o homem e o ambiente, com base nas estratégias de captação de recursos, dieta alimentar/subsistência, cultura material, padrões de assentamento/implantação de sítios, padrões (tipos) de sepultamentos, formas de uso e manejo do ambiente, direcionei as leituras, do curso "etnologia dos índios sul- americanos" que fiz como disciplina para o doutorado, enfocando o modo de vida dos grupos indígenas atuais.

Uma questão que surgiu, no decorrer do curso, foi por que, no registro préhistórico de alguns sítios, é difícil de perceberemos mudanças em períodos de centenas de anos de habitação?

Encontrei um possível esclarecimento lendo os trabalhos de Hugh-Jones (1979) sobre Tukano e Brunelli (1989) sobre os Zoró, tribos indígenas situadas na região Amazônica.

Christine Hugh-Jones (1979), realizando seu trabalho entre os Tukano, constatou que muita coisa mudou, em determinado período, porém o "sistema" de subsistência continuou o mesmo. Penso que o "sistema" não mudou porque ele não estava ligado unicamente à subsistência, como disseram muito bem Hugh-Jones (1979) e Brunelli (1989), mas sim com tudo, com a vida! Não apenas com a obtenção de alimentos.

Como diz Brunelli, "todas estas atividades, chamadas em seu conjunto, habitualmente, "atividades de subsistência", dão, por suposto, alimentação, porém não somente isto". E continua citando exemplos, como os de caça: o porco do mato, que é uma fonte de alimento, sua pele é empregada para adornar as flechas, e a mandíbula é usada para polir os arcos; ou os de pesca: os dentes muito afiados de um determinado peixe são utilizados como tesouras para cortar o cabelo (Brunelli, 1989:163). Finalmente, diz ele, "a coleta de produtos da floresta é também uma atividade em que os fins alimentícios não são os únicos. Basta dizer que toda cultura material dos Zoró,..., provém de materiais coletados na floresta"( Brunelli, 1989:164). Afirma ainda que para o "povo Zoró não existe, na realidade, uma distinção entre as atividades de subsistência e as outras atividades da vida. Ao contrário, todas as atividades: subsistência, diversão, relações sociais, conhecimentos, etc., formam uma unidade bem integrada" (Brunelli, 1989:164). Observação também feita por Hugh-Jones (1979) nos seus estudos sobre os Tukano, que percebeu tão claramente a relação entre esses domínios.

Outras questões relevantes foram levantadas por Brunelli em seu trabalho: como medir a questão da subsistência? O que é tempo dedicado à subsistência e como se pode medir isso? Para estes autores está tudo integrado, não existe tempo dedicado só para subsistência/alimentação, ou seja, pensar em sistema de subsistência implica em pensar em questões estruturais, pois a subsistência não é vista, pelas populações indígenas, isoladamente, como podemos observar nos dois trabalhos acima citados.

Entre as questões importantes para os índios das terras baixas estão as da corporalidade, da troca de substâncias, do corpo como suporte de mudanças sociais, do perspectivismo, da espacialidade, da comensalidade, e a forma do índio se identificar pelo que come ("Você é o que você come"). A questão da substância de que é feita a corporalidade "humana" é, para eles, muito importante. Precisa comer como Wari para ser Wari (Vilaça, 1996). Estes índios se percebem pelo que comem. A alimentação, sua obtenção, preparo e forma como são consumidos os alimentos, identifica, em alguns casos, o grupo (exemplo: Zoró, Cinta Larga, entre outros).

Em um de seus artigos, Gaspar (1992:95) parte do princípio de que "o objeto da arqueologia é o estudo de sistemas sociais, e que estes podem ser inferidos a partir da cultura material, da distribuição espacial dos testemunhos arqueológicos e de sua articulação com o ambiente". Considera também "que o sítio arqueológico não pode ser entendido em toda sua complexidade, se isolado no tempo e no espaço, pois os sítios compõem um sistema de assentamento e não podem ser explicados como entidades isoladas" (Apud Gaspar 1992:95)

Considerando ainda "que o artefato é produto e vetor de relações sociais, o seu estudo é uma via de acesso a questões ligadas à organização social, principalmente ao domínio do cotidiano" (Gaspar 1991:95-6). Afirma que o padrão de distribuição espacial dos sítios remete à interação entre os seus ocupantes e que a partir de um estudo da relação dos sítios com o meio é possível compreender a distribuição, a concentração, a implantação, bem como dar sentido às indústrias características desse sistema (Gaspar, 1992:96)

Estudando a pré-história brasileira, Gaspar (1994) identificou vários sistemas socioculturais que são caracterizados por diversos padrões de assentamento, de indústrias e ritos funerários. Com a sistematização da bibliografia percebeu que apenas nos sambaquis existe uma estreita relação entre três elementos: habitação, mortos e restos alimentares e industriais. Diz ela "esta associação particular pode ser considerada , do ponto de vista arqueológico, como marcador étnico, visto que a maneira de ordenar o espaço e realizar ritos funerários são idiossincrasias de cada sistema sociocultural". Trata-se de uma lógica particular de concepção de mundo. Considera, então, que a associação deste três domínios -moradia, restos alimentares e industriais e sepultamentos - um traço estruturador do sistema cognitivo dos sambaquieiros, que ocuparam a costa brasileira no período compreendido entre 8 000 e 1 000 anos AP (Gaspar, 1994).

Partindo desse pressuposto, afirma que todos os sítios que apresentam associação, num mesmo espaço de moradia, de cemitério e de descarte de restos alimentares e industriais, foram construídos por grupos vinculados à mesma tradição cultural. Consideram que os materiais e, em certa medida, os aspectos morfológicos dos sambaquis, são decorrentes da materialização de regras sociais pertinentes exclusivamente ao sistema sociocultural dos sambaquieiros (Gaspar 1995/6).

Com base em pesquisa bibliográfica, verificou que o processo de construção dos sambaquis parece implicar ritmos distintos de acumulação, que é recorrente a ocupação em determinados sítios durante períodos de 500 e 1000 anos e que as ocupações mais longas não ultrapassam 3500 anos. A bibliografia indica ainda que os sambaquis foram ocupados continuamente, ou por amplos períodos (Ibid)

Estudando a distribuição dos sítios, Gaspar verificou que seus habitantes procuraram locais onde o litoral era recortado, especialmente onde ocorre a interseção de vários ambientes, não sendo necessários grandes deslocamentos para obtenção dos recursos. Foram escolhidas regiões que se caracterizam pela presença de estuários, lagunas, baías, mangues, restingas e matas. Nessas regiões, procuraram pontos que permitissem fácil acesso a esses diferentes microambientes e que estivessem próximos de água potável, fossem protegidos do vento e permitissem uma ampla visão do entorno. A ocupação de pontos estratégicos permitiu a sedentarização do grupo e os vestígios arqueológicos indicam certa estabilidade (Gaspar, 1996).

Constatou ainda, a referida autora, que a ocupação do litoral, por grupos sambaquieiros, não se deu através de sítios isolados no tempo e no espaço, e sim, de agrupamentos de sítios. Estes agrupamentos são unidades sociológicas de ocupação, pois são decorrentes do assentamento conjunto (Apud Gaspar 1994).

Resultantes de uma cadeia de atividades ligada a determinados elementos culturais temos os aspectos dimensionais e morfológicos dos sambaquis que estão diretamente relacionados ao seu universo sistêmico, demonstrando claramente a intencionalidade na edificação de platôs. Esta pratica parece remeter tanto a questões simbólicas, como a questões relacionadas a identidade social (Barbosa & Gaspar, 1996).

Sabemos que a identidade social de um grupo não é constituída apenas por um elemento mas sim por um quadro complexo destes, que articulados, particularizam um dado sistema sociocultural. Sendo assim os grupos sambaquieiros podem ser individualizados/caracterizados levando-se em conta dos seguintes elementos: implantação do sitio na paisagem, a instalação da moradia sobre os platôs edificados, o desenvolvimento das atividades cotidianas e rituais (Ibid).

Concordo com Gaspar (1995) quando afirma que só o estudo de questões estruturais poderia dar sentido à totalidade dos sambaquis distribuídos em quase toda costa brasileira e em áreas ribeirinhas. Ela sugere que questões estruturais devam ser priorizadas em detrimento de evidências marcadas por aspectos ambientais.

A referida autora, considera que os sítios das regiões sul, sudeste, norte e nordeste compartilham de uma origem comum e que, apesar de existirem particularidades regionais, existiu uma forte interação social em toda costa brasileira, tendo em vista que a referida associação (espaço de moradia, cemitério e descartes de restos alimentares e industriais - característica dos construtores de sambaqui) ocorre em todos os lugares e em todos os períodos em que esteve funcionando o sistema sociocultural dos grupos sambaquieiros (Ibid).

Penso que os aspectos ambientais - dieta alimentar, composição do depósito, entre outros – apontados por Gaspar, reforçam essas características estruturais, sendo, a meu ver, aspectos complementares e não excludentes.

Percebo que estudos zooarqueológicos ligados principalmente à esta parte de alimentação tem muito a contribuir para o melhor entendimento de aspectos ligados ao sistema de subsistência e consequentemente a cultura desses povos.

Considerando a natureza do registro arqueológico e taphonomia, trabalha-se, obrigatoriamente, com marcadores filtrados por processos culturais e naturais, mas que permitem estabelecer fronteiras sociais. Assim, a noção de etnia préhistórica é constituída pelo arqueólogo e obtém consistência a partir do contraste com outros conjuntos de vestígios que lhes são contemporâneos. Percebe-se que houve um esforço coletivo para manter alguns costumes, mesmo em situações não favoráveis para tal. Estes costumes podem então, do ponto de vista arqueológico, ser considerados como marcadores étnicos (GASPAR, 1994/5)

Gaspar (1994/5), considerando a especificidade da informação arqueológica, propõe que a ordenação espacial e ritos funerários sejam domínios chaves para se identificar fronteiras étnicas do sistema sociocultural dos sambaquieiros. Sugere ainda elementos que permitem caracterizar este sistema sociocultural, como a escolha de determinados ambientes, a implantação de sítios em pontos específicos, a distribuição, a construção de determinados espaços físicos e a ordenação deste espaço. Questiona, nos trabalhos sobre sambaquis, o enfoque dado a dieta alimentar, e pergunta se estes vestígios não poderiam fornecer mais resultados.

Tendo em vista o exposto, no texto acima, penso que a alimentação/subsistência também faz parte destes domínios chaves para identificar fronteiras étnicas do sistema sociocultural dos sambaquieiros.

A alimentação, assim como as "religiões/crenças", são mais resistentes a mudanças (é um dos últimos aspectos que mudam em uma cultura). Desta forma a alimentação pode ser colocada como uma questão de identidade social/cultural, pois cada povo, de certa maneira, se identifica através do que comem e como comem (preparam o alimento). Por exemplo: quando pensamos em japoneses, chineses, árabes, italianos, tucanos, cinta larga, wari, entre muito outros, associamos cada cultura a um "tipo" de alimentação, ou seja, como diz Onfray (1999) se os homens são aquilo que comem cada país (povo) pode ser compreendido através de sua comida, ou seja, aspectos culturais também podem ser identificados através da alimentação.

Sendo assim, se mudarmos o enfoque dado, até o momento, com relação a esta questão (alimentação/subsistência) investindo, no estudo da relação entre sítio(s) e ambiente(s), utilizando a alimentação como mais um componente para entender aspectos da identidade sociocultural dos grupos sambaquieiros, poderemos traçar uma estratégia com a finalidade de obter informações que permitam estabelecer comparações regionais e temporais.

A sistematização das informações referentes aos padrões de assentamento, à dieta alimentar/subsistência, aos ritos funerários e a cronologia, fornecerá subsídios para se investigar se os sambaquis brasileiros, encontrados nas regiões norte, nordeste, sul e sudeste compartilham de uma origem comum ou são manifestações independentes. Uma vez que, independente do tipo de ambiente em que foram formados, existem características, como já vimos, que são peculiares a esse tipo de sítio arqueológico (sambaquis), podemos pensar em vestígios de uma mesma cultura, ou seja, de uma cultura sambaquieira.

A bibliografia existente demonstra nitidamente que existem variações regionais e temporais, tornando-se necessário delimitar e caracterizar as diferentes províncias que fazem parte de uma "individualidade coletiva" com características próprias. "Estamos cientes de que as forças naturais deixaram marcas específicas no modo de vida dos sambaquieiros de acordo com especificidades regionais. Mas, consideramos também que a associação, num mesmo espaço de moradia, cemitério e descarte de restos alimentares e industriais é uma característica dos construtores de sambaqui" (Gaspar,1995:62-3).

Penso que a alimentação poderá somar-se aos ritos funerários e a ordenação espacial do(s) sítio(s), que segundo Gaspar, são estruturadores e caracterizadores da identidade social dos sambaquieiros, constituindo-se em mais um elemento que vem contribuir para se avaliar os aspectos ligados a formação de uma "individualidade coletiva" (apesar de variações regionais e temporais).

O reconhecimento de economias mais amplas e diversificadas é importante para a compreensão do papel que a pesca e a coleta de um modo geral, tiveram na evolução humana. Pesquisas etnográfica e arqueológica sugerem que o trabalho de mulheres, de idosos e até de crianças é muito importante, especialmente na coleta de moluscos e de plantas, podendo complementar grande parte a dieta necessária para a sobrevivência e o bem estar do grupo (Roosevelt, 1999)

Diante do exposto, vimos que as práticas associadas à alimentação, obtenção, preparo e consumo de alimento, são aspectos intimamente ligados à sobrevivência, constituindo-se em partes integrantes da identidade social de um grupo/povo. Os processos de escolha de alimento são o resultado de necessidades biológicas, sistemas simbólicos, estrutura social e forças políticoeconômicas, combinadas ou justapostas pelos indivíduos (grupos sociais) através das práticas e condições contextuais do cotidiano (Murrieta 1998).

A presente tese consiste no estudo do Sambaqui do Moa - Saquarema/RJ, com enfoque na questão da alimentação e seus aspectos relacionados ao sistema sociocultural dos grupos que habitaram o referido sambaqui. Com base neste estudo, propomos utilizar a alimentação como mais um componente para compreender aspectos da identidade sociocultural dos grupos sambaquieiros.

Estamos cientes de que este trabalho está apenas iniciando e que um único estudo de caso, isolado no tempo e no espaço pode não ser suficiente para entendermos o sítio em toda a sua complexidade. Entretanto, admitindo admitindo que os sambaquis compõem uma cultura determinada, com um sistema de assentamento e de subsistência ligados a eles, parece-nos possível que, a partir deste estudo de caso e com o desenvolvimento das pesquisas, possamos aprofundar e enriquecer essa idéia.

VIII - CONCLUSÕES

"A lagoa é a lavoura do pescador"

Dizem os pescadores de Maricá, localidade também situada na região dos lagos, que "A lagoa é a lavoura do pescador" (comunicação verbal para a antropóloga Denise Duque Estrada).

Pensamos que este "dito popular" entre os pescadores faz muito sentido pois a lagoa é uma fonte segura onde pode-se encontrar alimentos disponíveis todos os dias do ano, principalmente, quando tem vento sudoeste, não sendo aconselhado ir pescar no mar, ou quando o mar está de ressaca.

Acreditamos que essa fonte segura de alimentos vem desde a pré-história, onde proporcionaram aos pescadores-coletores-caçadores pré-históricos do Sambaqui do Moa uma subsistência especializada e adaptada principalmente à exploração dos recursos faunísticos nos ambientes lagunar e litorâneo.

Nosso dados corroboram os resultados das pesquisas realizadas anteriormente por Kneip no Sambaqui do Moa e nos sambaquis Saquarema e Pontinha, todos na região de Saquarema (Kneip, Crancio et al. 1997). Corroboram também o modelo proposto por Figuti (1994/5), para os sambaquis Cosipa, no estado de São Paulo, sobre as estratégias de subsistência dos grupos sambaquieiros. Tanto os dados de Kenip, quanto os de Figuti, como também os nossos, indicam a predominância das atividades de pesca em relação a coleta de moluscos e a caça.

Os dados sugerem ainda uma dieta variada, onde além dos peixes e dos moluscos, eram consumidos mamíferos, crustáceos, aves, répteis e anfíbios. Os mamíferos de pequeno porte, os crustáceos e as aves vem a seguir aos peixes e moluscos, porém, com pequena representatividade. Ocorrem também animais típicos de florestas como onça, porco-do-mato, veado entre outros, demonstrando que a área de captação de recursos abrangia os diversos ecossistemas existentes na região, seja através da caça, utilizando as pontas, seja através de diferentes técnicas de captura, ou seja, o fato de estarem situados estrategicamente em uma área que possui uma diversidade de ecossistemas ampliava os limites (dessas populações) dos habitantes pré-históricos do S. Moa na exploração dos recursos de flora e fauna.

A primeira ocupação do Moa corresponde à camada II/estrato 3 – datada em 3960 + 200 AP -e que durou até o início da rápida transgressão ocorrida possivelmente entre 3.800 e 3.600 anos AP (Francisco ,1999).

Ainda não está clara a relação do estrato 2, pois, por enquanto, não possuímos datações para este estrato, que tanto poderia estar correlacionado ao estrato 3, correspondendo ao final da ocupação, como ao estrato 1, correspondendo ao reinício/retomada da ocupação. Para este estrato, como já foi colocado, sugerimos uma intensificação da pesca e da exploração de moluscos, com base na maior quantidade dos vestígios faunísticos observados em relação aos outros dois estratos, durante os trabalhos de escavação e triagem. Como este estrato ocorre apenas em 1 parte do sítio e nós trabalhamos com amostras selecionadas, quando utilizamos a frequência absoluta ele aparece em "menor" quantidade, por estar evidentemente menos representado. Esperamos que com a continuidade dos trabalhos de análise possamos resolver esta questão.

Posteriormente, como o nível do mar abaixou mais uma vez, entre 3.600 e 2.800 anos AP, uma nova ocupação ocorreu, que corresponde à camada I/estrato 1 do referido sítio, datada em 3.600 + 190 anos AP. Novo período de elevação do nível do mar, entre 2.800 e 2.500 anos AP obrigou ao abandono da área (Francisco, 1999).

O Sambaqui do Moa, como os outros sambaquis, apresenta-se como um espaço multifuncional, ou seja, utilização do mesmo espaço para as diversas atividades da vida cotidiana, inclusive as práticas funerárias e onde vivos e mortos parecem conviver.

Os enterramentos neste sambaqui apresentam a característica de serem em "tumulos". O acompanhamento predominante é o corante vermelho colocado junto ao corpo. É comum também os seixos, adornos, instrumentos de uso cotidiano e algumas espécies de moluscos. Observamos a predominância de enterramento primário, sendo a posição mais frequente o decúbito ventral.

Finalizando, estamos cientes de que este trabalho está apenas iniciando. Temos consciência também das limitações a ele impostas. Contudo, apesar das limitações próprias de trabalhos que estão no início, foi possível demonstrar a viabilidade de nossa hipótese de trabalho, ainda que em caráter preliminar. Utilizar a alimentação como mais um componente para se compreender aspectos da identidade sociocultural dos grupos sambaquieiros não é apenas uma idéia emocionante, mas plenamente viável e útil. Por isso mesmo, é nosso firme propósito retomar e aprofundar esses estudos através de um futuro projeto de pesquisa direcionado aos sambaquis do Pará, visando assim dar uma contribuição significativa ao conhecimento sobre a pré-história regional relacionada às populações sambaquieiras.

IX - PERSPECTIVAS DE ESTUDOS FUTUROS

Além do término das análises do material proveniente do Sambaqui do Moa, pretendemos, como já dissemos anteriormente, desenvolver a pesquisa nos sambaquis na região do Salgado no litoral do Pará, nosso projeto inicial no começo do doutorado. Esperamos em um futuro próximo dar início a esta pesquisa, pois acreditamos que muito aspectos interessantes virão à tona.

Inicialmente, já temos dois pontos relevantes a serem investigados: o primeiro e o mais empolgante é verificar a contemporaneidade da megafauna com a ocupação de um sambaqui, e o segundo, não menos importante, é com vistas a ampliar o conhecimento sobre a cerâmica da tradição mina que ocorre nos sambaquis do litoral do Pará. Para tanto temos um projeto elaborado o qual apresentamos resumidamente a seguir:

Resumo do PROJETO DE PESQUISA Título:" Sambaquis do Pará: Estratégias de Subsistência".

INTRODUÇAO

O projeto a ser desenvolvido consiste em um estudo comparativo das estratégias de subsistência (enfocando, principalmente, a alimentação) utilizadas pelos grupos pescadores-coletores-caçadores que habitaram os sambaquis litorâneos na zona do Salgado, região compreendida entre a baía de Marajó e a foz do rio Gurupi, no Estado do Pará.

Será enfatizado o estudo zooarqueológico que além de permitir a identificação das principais fontes nutricionais faunísticas desses grupos pré-históricos, contribuirá também para o esclarecimento de questões sobre o ambiente, o processo de adaptação, captação de recursos e estratégias de subsistência trazendo, dessa forma, informações sobre o "modo vivendi" dos grupos pescadores, coletores, caçadores da Amazônia em diferentes tipos de ambientes e fornecendo ainda subsídios para o estudo de sítios costeiros.

Os sambaquis do litoral do Pará segundo datações, obtidas pelas pesquisas anteriores, foram formados entre 5.000 e 2.000 anos AC (Simões, 1981; Corrêa & Machado, 1995). Estas pesquisas indicam ainda uma densa ocupação no litoral, a julgar pelo grande número de sítios encontrados.

As questões que se apresentam, inicialmente, são as seguintes:

  • Qual sistema de subsistência que esta cultura utilizava?

  • Estabelecer eventuais diferenças entre os sambaquis encontrados no litoral e os encontrados no "interior"/sambaquis fluviais.

  • Mudanças através do tempo

  • Rota(s) de migração e difusão desta população

  • Verificar a contemporaneidade da megafauna com a ocupação do sambaqui do Fugido, região do Salgado/PA.

  • Ampliar o conhecimento sobre a cerâmica da Tradição Mina que ocorre nos sambaquis do Pará.

REVISAO BIBLIOGRÁFICA PRELIMINAR

Os sambaquis apresentam sedimento constituído, principalmente, por conchas de moluscos. Apresentam-se, geralmente, sob a forma de colinas de base oval e possuem dimensões variadas, podendo medir em casos excepcionais 30m de altura x 400m de comprimento (como ocorre no estado de Santa Catarina).

Nesses sítios além dos restos alimentares (representados principalmente por conchas de moluscos e ossos de animais), freqüentemente são encontrados sepultamentos, utensílios, adornos, material lítico, corantes, evidências de diferentes estruturas, fogueiras, buracos de estaca, entre outros.

Segundo viajantes/naturalistas dos séculos XVIII e XIX (Hart, Ferreira Penna, Barbosa Rodrigues, Kratz-Koschlau & Huber, e Leonardos) os sambaquis do Pará distribuem-se de maneira geral pelo baixo Amazonas, baixo Xingu, baixo Tocantins, Ilha de Marajó e litoral nordeste do Pará ou Zona do Salgado (Simões, 1981).

Atualmente a maioria dos sambaquis no Pará encontra-se destruída devido à intensa exploração desde a época colonial, e hoje com a finalidade de prover fábricas de fertilizantes, caieiras e também como matéria prima utilizada em construções. Apesar da destruição ainda existem sambaquis que apresentam potencial para serem pesquisados fornecendo assim dados sobre esta cultura.

Pesquisas realizadas por Fernando Marques, em 1990/1993 para sua Dissertação de mestrado, sobre "Engenhos Movidos a Maré" revelaram que estes eram construídos com material proveniente de sambaquis. Dois sambaquis foram localizados, o de Jacarequara e o de Prainha, próximos aos engenhos de São Pedro e Madre de Deus na Ilha de Trambioca/PA. Existe ainda outro reportado, cujo estado de conservação não pode ainda ser avaliado.

Pesquisas anteriores realizadas na região do Salgado:

Em 1968 Mário Ferreira Simões e Conceição Corrêa iniciaram o "Projeto Salgado" com o objetivo de estabelecer uma seqüência de desenvolvimento cultural e temporal no litoral do Pará. O trabalho de pesquisa prosseguiu até 1978 e foram realizadas escavações/prospecções tendo sido localizados 62 sítios arqueológicos. Destes, 43 são sambaquis litorâneos com predominância de bivalves e 3 são sambaquis fluviais de gastrópodes (Simões, 1981).

Os sambaquis do Salgado estão freqüentemente localizados às margens de rios, furos, interiores de baías e ilhas, cercados total ou parcialmente por manguezais e apicuns. Apresentam área geralmente elíptica, estando assentados sobre solo areno-argiloso ou argilo-arenoso. O material encontrado constituiu-se basicamente de cerâmica, conchas, ossos e alguns artefatos (Simões, 1981).

Segundo Corrêa e Machado (1995) existe uma certa homogeneidade na composição dos sambaquis litorâneos do Salgado, tanto no que se refere a conteúdo alimentar (predominância de recursos marinhos), quanto no que se refere a cultura material (principalmente cerâmica).

Nos 2 "sambaquis-testemunhos", Porto da Mina e Ponta de Pedras, foram encontrados 3 enterramentos junto às bases de ambos (1 no Porto da Mina e 2 no Ponta de Pedras). Estes sambaquis, forneceram datações por C14 que vão de 3.165 a 1.540 anos A.C. Fragmentos de cerâmica e amostras de conchas também foram datadas e corroboraram com as datações obtidas anteriormente em carvão. Estas datações situam a fase Mina entre o 6.000 AP e 4000 AP, colocando-a como a fase cerâmica mais antiga do Brasil e entre as mais recuadas da América (Simões, 1981).

JUSTIFICATIVA

Além do estudo das estratégias de subsistência de grupos pré-históricos dos sambaquis litorâneos do Estado do Pará, a escolha do tema visa contribuir com o "programa mínimo para análise de restos alimentares (em sítios de Pescadores, Coletores e Caçadores)", estudo que está sendo desenvolvido por um grupo de pesquisadores de várias instituições brasileiras com o objetivo de padronizar o estudo dos restos alimentares estabelecendo uma estratégia mínima de coleta de material que permita a comparação dos dados provenientes de sítios pesquisados em diferentes regiões. Também colaborar com o Programa ECOLAB (Laboratório de Estudos de Sistemas Costeiros), que aborda a questão homem/ambiente desde a pré-história até os dias de hoje, fornecendo informações acerca dos estudos realizados em sítios arqueológicos existentes na área de atuação do Programa.

Aproveitando a existência de coleções de material faunístico provenientes dos sítios localizados na região do Salgado, e que pertencem ao acervo da Divisão de Arqueologia do Museu Paraense Emílio Goeldi, juntamente com o material que será coletado nas pesquisas de campo, poderemos identificar não só os itens que compunham parte da dieta dos grupos sambaquieiros, como também eventualmente estabelecer as proporções e conhecer as diversas modalidades de exploração dos diferentes tipos de ambientes por estes grupos e suas estratégias de subsistência/ captação de recursos, além de fornecerem subsídios/dados que irão acrescentar novas perspectivas no estabelecimento de vias de migração e difusão dos grupos que povoaram o litoral brasileiro em épocas pré-históricas.

Este trabalho poderá contribuir também com dados referentes aos paleoambientes tais como: transgressões e regressões marinhas (nível do mar na época da ocupação dos sítios), salinidade, etc. Estudos paleoecológicos são de grande importância contribuindo na caracterização e reconstituição do ambiente préhistórico. Dados referentes aos paleoambientes ajudam no esclarecimento e entendimento das mudanças climáticas, botânicas, faunísticas entre outros e consequentemente também nos levará a um melhor conhecimento sobre a história do nosso passado.

OBJETIVOS

Com base na análise do material faunístico proveniente desses sítios arqueológicos (sambaquis do Pará) os estudos serão direcionados, inicialmente, para os seguintes aspectos:

a) Definição dos diferentes ambientes e sítios neles localizados;

b) Identificação dos itens alimentares componentes da dieta dos grupos nos diferentes sítios;

c) Técnicas de captação de recursos dos grupos nos diferentes tipos de ambientes;

d) Identificação de sistemas de subsistência para cada ambiente

e) Evidenciação de possíveis mudanças na dieta alimentar ao longo do tempo, tomando como base a variação dos itens alimentares em cada sítio.

f) Verificar a possibilidade da existência de diferentes períodos de ocupação para cada sítio (sazonalidade ou não).

g) Verificar a contemporaneidade da ocupação do Sambaqui do Fugido (PA-AS-59) com os ossos de megafauna encontrados neste sítio.

h) Ampliar o conhecimento sobre a cerâmica da Tradição Mina que ocorre nos sambaquis do Pará.

MATERIAIS E MÉTODOS

A zona do Salgado situada no litoral nordeste do Pará, entre meridianos de 46º a 48ºW e paralelos de 0º30" a 1ºS, é uma área banhada por águas salgadas ou salobras. O litoral apresenta-se extremamente recortado devido ao alargamento das embocaduras dos rios e pela presença de inúmeras ilhas separadas do continente por estreitos canais ou furos. Este litoral constitui-se em uma costa de rias com os estuários dos principais rios formando baías como as de Maracanã, Pirabas, Japerica, Quatipuru, Caeteté e Gurupi.

A área litorânea é bastante diversificada em termos ecológicos apresentando ambientes de mangues, praias, campos e matas. Como conseqüências desta diversidade de ambientes a disponibilidade de recursos naturais para a subsistência é muito variada.

Pesquisa de campo:

  • Coleta de mais informações sobre a existência de sítios na região (bibliografia e informações da população local).

  • Prospecção objetivando reconhecimento da área estudada e determinação de uma área de concentração de sítios para realização de estudos mais aprofundados e escolha de sítios para serem escavados (prioritariamente). Será levado em conta, primeiramente, o estado de conservação de cada sítio, uma vez que muitos deles apresentam-se totalmente destruídos e também a sua localização (facilidade de acesso).

  • localização dos sítios encontrados em mapas planimétricos, por GPS, e em fotos aéreas

  • preenchimento de fichas descritiva de cadastro de sítios a fim de obter uma padronização das informações disponíveis a cerca de cada sítio e criar um banco de dados com a finalidade de cruzar essas informações.

  • cobertura fotográfica (PB e Cores) dos sítios e da área.

  • levantamento topográfico dos sítios a serem escavados

  • escavação dos sítios selecionados. Em virtude do grande número de sítios disponíveis na área, os critérios utilizados para seleção dos sítios a serem escavados terão como fator decisivo o estado de preservação dos mesmos. A atitude do proprietário em relação a pesquisa também influenciará na escolha. Considerando ainda dificuldades financeiras para se efetuar pesquisa arqueológica, principalmente na Amazônia, a operacionalização do trabalho de campo é outro fator limitante, então serão levados em conta também facilidade de acesso ao sítio e recursos financeiros e apoio logísticos disponíveis.

Trabalho de laboratório:

  • elaboração de mapas de localização dos sítios cadastrados

  • revisão bibliográfica (bibliotecas do MPEG/PA, UFPa /PA, USP/SP, MN/RJ)

  • Estudo zooarqueológico/Análise faunística:

  • Organização de uma Coleção referência com espécimens da região para auxiliar na identificação taxonômica do material. Este material constitui-se de peças anatômicas mais resistentes e características de determinada espécie e podem ser provenientes da fauna atual ou coletados nos sítios arqueológicos estudados)

  • Limpeza e triagem do material faunístico coletado.

  • Modificações nos vestígios faunísticos. Exame do material para detectar alterações tais como: evidenciação de marcas de uso, manufatura de artefatos, queima, marcas feitas por animais ou pelo homem, entre outras.

  • Identificação do material faunístico: separação do material por grupos zoológicos e por peças anatômicas. O trabalho de identificação taxonômica do material zooarqueológico será feito através de comparação anatomomorfológica (Brian & Wapnish, 1985, Davis, 1987) com coleções osteológicas de referência, bibliografia especializada e contará também com a colaboração de pesquisadores (zoólogos) nas áreas específicas.

  • Quantificação do material zooarqueológico. Inicialmente serão utilizadas duas técnicas: NF (número de fragmentos), que fornece uma idéia da conservação do material proveniente do sítio (referência bibliog.); MNI (cálculo do número mínimo de indivíduos). O material será pesado e se possível será feito também o calculo de porte/biomassa.

  • Criação de um banco de dados para facilitar a verificação de possíveis correlações entre os elementos característicos de cada espécime identificado taxonomicamente, bem como a articulação desses dados.

  • Interpretação dos dados obtidos

BIBLIOGRAFIA:

ANDRADE LIMA, Tânia 1989. "Zooarqueologia: Considerações Teórico- Metodológicas.

_____________ 1991. "Dos Mariscos aos Peixes: um estudo zooarqueológico de mudança de subsistência na pré-história do Rio de Janeiro" Tese de doutorado. USP/FFLCH. São Paulo.

BRIAN, Hesse & WASPNISH, Paula. 1985. "Animal Bone - Archaeology from objetives to analyses".

CORRÊA, Conceição G. & MACHADO, Ana L. 1995 "Ocupação de grupos préhistóricos em ambientes de mangue do litoral do Pará" Pp 59-61. In: Livro de Resumos Expandidos do II Workshop ECOLAB. Belém/PA.

DAVIS, Simon J. M. 1987. "The Archaeology of Animals".Yale Univ. Press. 224p.

FIGUTI, Levy 1993. "Ecossistemas Costeiros e Homens Pré-Históricos"

_____________ 1992. "Les sambaquis Cosipa (4200 à 1200 ans BP): étude de la subsistence chez le peuples pré-historique de pecheurs-ramasseurs de bivalves de la côte centrale de l"état de São Paulo, Brésil". Tese de doutorado, Museu Nacional de História Natural, Paris, França. 212pp.

Partes: 1, 2, 3, 4


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