Histórias e geografias curtas numa fábula desconexa sobre andar em círculos e a saída por uma longa estrada

Enviado por Nelson Rego


  1. Quando comportamentos parecidos são completamente outros
  2. Estavam por perto, à espera de quem se propusesse a aceitá-los
  3. Desejaria ligados os trajetos interrompidos

A educação é sempre antropogênese. Se, por exemplo, ela serve para inocular em milhões de pessoas das classes populares a idéia de que foi cada uma delas que fracassou na escola – e não a escola que as excluiu (, isso contribui de maneira decisiva para a gênese de um determinado tipo de humano. Pensar sobre os modos possíveis da antropogênese é desafio colocado no centro da educação.

A distribuição de recursos por políticas públicas é o demonstrativo das prioridades estabelecidas. Se, por exemplo, a meta de dedicar para a educação 7%, ou algo não muito abaixo disso, de orçamentos federais, estaduais e municipais é sempre postergada em nome de outras prioridades – tais como transferir recursos públicos para a iniciativa privada, onde se incluem bancos que obtém em terras brasileiras as maiores taxas de lucro do mundo –, isso é revelador da antropogênese subjacente vinculada a essas prioridades.

Pensar sobre antropogêneses possíveis relacionadas à educação é complexidade que ultrapassa a dimensão do indivíduo que a isso se proponha. Mas pensar partes dessa complexidade é objetivo colocado para quem responda ao desafio.

O debate de práticas e de idéias forma como que uma assembléia permanente – assembléia porque estão presentes o avaliativo e o deliberativo. Este trabalho assemelha-se a uma proposição apresentada em assembléia. Proposições costumam ser apresentadas de maneira sintética. São seguidas de justificativas, às vezes, longas. A proposição apresentada por este trabalho é a de que, entre as metas para a escola pública, seja buscada a instituição, do professor-pesquisador, com a substituição de significativa porcentagem das horas trabalhadas em sala de aula por horas remuneradas dedicadas à pesquisa relacionada à própria prática docente, contributiva para o contexto escolar. A justificativa, sinuosa e fracionada, difusa em relação à especificidade da proposição, é a que segue.

Quando comportamentos parecidos são completamente outros

Desigualdade é referente à tremenda distância entre as condições oferecidas pelas ambiências que, desde fora, marcam por dentro as mentes e as vidas de Alfa e Beta.

Talvez seja nos Jardins, em São Paulo, talvez seja na Bela Vista, em Porto Alegre, ou em bairro elegante similar em alguma das principais cidades brasileiras, que se localiza o apartamento de quatro suítes e quinhentos metros quadrados, andar elevado, onde Alfa reside. Ela faz idas e vindas diárias no microônibus escolar, com TV de duzentos canais a bordo, poltronas reclináveis e acolchoadas. Poltronas sobre as quais nem sempre Alfa permanece sentada, pois a animação de discutir e decidir com os colegas questões vibrantes, tais como se o passeio de final de ano será nos Estados Unidos ou na Europa, fará ela e os outros darem pulos pelo corredor, e mesmo sobre as poltronas, sem se importarem que os fortes solados de seus tênis, que custam três vezes mais do que o valor de um salário mínimo, possam rasgar o acolchoado dos assentos. Auxilia a que eles tenham pouca consideração pelo prejuízo que causam o fato de possuírem uma certa noção de que esse custo já está incluído no valor das mensalidades que suas famílias pagam à escola.

A decisão da turma de levar o passeio de final de ano para os Estados Unidos motiva Alfa a prestar mais atenção nas aulas de inglês, tanto as da escola quanto aquelas fora da escola, freqüentadas duas vezes por semana num curso específico para o ensino de idiomas. Alfa se sente aborrecida com tanta aula – escola, curso de inglês, balé –, considera que tudo isso é só para satisfazer a caprichos de seus pais. Mas a viagem marcada com a turma deixa as lições atrativas, ao menos as de inglês, de uma hora para outra.

Na escola, nas aulas de cada disciplina, Alfa não se preocupa em prestar atenção nas exposições temáticas feitas com equipamentos multimídias, nem em permanecer em silêncio. Nem seus colegas se preocupam com isso, pois continuam conversando mesmo que o professor peça silêncio. Reprovada, Alfa com certeza não será, em consideração às elevadas mensalidades que seus pais pagam à direção da escola, que determina aos professores que não desagradem aos clientes.

Beta também conversa sem parar na sala de aula. Sempre muitíssimos mais interessantes do que as exposições feitas pelos professores, ou do que as tarefas que eles mandam fazer, são os assuntos a falar e a escutar junto aos colegas. Inúteis lições não podem competir com o interesse de saber sobre quem anda ficando com quem, ou onde é possível comprar, por preço acessível, uma calça de cintura baixa que imita bem uma de marca famosa.

As lições são inúteis porque quem conclui o ensino fundamental não parece saber mais do que o colega que largou a escola pela metade. E não apenas por isso. São inúteis as lições porque depois do fundamental vem o ensino médio, que só parece servir como passagem para tentar entrar para um curso universitário. Mas o tal curso universitário, se for em instituição privada, é caro demais, impossível de pagar. Se não for tão caro, ninguém acredita que seja bom e, se ninguém acredita, os formandos desses cursos não arrumam emprego, ou arrumam só emprego que não vale à pena.


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