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Deficiência visual e prática esportiva em estudantes de medicina e de educação física (página 2)

Lucyr J. Antunes

Nos três grupos haviam pessoas com mais de uma deficiência visual.

Na população jovem não houve divisão dos distúrbios visuais por tipo de doença.

* Diferente dos resultados correspondentes à mesma deficiência ou ao total no(s) outro(s) grupo(s) (p < 0,05).

Alguns estudantes de dois grupos exerciam mais de uma atividade esportiva.

* Diferença do mesmo parâmetro entre os dois grupos (p < 0,05).

x Diferença entre as práticas esportivas aeróbicas e anaeróbicas (p < 0,05).

+ Diferença entre estudantes com e sem deficiência visual (p < 0,05).

CASUÍSTICA E MÉTODO

Foram investigados, por meio de questionários escritos, 825 estudantes seguidos do sexto ano da Faculdade de Medicina da UFMG. Suas idades variaram entre 22 e 51 anos, com média de 24,6 ± 6,7 anos. Quanto ao sexo, foram 446 (54,1%) homens e 379 (45,9%) mulheres.

Os parâmetros avaliados foram a presença de deficiência visual e a prática regular de esportes. Ainda com relação à atividade física, verificou-se o tipo de esporte praticado, que foi classificado em aeróbico ou anaeróbico, e a dominância da lateralidade cerebral, destra ou sinistra.

Para conhecer a prevalência de deficiência visual e a dominância da lateralidade cerebral na mesma faixa etária da população de Belo Horizonte foram investigados candidatos à obtenção de carteira de habilitação para dirigir veículos automotivos, no setor de exames oftalmológicos do Instituto Mineiro de Psicotécnica do Departamento de Trânsito de Minas Gerais. Não foram especificados os distúrbios visuais nesse grupo de pessoas, pois o exame realizado por oftalmologistas detecta apenas se existe deficiência visual. Foram estudadas aleatoriamente 300 pessoas com as idades variando entre 21 e 25 (22,5 ± 1,4) anos, 197 (65,7%) homens e 103 (34,3%) mulheres.

Compararam-se ainda os resultados obtidos dos estudantes de Medicina com a deficiência visual e a prática de esportes em período extracurricular de 119 estudantes seguidos do terceiro ano da Faculdade de Educação Física da UFMG. Foram 51 (42,9%) homens e 68 (57,1%) mulheres, com as idades variando entre 21 e 33 anos (22,6 ± 2,9) anos.

As comparações entre os parâmetros pesquisados nos estudantes de Medicina, nos da Faculdade de Educação Física e no Departamento de Trânsito foram analisados pelos testes quiquadrado e análise de variância. As diferenças foram consideradas significativas quando ultrapassaram os valores correspondentes a p < 0,05.

RESULTADOS

Percebe-se pelos resultados da Tabela 1 que a deficiência visual foi mais prevalente nos estudantes de Medicina do que naqueles da Educação Física, que, por sua vez, tinham visão menos perfeita do que a população geral. Conforme o esperado na faixa etária estudada, a miopia predominou, seguida pelo astigmatismo, sem diferença entre ambos.

A pouca prática esportiva entre os estudantes de Medicina é ressaltada na Tabela 2, na qual é apontada que apenas um terço dos estudantes exercem algum tipo de exercício físico. Mesmo assim, a maior parte deles por menos de uma hora por dia e, em média, apenas três vezes por semana. Essa constatação se torna mais relevante ao ser comparada com os mais de dois terços dos alunos de Educação Física que, fora das exigências curriculares, praticam mais de uma hora de atividade física, em média, também três vezes por semana. De acordo com o previsto pela faixa etária, em ambos os grupos de estudantes predominaram exercícios aeróbicos.

Apesar de maior porcentagem de homens aderirem ao esporte, tanto na Medicina quanto na Educação Física, a diferença em relação às mulheres não foi significativa. A deficiência visual parece ter sido um fator determinante para a menor atividade física entre os estudantes de Medicina, enquanto essa relação não foi evidente entre os alunos da Educação Física (Tabela 2).

Por ser de conhecimento geral que os canhotos são mais ligados ao esporte do que os destros, tentou-se estabelecer correlação entre a lateralidade cerebral e a deficiência visual ou prática esportiva. Contudo, o pequeno número de estudantes com predomínio esquerdo, que não diferiu da população geral (Tabela 3), foi insuficiente para mostrar alguma particularidade ligada à lateralidade cerebral.

A dominância direita foi maior em ambos os grupos (p < 0,0001).

Não houve diferença entre os dois grupos.

DISCUSSÃO

Os questionários desta pesquisa foram distribuídos por escrito a todos os estudantes do sexto ano de Medicina e as respostas foram voluntárias(5). Pela característica da presente casuística se percebe que a amostra deste trabalho é representativa dos estudantes da Faculdade de Medicina da UFMG. Na Faculdade de Educação Física os questionários também foram distribuídos a todos os alunos da classe e as respostas foram voluntárias. Já no Departamento de Trânsito as informações foram obtidas com base em exames médicos realizados por oftalmologistas dessa instituição.

A quase totalidade dos estudantes, tanto da Medicina quanto da Educação Física, com visão imperfeita relatou que já apresentava esse problema antes de entrar para o curso universitário, mesmo que o uso de óculos tivesse sido mais recente. Vale ressaltar que a deficiência visual foi muito mais freqüente entre os universitários do que na população geral, pois quase metade dos estudantes da Educação Física e a maior parte dos alunos de Medicina, sem diferença entre os sexos, são deficientes visuais precocemente. Cabe a dúvida sobre o papel da leitura, do uso excessivo de computadores e de maior esforço ocular sem orientação adequada dos pais e professores durante a infância e adolescência, nessa afecção dos que chegam à universidade(1-3). Uma pesquisa cuidadosa sobre esse assunto poderia trazer informações importantes a uma eventual campanha publicitária para prevenir o sofrimento visual precoce, com as conseqüentes repercussões econômicas e sociais.

Com relação à prática de esportes, especificamente entre os estudantes de Medicina, parece que ela tem uma importância menor, ao se observar que a tendência estudantil para uma vida sedentária. Não se pode atribuir apenas a problemas de visão o afastamento dos exercícios físicos, pois essa limitação não foi empecilho para os estudantes de Educação Física optarem por essa faculdade e de praticarem esportes fora das obrigações curriculares. Há também de se ressaltar que muitos grandes atletas em todas as modalidades esportivas são deficientes visuais, sem que esse fato impeça o seu sucesso. A maioria das atividades físicas não é limitada por visão insuficiente de menor intensidade, como a apresentada pela maior parte dos estudantes.

É possível que outros fatores, principalmente de ordem psicológica, comportamental e social estejam envolvidos na aversão dos estudantes no que diz respeito à prática de esportes. Não é pertinente considerar que o curso de Medicina sobrecarregue os seus alunos com trabalhos curriculares e reduza o tempo para a atividade esportiva, pois todos os estudantes têm uma considerável vida social extracurricular e apenas um terço deles optam por incluir os exercícios físicos no tempo de lazer(2-4). Por outro lado, não existe na Faculdade de Medicina uma orientação para o esporte por parte dos dirigentes e corpo docente, situação adversa essa que talvez também ocorra no ambiente familiar e de convivência social desses estudantes.

Até recentemente, o esporte era praticado muito mais por homens, mas com a evolução intelectual e cultural da sociedade, a igualdade entre os sexos também repercutiu na prática esportiva. Esse fato foi observado na presente pesquisa na qual as tendências para a atividade física não diferiram entre homens e mulheres.

Os resultados deste estudo levantam um alerta para os médicos, que provavelmente praticam menos esportes do que os demais membros da sociedade desde a época estudantil, quando a energia física é maior(9). Essa condição na classe profissional que mais conhece os benefícios do esporte e as conseqüências das múltiplas doenças que advêm da falta de atividade física bem orientada, incluindo a redução da sobrevida, é grave. O desinteresse da maioria dos médicos em nosso meio pelo esporte para si e para bem nortear seus pacientes pioram ainda mais essa situação, sem perspectiva de mudanças em curto prazo(9).

É papel dos órgãos de agremiação médica e estudantil atentar para a falta de atividade física de seus membros, que é pior no Brasil do que nos países desenvolvidos. Essas associações poderiam organizar campanhas de educação esportiva para os seus membros. A inclusão de eventos esportivos, dentro de limites seguros, em congressos médico-científicos traz alegria, contribui para harmonizar os médicos e é saudável, além de ser um estímulo inicial para quem não pratica esportes.

CONCLUSÕES

Os resultados desta pesquisa indicam que há fatores familiares, sociais e educacionais adversos que contribuem para maior deficiência visual dos universitários. A identificação e a correção dessas causas poderão prevenir o sofrimento desnecessário de muitos jovens e reduzir os custos sociais dessa imperfeição. Por outro lado, os estudantes de Medicina tendem a uma vida sedentária, que poderá ser permanente, com repercussões prejudiciais para a sua saúde, a dos próprios familiares e a de seus pacientes, à medida que o médico se torna referência de conduta.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao professor Luiz Oswaldo Rodrigues, pelo auxílio com as entrevistas na Faculdade de Educação Física, e ao Instituto Mineiro de Psicotécnica do Departamento de Trânsito de Minas Gerais, pelas informações sobre deficiência visual e lateralidade cerebral da população examinada.

Bibliografia

1. Petroianu A. A pesquisa em Medicina. Medicina 1992; 25: 327-329.

2. Petroianu A. Relação entre a escolha da especialidade médica e a preferência por matérias do curso secundário. J Bras Med 1993; 65: 161-166.

3. Pereira WJF, Petroianu A. Interesse de estudantes de Medicina por pesquisa científica. Rev Bras Educ Méd 2000; 24: 9 - 13.

4. Pereira WJF, Petroianu A, Brito AO, Oliveira CHC, Silva FAFR, Canela GGC, Gontijo GHS. Avaliação do uso de drogas por estudantes de Medicina. Rev Med Minas Gerais 2000; 10: 8-12.

5. Petroianu A. Ética Moral e Deontologia Médicas. 2000; Ed Guanabara Koogan SA, Rio de Janeiro.

6. Moses J, Steptoe A, Mthews A, Edwards S. The effects of exercise training on mental well-being in the normal population. J Psychosom Res 1999; 33: 47-61.

7. Zervas Y, Danis A, Klissouras V. Influence of physical exertion on mental performance with reference to training. Percept Motor Skills 1991; 72: 1215-1221.

8. Christensen H, Mackinnon A. The association between mental social and physical activity and cognitive performance in young and old subjects. Age Ageing 1993; 22: 175-182.

9. Vieira MI, Petroianu A. Distribuição dos médicos no Estado de Minas Gerais. An Acad Med 1996; 156: 38-41.

AndyPetroianu; Bruno Mello Rodrigues dos Santos; Roberto Martins Gonçalves
petroian[arroba]medicina.ufmg.br

AndyPetroianu
Professor titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Docente livre em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Docente livre em Gastroenterologia Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Fisiologia e Farmacologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador IA do CNPq.

Bruno Mello Rodrigues dos Santos
Médico residente de Urologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Roberto Martins Gonçalves
Médico residente de Oftalmologia do Hospital São Geraldo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

Endereço para correspondência:
Prof. Andy Petroianu
Avenida Afonso Pena, 1.626 - apto. 1.901
CEP 30130-005 - Belo Horizonte - MG
Telefax: (31) 3274-7744 ou 3224-4275
E-mail:
petroian[arroba]medicina.ufmg.br

Recebido para publicação em 06/2003.
Aprovado em 01/2004.

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