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Simulação de transformação nas paisagens de mineração de ferro a céu aberto – Metodologia de análise (página 2)

Ana Clara Mourão Moura

A classificação das áreas segundo o valor para o conjunto cênico está relacionada ao sentido de "genius loci", que significa o "espírito do lugar", pois os espaços mais dotados da essência do que representa um ambiente são os importantes para uma comunidade. O termo "genius loci" foi proposto por NorbergSchulz (1975) para denominar o caráter especial de um espaço, baseado em elementos naturais, expressões culturais e interação cultura e meioambiente.

A identificação de características e lugares simbólicos do espaço dos ambientes naturais e construídos iniciouse na década de 60, com os estudos de comportamento ambiental. Desta época, merece destaque o trabalho de Lynch (1960), "The image of the city", no qual são apresentados os conceitos de legibilidade, identidade e unicidade, que são características que fazem do espaço um lugar especial, dotado de caráter próprio. Naquela época foi construído o conceito, mas não existiam técnicas para apoiar a representação e a análise da paisagem.

Diante do reconhecimento do valor da paisagem, a metodologia aqui apresentada parte da escolha de pontos de visada em campo que traduzam a síntese do ambiente, ou seja: se fosse necessário escolher pontos para representarem a visão de uma paisagem, quais seriam eles? Quais seriam capazes de retratar em síntese o genius loci, a identidade e unicidade de uma paisagem?

3. Metodologia de interpretação da paisagem por eixos visuais e navegação virtual

O objetivo da análise é a construção de mapa que classifique os diferentes segmentos de uma paisagem segundo o grau de visibilidade. Através da classificação, é possível responder às questões: De uma localidade no espaço, o que é visto? De onde é vista uma localidade no espaço?

No estudo de caso da Mina de Capão Xavier, foram identificados os pontos do território de onde a intervenção seria mais visível, neste caso contando com sugestões de técnicos e de conhecedores da área. Uma vez identificados os pontos de visada, foram gerados mapas com as manchas das superfícies visíveis, pois estas respostas dariam subsídios para escolhas, por exemplo, de localizações de cortinas de vegetação e posicionamento de outros elementos amenizadores do impacto visual.

Foi gerado modelo digital de elevação da região de estudo, assim como das minas nas diferentes etapas de lavra. Em seguida, nos pontos de visada escolhidos, foram fixadas as alturas do observador, colocado a 1.70 m acima do piso. A partir deles foram traçados perfis topográficos a cada 6 graus a partir do ponto de visada, conforme demonstrado na Figura 1.

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Figura 1. Visão em 3D destaque de alguns perfis traçados a partir de um ponto de visada.

Traçados os perfis, foram definidos os pontos de interseção entre plano visual zenital do observador e linha de perfil, definindo as áreas de "sombra" (não visíveis), conforme exemplificado na Figura 2. Em cada interseção é marcado o ponto de início e o ponto de final da sombra. Na seqüência, são ligados todos os pontos de início de sombra e todos os pontos de final de sombra, e o resultado são superfícies (shapes) definidoras de manchas de áreas visíveis a partir da posição do observador, conforme retratado na Figura 3.

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Figura 2. A partir do olhar do observador, definição das interseções.

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Figura 3. Ligação dos pontos e destaque das áreas visíveis e nãovisíveis.

O processo de ligação de pontos é feito tendo como material de conferência o desenho em 3D. A conferência final é obtida por colocação da mancha em 3D, encaixada no modelo digital de elevação, quando se verifica se ela realmente corresponde à realidade visível do ponto escolhido, o que pode ser observado na Figura 4.

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Figura 4. Encaixe da mancha de visibilidade no modelo 3D.

A soma dos vários mapas de visibilidade, gerados por diferentes pontos de observação, produz o Mapa Síntese de Eixos Visuais, indica o grau de visibilidade de cada segmento do espaço analisado. Quando o trabalho é feito a partir de modelos topográficos, ele corre o risco de ignorar elementos construídos da paisagem, como os grandes edifícios e monumentos. Contudo, hoje este problema é resolvido com a aplicação de produtos obtidos por captura laser do ambiente, que resultam na geração de modelos digitais de elevação e não somente modelos digitais topográficos.

4. Metodologia de simulação de intervenção na paisagem

O objetivo é realizar a inserção de uma transformação na paisagem com a aplicação de uma metodologia baseada em critérios reproduzíveis, ou seja: que se possa afirmar com segurança, diante de estudos preditivos, qual será o resultado de uma intervenção no ambiente. Tem como objetivos responder às questões: Como mensurar o valor da paisagem? Como prever as conseqüências de uma intervenção no conjunto paisagístico? Como ter critérios reproduzíveis para analisar a paisagem?

Segundo Moura (2003), a simulação das intervenções na paisagem permite que órgãos de controle ambiental ou institutos de proteção ao patrimônio histórico julguem com mais segurança novos projetos. O procedimento facilita, sobretudo, o diálogo entre os diferentes segmentos da sociedade, entre os quais estão os técnicos, os administradores e os moradores de uma região. Em desenhos de plantas, cortes, ou mesmo perspectivas isoladas da paisagem, é muito difícil perceber o real impacto da intervenção no conjunto paisagístico; mas pela simulação do encaixe do volume no conjunto, é possível julgar sua adequabilidade.

O estudo de caso da Mina do Pico, em Itabirito, aplicou a metodologia com o objetivo de simular as possibilidades de recuperação da cava próxima ao pico. O estudo cuidadoso justificase, sobretudo, porque o pico é tombado, além de ser forte referencial da paisagem mineira. Na Figura 5a observase o pico e a área da cava a ser recuperada, e na Figura 5b a visão aérea no Pico, com destaque para o limite de tombamento.

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Figura 5. a) Vista do Pico a partir da imagem Ikonos, 2005; b) Vista do limite de tombamento do Pico do Itabirito (Fonte: Rosière et all, 2005).

A primeira etapa de trabalho foi composta pela modelagem digital de elevação da área a partir de curvas de nível geradas pela captura laser, o que resultou em representação de alta resolução da paisagem da área. Em seguida, foram estudados os modelos de representação da área segundo vários pontos de visada, objetivando o reconhecimento de sua constituição topográfica e paisagística. Estes estudos serviram, também, como apoio para a definição dos estudos de recuperação da cava. Na Figura 6 pode ser observado o conjunto representado por modelo digital topográfico, assim como a simulação de uma cota de preenchimento da cava.

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Figura 6.Modelagem digital da área e estudos de preenchimento da cava

Como o objetivo da simulação é estudar as possibilidades de transformação de uma paisagem, constitui etapa fundamental a busca de representações da área anteriores à atividade mineradora. Foram então obtidas duas imagens: um desenho de F.J. Stephan (1840), Litografia de A Brandmeyer, (In Martius, 1906) e uma fotografia do acervo do IEPHA. Foram então realizados trabalhos de campo com o objetivo de identificar a posição de onde estas imagens foram registradas, chegando à conclusão de que os pontos de visada eram os nomeados como P2 e P3 no conjunto, conforme pode ser observado na Figura 7.

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Figura 7. Desenho visto de P3, por F.J. Stephan (1840), In.: Martius (1906); Foto do acervo IEPHA (http://www.iepha.mg.gov.br/itabirito.htm) vista de P2; planta topográfica da área, em coordenadas UTM, com localização dos pontos de visada retratados.

Uma vez identificadas as posições das imagens na paisagem, foram conferidas as posições de representação e estudados os contatos entre a encosta existente e o pico, e a encosta minerada e o pico, conforme pode ser observado na Figura 7 e na Figura 8, tanto para a localização P2 como para a localização P3.

Na seqüência, uma vez reconhecidas as posições, foram estudadas, no modelo digital de elevação, as exatas posições x/y/z de onde estavam os observadores, tanto na produção do desenho e da foto, como das fotografias recentes da cava. O objetivo era colocar o modelo em condições de se iniciar as simulações de intervenção na paisagem e já aplicálas em uma visão que permitisse o acompanhamento das propostas de transformação. Assim, na Figura 9 observase o encaixe do modelo na fotografia da realidade em P2, sendo que o mesmo procedimento foi feito para P3.

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Figura 7. Ponto 2 – encaixe do desenho na posição, inicialmente visto em transparência e depois no estudo do contato da encosta com o pico.

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Figura 8.Ponto 3 – encaixe do desenho na posição, inicialmente visto em transparência e depois no estudo do contato da encosta com o pico.

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Figura 9.Ponto 2 encaixe do MDE na posição exata da fotografia (observador em x/y/z medidos) e MDE preparado para os estudos de simulação.

Nesta etapa, foram iniciados estudos de recomposição da cava e da encosta, simulando diferentes possibilidades de transformação da topografia. Foram estudas diferentes cotas de preenchimento da cava, assim como diferentes ações na encosta visando a recuperação da superfície, ambos seguidos de simulações dos resultados na paisagem.

Do ponto de vista da modelagem, houve uma preocupação especial na composição das texturas de representação de superfícies, de modo a garantir um tratamento gráfico o mais real possível. O conceito empregado foi o de modelagem fractal dos componentes da textura, tanto na escolha de grãos como de cores, com o apoio do aplicativo Bryce. Na Figura 10a e Figura 10b, por exemplo, notase a modelagem fractal na composição de textura da encosta, mas há repetição de padrões na composição de textura da cobertura vegetal de um trecho.

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Como resultados, foram propostos dois cenários possíveis para recuperação da cava, sem prejuízo para outras idéias que possam ainda surgir e que terão condições de serem também simuladas na paisagem. Na Figura 11 está o exemplo no P3 com a situação hoje, na Figura 12 é representada a simulação de recuperação da área por preenchimento da cava e revegetação da encosta, e na Figura 13 está simulada a recuperação por preenchimento da cava, recomposição da encosta e revegetação do conjunto.

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Figura 11.Visualização do Ponto 3 na situação atual.

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Figura 12. Visualização do Ponto 3 com a simulação de recuperação da área por preenchimento da cava e revegetação da encosta.

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Figura 13.Visualização do Ponto 3 com a simulação de recuperação por preenchimento da cava, recomposição da encosta e revegetação do conjunto.

5. Conclusões

As aplicabilidades da metodologia aqui apresentada são muitas, desde os estudos ambientais, até os estudos urbanos e o emprego em geomarketing. Já foram produzidas experiências em áreas urbanas, sobretudo no núcleo histórico de Ouro Preto, e em áreas de mineração, nos exemplos aqui mencionados. Destacamse alguns pontos relevantes nos procedimentos adotados: inicialmente, são procedimentos com critérios reproduzíveis, que dão veracidade nas simulações construídas.

Do ponto de vista do apelo da comunicação, as representações basearamse em processo fotográfico ou de estudo das texturas de tratamento gráfico da informação, objetivando que as imagens se assemelhassem à realidade, evitando ruídos de comunicação entre técnicos e outros grupos de usuários.

Relacionado ao mesmo objetivo de comunicabilidade da informação, optouse pela visão perspectiva de representação da realidade pela altura e olhar de um observador, em eixo azimutal e não zenital. Isto porque não são todos os usuários que conseguem fazer a conexão entre representação cartográfica vista de topo (zenital) e realidade observada (azimutal).

A técnica empregou recursos de cartografia digital 3D e modelagem de elevação, explorou a composição fractal de texturas, e promoveu ainda a montagem de uma navegação virtual na área de estudo, que pode ser conhecida em apresentações públicas do trabalho. Os produtos elaborados são bases para decisões de projetos e avaliação dos possíveis caminhos nas transformações de uma paisagem.

6. Referências

Artigo:

Rosière, C.A.; Renger, F.E.; Piuzana, D.; Spier, C.A. 2005. Pico de Itabira, Minas Gerais – Marco estrutural, histórico e geográfico do Quadrilátero Ferrífero. In.: Winge, M. Schobbenhaus,C.; BerbertBorn, M; Queiroz,E.T.; Campos, D.A.; Souza, C.R.G.; Fernandes, A.C.S., (Edit.). Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. DNPM/CPRM Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP) Brasília. Publicado na internet em 21/06/2005 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio042/sitio042.pdf.

Livro:

Lynch, K. The image of the city. Massachusetts: M.I.T. Press, 1961. 202 p.

Martius, C.F.P. 1906. The journey of von Martius Flora Brasilienses, Vol. I. Editora Index, 1966.

Moura, A.C.M. Geoprocessamento na gestão e planejamento urbano. Belo Horizonte, Ed. da autora, 2003. 294 p.

NorbergSchulz, C. Genius loci. Barcelona: H. Blume, 1975. 213 p.

Referências de Internet:

IEPHA (http://www.iepha.mg.gov.br/itabirito.htm)

Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis, Brasil, 21-26 abril 2007, INPE, p. 4073-4080.

 

 

Autores:

Ana Clara Mourão Moura

anaclara[arroba]ufmg.br

Universidade Federal de Minas Gerais - Depto Cartografia - Av. Antônio Carlos 6627, Belo Horizonte, MG, cep 31270-901

Leandro Quadros Amorim

lqa[arroba]mbr.com.br

Minerações Brasileiras Reunidas – CAEMI - Av. Ligação 3500, Nova Lima – MG, cep 34000-000



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