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Análise da eficácia das medidas protetivas de urgência nos termos da lei 11.340/06 – lei Maria da Penha, face à fiança policial (página 2)


Partes: 1, 2, 3

A terceira seção, por ultimo, versa sobre a constitucionalidade das medidas protetivas e da vedação da fiança pelo delegado quando da prisão em flagrante do agressor. Nesse ponto, repousa o objetivo da pesquisa que é contribuir para eficácia/efetividade da Lei Maria da Penha e de seus institutos. Desse modo, como a prisão preventiva é cabível aos crimes de violência doméstica, fica a cargo do juiz quando do recebimento do flagrante soltar ou não o acusado mediante fiança ou medida protetiva.

O estudo do trabalho encerra-se com a conclusão onde serão pontuados assuntos em evidência, procurando esclarecer a importância do tema e motivar o leitor a dá continuidade aos estudos sobre a aplicação da lei Maria da Penha.

1. ASPECTO HISTÓRICO SOBRE A CRIAÇAO DA LEI MARIA DA PENHA

Para compreender o que motivou a criação da lei Maria da Penha faz-se imprescindível abordar e conceituar o que seria violência de gênero.

Assim, este capítulo objetivará a demonstrar a violência de gênero e as lutas das mulheres brasileiras em busca de que se criassem mecanismos eficazes ao estancamento dessa violência, principalmente, as razões que fomentaram a edição da Lei 11.340/06 –Lei Maria da Penha.

  • Violência de Gênero contra a mulher

Culturalmente a sociedadepromovera diferenças entre o homem e a mulher que por muito tempo constituiu-se na subordinação dela a ele. A mulher era vista como o sexo frágil da relação conjugal, destinada a viver sob o domínio do marido, sendo controlada em suas atitudes. Assim, se legitimou ao longo dos anos a ideia de que o homem pode dispor sobre a mulher. Nesse passo Dias explica que "o fundamento é cultural e decorre da desigualdade no exercício do poder que leva a uma relação de dominante e dominado"[1].

Para Sueli Bulhões ainda persiste na sociedade uma cultura machista em que o homem manda na mulher a qual é ensinada compreendê-lo:

Existe na sociedade uma cultura machista, onde o homem manda na mulher, ela é vista como um objeto. Ou seja, ainda temos uma cultura da dominação do macho. Quando essa cultura machista é associada a problemas como drogas, alcoolismo, estresse, desemprego e outros fatores o homem descarrega na mulher toda agressividade.[2]

Como visto acima, essa diferença hierárquica entre os sexosdecorre dos atributos socialmente definidos para cada sexo. Desde criança o homem é ensinado a ser forte, dominador e que cabe a ele afazeres mais pesados de maior esforço físico, relevantes ao sustento da família e a mulher por ser frágil lhe era atribuídos trabalhos mais leves, geralmente vinculados aos cuidados domésticos. O homem era visto como chefe da família a quem todos os integrantes dela deviam-lhe obediência.Desse modo afirma Dias que "a superioridade e a honra masculina eram defendidas a "ferro e fogo" e essa postura acabava sendo referendada pelo Estado[3]

Acrescente-se que a discriminação de gênero se destaca tanto no setor econômico como no âmbito jurídico, mesmo havendo direitos feministas abstratamente previstos, a mulher não conseguia desfrutar de igualdade de condições perante o homem, consoante citado adiante:

A mulher sempre foi se não escrava do homem, ao menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o mundo em igualdade de condições; e ainda hoje, embora sua condição esteja evoluindo, a mulher arca com um pesado handicap. Em quase nenhum país seu estatuto legal é idêntico ao do homem, e muitas vezes este último prejudica consideravelmente. Mesmo quando os direitos lhe são abstratamente reconhecidos, um longo hábito impede que encontrem nos costumes sua expressão concreta. Economicamente, homens e mulheres constituem como que duas castas; em igualdade de condições, os primeiros têm situações mais vantajosas, salários mais altos, maiores possibilidades de êxito que suas concorrentes recém-chegadas. Ocupam, na indústria, na política, etc., maior número de lugares e postos mais importantes. Além dos poderes concretos que possuem, revestem-se de um prestígio cuja tradição a educação da criança mantém: o presente envolve o passado, e no passado toda a história foi feita pelos homens. No momento em que as mulheres começam a tomar parte do mundo, esse mundo ainda é dos homens. Eles bem o sabem, elas mal duvidam.[4]

Assim, em certo momento da história, tanto o estado como a sociedade contribuíram, senão fomentaram a legitimação da violência doméstica contra a mulher em defesa da honra em prol da virilidade masculina. Fato que até 2005 o adultério era considerado crime quando praticado pela mulher. E em diversos casos os agressores acusados de homicídioem face do cônjuge foram inocentados pelo tribunal do júri – julgamento popular-, que reconhecia ter o acusado agido em legitima defesa da honra.Essa cultura machista ainda resiste no meio social, mas não é acolhida pelo ordenamento jurídico, consoante julgado de 2008 do tribunal de justiça de Espirito Santo(TJES):

EMENTA:

Apelação Criminal Júri - Absolvição - Decisão manifestamente contrária a prova dos autos - LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA - Ocorrência - Recurso provido.

1) O acusado que, se sentindo ofendido em sua honra subjetiva, de forma deliberada e inconseqüente, desferiu três tiros na vítima. A tese sustentada pela Defesa, de legítima defesa da honra, não é acolhida pelo nosso ordenamento.

2) Verificando-se que a decisão absolutória escolhida pelos Jurados não encontra qualquer sustentáculo no conjunto probatório, considera-se a mesma, manifestamente contrária à prova dos autos, devendo o réu por conseguinte, ser novamente submetido o julgamento pelo Tribunal Popular.

3) Recurso conhecido e provido para anular o julgamento e submeter os apelados a novo confronto perante o Tribunal Popular do Júri. (grifou-se)[5].

Observa-se comoo passado tende a influenciar no presente de forma que os valores associados a cada sexo constituem respaldo para que o cônjuge varãodecida sobre a vida e liberdade da mulher, machismo que se arrasta passando de geração a geração. No entanto, apesar de ser, em alguns casos, suscitada pelo autor e reconhecida pelojúri,não se tem mais admitido a tese da legitima defesa da honra, pois entende-se por desonrado quem trai e não o traído.

Ementa: JÚRI - HOMICÍDIO - LEGÍTIMADEFESA DA HONRA - TESE REJEITADA - CONDENAÇAO - DECISAO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO. A honra é atributo pessoal, que não se transfere a pessoa diversa, nem mesmo ao marido; no adultério, desonrado é o cônjuge adúltero e não o traído. No estágio atual da civilização é inadmissível homicídio por legítimadefesa da honra, a pretexto de infidelidade do cônjuge.[6]

A vista disso, hoje em dia tem-se afirmado o direito de igualdade constitucional substancial entre homens e mulheres, sendo inconstitucional dar tratamento desigual a situações iguais uma vez que a honra da mulher e a do homem tem o mesmo valor perante a lei. Nesse ponto Pignatari e Fernandes afirmam que:

A legítima defesa da honra não é mais aceita pelos tribunais, sendo inconstitucional devido ao artigo 5º, I da Constituição Federal. Este prevê a igualdade entre os sexos. Assim, a honra do homem tem o mesmo valor da honra da mulher. Além disso, a honra do marido não pode ser manchada por atitudes da esposa, ou vice-versa, já que a honra é um atributo pessoal: a atitude de um indivíduo não pode contaminar ou atingir a honra do outro.[7]

Analisando o assunto,Ricardo Westin e Cintia Sassedizem que a discriminação de gênero tem raízes sóciojurídico ehistóricocultural não estando diretamente associada a problemas psicológicos ou outros fatores externos, como álcool, desemprego, ciúmes sendo estes apenas o estopim para a deflagração da violência doméstica. Comentam que no Brasil na época colonial a legislação admitia expressamente que o marido matasse a esposa se a presenciasse cometendo adultério. Anos mais tarde, no período da republica,a legislação condicionava a prática de alguns atos da mulher a outorga uxória do homem:

A vida do Brasil colonial era regida pelas Ordenações Filipinas,(...). Com todas as letras, as Ordenações Filipinas asseguravam ao marido o direito de matar a mulher caso a apanhasse em adultério. Também podia matá-la por meramente suspeitar de traição — bastava um boato.

No Brasil República, as leis continuaram reproduzindo a ideia de que o homem era superior à mulher. O Código Civil de 1916 dava às mulheres casadas o status de "incapazes". Elas só podiam assinar contratos ou trabalhar fora de casa se tivessem a autorização expressa do marido. [8]

Todavia, à medida que sobrevieram mudanças nessa forma de organização familiar foi tornando perceptível socialmente o problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, notadamente com a independência financeira e de certa liberdade da mulher em participar nas decisões sobre o rumo da entidade familiar, bem como em virtude do acesso ao meio político e a órgãos públicos de proteção e acolhimento jurídico-social.

1.3A luta das mulheres brasileiras contra a violência doméstica e familiar

A violência doméstica e familiar contra a mulher tem se transformado numa questão de política pública a nível internacional. Enquanto casada com Marco AntonioHeredia Viveiro Maria da Penha Maia Fernandes sofrera diversas agressões e ameaças e como muitas vítimas não o denunciava com medo de sofrer maiores represálias.Por duas ocasiões Herediatentou contra a vida dela, inicialmente deixando-a paraplégica mediante disparo de arma de fogo e em outra ocasião enquanto Maria da Penha tomava banho o agressor tentou lhe eletrocutar.[9]Diante disso ela sai de casa e resolve denunciar a justiça seu ex-marido pelos crimes cometidos.

Depois um longo processo e diante da morosidade da justiça brasileira em julgar e condenar Marco AntonioHeredia, Maria da Penha, após 15 anos de processo sem decisão definitiva, leva o caso ao conhecimento da corte interamericana de direitos humanos (CIDH) da Organização das Nações Unidas (OEA), ocasião que conhecida a denuncia esta corte responsabilizou e recomendou ao Brasilresolver o caso Maria da Penha e a promoção de mecanismo que prevenisse e coibisse a violência doméstica e familiar no país.[10]A decisão da corte foi fundamental para que o Brasil condenasse o agressor e criasse a lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha.

Discorrendo sobre a violência doméstica Tania Pinafi, aponta como marco inicial da luta das mulheres pelo fim da discriminação de gênero o ano de 1975 em que os movimentos feministas publicitaram a violência doméstica, revelando ao público a face violenta da entidade familiar. Época em que esses movimentos incentivavam as mulheres a denunciar seus agressores tentando conscientizar à sociedade da gravidade da discriminaçãojurídica e social contra elas.Com efeito, esse tratamento discriminatório configurava um atraso na qualidade de vida das mulheres e as deixava em desigualdade no exercício de direitos e do poder em relação aos homens, consoante o descrito:

No Brasil, a denúncia dessa violência específica iniciou-se em um contexto mais amplo de violações de direitos humanos cometidas pela ditadura militar cujo período mais duro coincidiu com o resurgimento do movimento feminista no cenário nacional - 1975. Ao propor que o privado é político o movimento feminista trazia para o campo público a violência praticada na privacidade da família, estimulando, igualmente, as mulheres a denunciar também a violência sexual, considerada pela lei penal um crime de ação privada. (...).

No bojo da luta por igualdade de direitos, o movimento feminista pôs em evidência os preconceitos e as discriminações contra as mulheres nas leis, nos costumes, nas práticas sociais e suas conseqüências para a população feminina - dificuldade no acesso ao mercado de trabalho, baixa remuneração no emprego, impedimentos de ascensão profissional, ausência de representatividade nas esferas de poder do Estado e da sociedade, dentre outras.[11]

Nesse contexto, comenta a autora que no inicio dos anos 80, os movimentos feministas contrapondo os conceitos machistas "mulher gosta de apanhar" ou "pancada de amor não dói" levaram as ruas slogan "quem ama não mata" e o "silêncio é cumplice da violência" no intuito de conscientizar a sociedade das agressões covardes perpetradas por parceiros íntimos e a não absolver homicida de mulher em razão da legitima defesa da honra.

A política sexista reinante até então, deixava impunes muitos assassinatos de mulheres sob o argumento de legítima defesa da honra. Como exemplo, temos em 1976, o brutal assassinato de Ãngela Maria Fernandes Diniz pelo seu ex-marido, Raul Fernando do Amaral Street (Doca) que não se conformou com o rompimento da relação e acabou por descarregar um revólver contra o rosto e crânio de Ãngela. Sendo levado a julgamento foi absolvido com o argumento de haver matado em "legítima defesa da honra". A grande repercussão dada à morte de Ãngela Diniz na mídia, acarretou numa movimentação de mulheres em torno do lema: "quem ama não mata.[12]

Pois, era prática comum naquela época o tribunal do júri absolver sob tal argumento, consoante julgado do Tribunal de Santa Catarina:

(...), em novembro de 1989, (...). O denunciado agiu motivado por ciúmes, e atingiu a vítima (sua amásia) quando ela estava sentada no vaso sanitário, não lhe oportunizando qualquer defesa. (...). Submetido a julgamento pelo Tribunal Popular, foi o acusado condenado àpena de 01 (um) ano de detenção por infração ao art. 121, § 3o., do CP, por tero Conselho de Sentença acatado a tese defensiva da legítima defesa da honra,reconhecendo, todavia, o excesso culposo.[13] (grifo nosso)

A partir de então começa-se permear na sociedade novos hábitos feministas com o objetivo de desconstruir o conservadorismo e promover mudanças jurídica e social para pôr fim preconceitos e discriminação de gêneros. Assim, extrai-se da lição de Barsted que os movimentos feministas defendiam a participação de mulheres nas três esferas de poder político, bem como através de dados quantitativo e qualitativo demonstraram a necessidade de discutir e estudar o problema da violência doméstica junto ao Estado e sociedade de modo a ser dada atenção a problemática por meio de politicas públicas de prevenção e repressão e não só com políticas de tratamento a vitimas e punições de agressores.

Pinaficomenta que diante desse esforço "resultou, na década de 1980, no surgimento dos Conselhos nacional, estaduais e municipais da mulher, de delegacias especializadas, de abrigos e centros de orientação jurídica e de apoio psicossocial".[14]

Desse modo, as reivindicações feministas foram decisivas para a implementação de uma nova política estatal de fomento a criação de programas e órgãos estruturados e especificamente destinados a promover e efetivar isonomia no exercício de direitos e obrigações entre homens e mulheres consagrados na constituição de 1988.

De acordo com Dias, a primeira delegacia da mulher foi instaurada em São Paulo em 1985 para pronto atendimento as mulheres vítimas de violência doméstica. As delegacias integradas por mulheres facilitavam às vítimas a denunciares seus agressores. De igual importância foi a criação dos conselhos estaduais, municipais e o conselho nacional que promoveram junto aos governantes a implementação de políticas públicas, bem como foidesenvolvido a nível nacional campanhas educativas visando conscientizar a população e coibir tratamento discriminatório contra a mulher.[15]

.Após anos de reivindicações as mulheres elevaram a status constitucionais direitos fundamentais como a igualdade entre homens e mulheres – art. 5º, I; proteção ao mercado de trabalho - art. 5º, XX e criação de meios que coíba a violência doméstica – art. 226, §8º. Em 2005 ocorre a descriminalização do adultério mais um avanço jurídico sinalizando rompimento de uma cultura machista.

Além disso, outros direitos surgiram em todos os entes federativos como casas de abrigos, assistência jurídica gratuita pelas defensorias públicas.Dentre outras conquistas podemos citar algumas mencionadas no site de observação de gênero do governo brasileiro:

I - Implementação da Rede de Atendimento à Mulher: atualmente composta de 415 Delegacias de Mulheres, 121 Centros de Referência, 66 Casas-Abrigo, 15 Defensorias Públicas e 61 Juizados Especializados ou Varas Criminais Adaptadas de Violência contra a Mulher;

II - Criação e fortalecimento de coordenadorias e secretarias governamentais de políticas para as mulheres: com o objetivo de fortalecer a implementação dos Planos Estaduais e Municipais de Políticas para as Mulheres, existem hoje, no país, em 19 estados e 191 municípios;

III - Criação e fortalecimento dos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Mulher: reconhecendo a importância da interação entre Estado e sociedade civil, existem hoje, no país, mais de 200Conselhos Municipais e 25 Conselhos Estaduais;

IV - Elaboração e institucionalização da Lei Maria da Penha (Nº. 11340/06) que objetiva conferir cumprimento às obrigações contraídas pelo Brasil quando da rati?cação da Convenção de Belém do Pará (1994) e de?ne a natureza desse crime; prevê a obrigação de o Estado atuar preventivamente em relação à violência contra a mulher reconhecendo as distintas vulnerabilidades existentes; facilita o acesso das vítimas à justiça e às necessárias medidas protetivas de urgência e estabelece iniciativas inéditas para enfrentamento da violência;

V - Lançamento do Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres, composto por quatro eixos: Consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e Implementação da Lei Maria da Penha; Promoção os Direitos Sexuais e Reprodutivos e enfrentamento à Feminização da Aids; Combate à Exploração Sexual e o Trá?co de Mulheres; Promoção dos Direitos Humanos das Mulheres em Situação de Prisão.

VI - Lançamento da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, que atende anualmente mais de 200 mil mulheres de todo país, 24 horas por dia, todos os dias da semana, inclusive domingos e feriados;

VII - Implementação de programas na área de trabalho para geração de emprego e renda e combate às discriminações;

VIII - Implementação do Pacto pela Redução da Mortalidade Materna;

IX - Implementação de programas na área de educação destinados à combater a discriminação e os estereótipos de gênero, raça/etnia e orientação sexual e ampliar a produção de conhecimento nessa área (realização de prêmios e apoio a núcleos de pesquisa nas universidades).[16]

Observa-se a realização de diversas ações positivas envolvendo a sociedade e o Estado no interesse de fortalecer a proteção contra discriminação e violência contra a mulher. Nota-se certo interesse na política e em vários setores da economia buscando ofertar igualdade de condições as classes menos favorecidas, inclusive, das mulheres.

Nesse contexto, Dias aduz que a lei 10.455/02 inseriu o paragrafo único no art. 69 da lei 9099/95 prevendo uma medida cautelar de natureza penal, permitindo ao juiz promover o afastamento do agressor do lar conjugal no caso de violência doméstica. Em 2004, a lei 10.886/04 introduziu o paragrafo 9º no art. 129 do código penal, acrescentando um subtipo à lesão corporal leve, decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de três para seis meses.[17]

Todavia, a autora explica que apesar das inovações legislativa visarem proteger as vítimas da discriminação de gênero e desestimular agressores não foram suficientes para inibir a prática de violência doméstica contra as mulheres uma vez que as penalidades previstas eram no máximo em restritivas de direitos e em alguns casos a responsabilização penal do agressor dependia de representação da vítima.[18]

Diante do exposto, é perceptívela importância dos movimentos feministas na ascendência e reconhecimento de seus direitos humanos,principalmente por se fazerem representar nas três esferas do poder político; executivo, legislativo e judiciário, participando efetivamente nos processos decisórios, assim, influenciando no manejo de politicas públicas e medidas de proteção às mesmas. Além da descriminalização do adultério, igualdade entre homens e mulheres assegurada tanto na constituição como em legislações específicas a sociedade, em regra, não tem admitido a tese da legitima defesa da honra nem pelo tribunal do júri e nem pelos operadores do direito. Assim, hoje resta evidente que a discriminação de gênero é inaceitável pela sociedade.

  • Influência dos tratados internacionais contra a violência doméstica

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, foi o primeiro instrumento internacional que explicitou, em seu bojo, a igualdade de direitos entre homens e mulheres[19]A Organização das Nações Unidas (ONU) diante da vitimização das mulheres continuou a defendê-las elaborando instrumentos internacionais que fossem acolhidos pelos Estados membros no intento de adequarem suas legislações internas no que coubesse para assegurar as mulheres, direitos e mecanismos que facilitasse a implementação e concretização de direitos de igualdade entre homens e mulheres em todos os setores, principalmente no âmbito doméstico e familiar. Assim, destaca o art. 1º e 2º da declaração de eliminação de discriminação contra a mulher de 1967:

Artigo 1º A discriminação contra a mulher, porque nega ou limita sua igualdade de direitos com o homem, é fundamentalmente injusta e constitui uma ofensa à dignidade humana.

Artigo 2º Deverão ser tomadas todas as medidas apropriadas para abolir leis, costumes, regras e práticas existentes que constituam discriminação contra a mulher,(...).

Artigo 3º Deverão ser tomadas todas as medidas apropriadas para educar a opinião pública e dirigir as aspirações nacionais para a erradicação do preconceito e abolição dos costumes e de todas as outras práticas que estejam baseadas na idéia de inferioridade da mulher[20]

Assim, observa-se uma preocupação em âmbito internacional para coibir a prática de violência contra mulher. Pois, desde 1945 com a carta da ONU e 1948 com a Declaração dos Direitos Humanos foi consagrado o principio da igualdade entre homens e mulheres[21]Ademais a Organização das Nações Unidas aprovou, em 1979, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), conhecida como a Lei Internacional dos Direitos da Mulher. Essa Convenção visou à promoção dos direitos da mulher na busca da igualdade de gênero, bem como, a repressão de quaisquer discriminações. Em 1983, contemplou na Convenção de Viena que os direitos inerentes às mulheres são inalienáveis e indivisíveis, devendo ser prioridade em todos os países.

Em 1994, a Organização dos Estados Americanos (OEA) instituiu a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a mulher (convenção de Belém do Pará) a qual preconiza a violência doméstica como violação de direitos humanos e fundamentais e definiu-a como uma violência física, psicológica ou sexual, baseada no gênero, que ocorra tanto na esfera pública, como na privada. No mesmo ano, no Cairo, foi proclamada pela ONU a Declaração e Plataforma de Ação de Conferência de Desenvolvimento que tratou da necessidade de assegurar a defesa dos direitos reprodutivos das mulheres. Nessa linha, descreve objetivamente o repudio a discriminação contra a mulher em todas suas formas de manifestações:

Artigo 3 Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada. Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagradas em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. (...).Artigo 5 Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, e contará com total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os Estados Partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos.[22]

No ano de 1995, a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing) (ONU) – visou institucionalizar políticas igualitárias de gêneros, alertar feminização da pobreza e exclusão da mulher da esfera do poder. Esse instrumento jurídico reafirma a igualdade entre homens e mulheres e para isso defende a necessidade de incluir a mulher no processo decisório tanto na família como em todos os setores sociais:

13. O empoderamento da mulher e sua total participação, em base de igualdade, em todos os campos sociais, incluindo a participação no processo decisório e o acesso ao poder, são fundamentais para a realização da igualdade, do desenvolvimento e da paz.

15. A igualdade de direitos, de oportunidades e de acesso aos recursos, a divisão eqüitativa das responsabilidades familiares e a parceria harmoniosa entre mulheres e homens são fundamentais ao seu bem-estar e ao de suas famílias, bem como para a consolidação da democracia.

16. A erradicação da pobreza deve ser baseada em um crescimento econômico sustentável, no desenvolvimento social, na proteção ambiental e na justiça social, e requer a participação da mulher no processo de desenvolvimento econômico e social, oportunidades iguais e a plena participação, em condições de igualdade, de mulheres e homens, como agentes e beneficiários de um desenvolvimento sustentável orientado para o indivíduo.[23] (grifou-se).

Em 1999, o Protocolo Facultativo CEDAW (ONU) – traz a possibilidade de a mulher buscar a justiça internacional quando a justiça interna for falha ou omissão na proteção de seus direitos humanos. Conforme se extrai dos artigos infra:

Artigo 2.º As participações poderão ser apresentadas por e em nome de indivíduos ou grupos de indivíduos, sob a jurisdição de um Estado Parte, que afirmem ser vítimas de violação de qualquer um dos direitos estabelecidos na Convenção por esse Estado Parte"."Artigo 4.º 1 - O Comitê só apreciará uma participação após se ter assegurado de que todos os meios processuais na ordem interna foram esgotados, salvo se o meio processual previsto ultrapassar os prazos razoáveis ou seja improvável que conduza a uma reparação efetiva do requerente.[24]

Outro importante documento jurídico internacional contra práticas discriminatórias que inferiorizam a mulher data de 2001 que é a Declaração e Programa de Ação da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (ONU) – neste documento foi reconhecida múltiplas formas de discriminação que inferiorizam as condições de vida da mulher.

Diante de tudo acima explanado, nota-se os referidos documentos foram incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro gerando comprometimento de que fossem criado meios de combate a violência de gênero sob pena do país ser responsabilizado. Conseguinte, contra a violência no âmbito doméstico, a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing) e o protocolo adicional a corte internacional de justiça responsabilizou o Brasil por omissão em julgar e condenar o agressor de Maria da Penha, bem como recomendou a criação de uma lei especificamente destina a proteger as mulheres dessa espécie de violência. Em razão disso foi criada a lei 11.340/06.

  • Dados estatísticos sobre violência contra a mulher dentro da entidade familiar

Divulgado no dia 13 de julho de 2013 pelaComissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso Nacional, presidida pela deputada Jô Moraes, o resultado de uma investigação sobre a violência doméstica e familiar no Brasil a qual apurou denuncias de omissão do poder público na aplicação dos institutos previstos em lei para proteger a mulher em situação de violência doméstica e familiar. A comissão frisou, dentre outros, o caso de Elisa Samudio e de Maria Islaine de Moraes [25]

Segundo a Comissão, apesar de Elisa Samudio ter registrado na Delegacia da Mulher de Jacarepaguáter sofrido diversas agressões e ameaças pelo goleiro Bruno, teve o pedido de proteção negado pelo 3º juizado de violência doméstica do Rio por considerar que ela não mantinha relações afetivas com ele. Já no caso de Maria Islaine foi morta por diversos disparos de arma de fogo deflagrados por seu ex-marido, após ter registrado 08 boletim de ocorrência em desfavor dele e de informar às autoridades que ele não cumprindo a medida protetiva de não se aproximar dela. Diante do problema, a comissão apontou a negligência e o desinteresse das autoridades como fator preponderante a não aplicação correta e eficaz[26]dos instrumentos legais de proteção a mulher, aduzindo que é obrigação do Estado se preparar devidamente para proteger qualquer cidadão ameaçado de sua existência[27]

Dados do banco mundial e do banco interamericano de desenvolvimento informam que a cada cinco mulheres que falta ao trabalho duas sofre violência doméstica. Por causa dessa violência a cada cinco anos ela perde um ano de vida saudável, quando não é morte ou incapacitada. Conclui que a despesa com violência doméstica varia entre 1,6 a 2% do PIB do país[28]

Em consonância com a informação acima o instituto Perseu Abramo constatou em sua pesquisa que duas a cada cinco mulheres já sofreram violência doméstica e que cinco mulheres são espancadas a cada minuto no país. O Data Senado concluiu que os lugares onde a violência tem maior incidência é no trabalho e na própria casa.

Dados oriundos da Organização Mundial de Saúde – OMS, onde 30% das mulheres foram forçadas nas primeiras relações sexuais; 52% são alvos de assédio sexual; e 69% já foram agredidas ou violentadas por amigos ou parentes próximos, além dos homicídios cometidos por companheiro ou ex-companheiro alegando legitima defesa da honra. Aponta ainda o Brasil como campeão de violência doméstica contra mulheres[29]

A sociedade mundial de vítimologia apontou o Brasil como o país com mais alto nível (23%) de violência domestica contra as mulheres. Sendo que apenas 10% das dessas ocorrências são levadas pela ofendida a registro policial. As agressões atribuídas aos cônjuges, ex-cônjuges, companheiros ou ex-companheiros correspondem a 67%. Em relatório elaborado pela Anistia Internacional, uma em cada três, de um bilhão de mulheres já sofreram algum tipo de violência praticada por pessoas com vinculo afetivo as mesmas[30]Segundo o Instituto Patrícia Galvão/ IBOPE, 51% da população brasileira conhece uma mulher que já foi ou está sendo agredida por cônjuge ou companheiro.

A lei Maria da penha entrou em vigor, em 2006, para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher, todavia, estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que não houve relevante redução a esses casos de agressão, principalmente os casos em que resultaram em morte da mulher: feminicídio – morte em razão do gênero[31]

O IPEA fez um estudo comparativo de homicídios de mulheres ocorridos no âmbito da unidade doméstica e familiar antes e depois da entrada em vigor da lei 11.340/06. Constatou-se uma taxa de mortalidade 5,28por 100 mil mulheres de 2001 a 2006 e de 5,22 de 2007 a 2011. Nesse período houve uma pequena redução em 2007, nos anos seguintes a taxa de mortalidade voltou a crescer. Verificando desde 2009 a morte de uma mulher a cada hora e meia[32]

Consoante aponta o instituto o perfil das vítimas está entre as mulheres mais jovens, sendo 31% na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Dos óbitos foi registrado que 54% entre mulheres de 20 a 39 anos, e a maior parte (31%) se deu em via pública, 29% em domicilio e 25% nos estabelecimentos de saúde. Nesse contexto, 61% das mulheres eram negras, 87% da região nordeste, 83% da região norte e 68% da região centro-oeste. Ainda foi observado que 48% das vítimas entre 15 ou mais anos de idade apresentavam baixa escolaridade com apenas oito anos de estudos[33]

Observa que houve maior concentração doshomicídios nas regiões apresentadas, havendo expressividade em alguns estados. Nos estados, as maiores taxas estão no Espírito Santo (11,24), Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). As taxas mais baixas estão no Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28) e São Paulo (3,74). Dentre os meios ou instrumentos da causa mortes constatou-se que 50% dos feminicídios foram ocasionados mediante o uso de arma de fogo, 34% por instrumento perfurante, contundente ou cortante, 6% por enforcamento ou sufocação e o restante envolveram outros tipos de crueldade física ou mental como maus-tratos, abusos sexuais, agressões psicológicas[34]

Logo, essa situação demonstra que os mecanismos protetivos da Lei Maria da Penha não estão tendo sua eficácia observada de maneira satisfatória, talvez, em razão de falha na aplicação dos mecanismos ou na identificação e controle e inibição dessa violência que em muito é previsível.

  • Quadro comparativo sobre violência doméstica antes e após a lei Maria da Penha

Segundo essa pesquisa a maioria das mulheres foram vitimadas por seus próprios maridos ou ex-maridos, companheiros ou ex-companheiros. Assim, um ponto que merece atenção é que na violência doméstica além da vitima e agressor dividirem o mesmo espaço de convívio o estopim do conflito está vinculado a questões corriqueiras de administração e organização da relação interpessoal do casal, como, entre outros, o modo de educar os filhos, ciúme, álcool somados ao sentimento de dominação do homem, consoante ilustrado abaixo[35]

Monografias.com

Diante do exposto, nota-se que no geral houve uma breve redução entre os números de violência perpetrados após a vigência da lei Maria da penha. No entanto, durante a vigência, em determinadas regiões e estados do país o índice de violência doméstica e familiar continua elevado[36]representando ineficácia dos instrumentos protetivos da Lei, entre eles as medidas protetivas.

  • O Projeto de Lei 4559/04

Como resultado de anos de reivindicações pelo fim da discriminação de gênero no âmbito da entidade familiar, especificamente contra a violência doméstica e familiar contra a mulher tem-se a criação do projeto de Lei nº 4.559/04 – PL 4.559/04, o qual culminou na Lei 11.340/06 após regular tramitação legislativa e sanção presidencial, como se mostra adiante nas palavras de Cortês e Matos:

2004 - Em 25 de novembro do mesmo ano, por ocasião do Dia Internacional pelo Fim da Violência contra as Mulheres, o Executivo encaminha o Projeto de Lei ao Congresso Nacional, que recebe, na Câmara dos Deputados, o número PL 4.559/2004".

2005 - Discussão do Projeto na Câmara dos Deputados com realização de audiências públicas em vários estados e aprovação na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Recebe apoio e empenho da Bancada Feminina do Congresso Nacional, de parlamentares sensíveis à causa e das Deputadas relatoras Jandira Feghali (na CSSF); Yeda Crussius (na CFT) e Iriny Lopes (na CCJC).

2006 - Os fóruns de mulheres de todo Brasil, seguindo iniciativa do Estado de Pernambuco, realizam, em março, as Vigílias pelo Fim da Violência contra as Mulheres, para denunciar a violência e os homicídios de mulheres e pedir a aprovação do PL 4.559/2004.

O Projeto é aprovado no Plenário da Câmara e vai para o Senado, onde recebe o número PLC 37/2006. É discutido e aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), tendo como relatora a Senadora Lúcia Vânia. Em seguida é encaminhado para o Plenário do Senado, onde também é aprovado, seguindo para sanção presidencial.

Em todas as instâncias o projeto foi aprovado por unanimidade e sua tramitação no Congresso Nacional durou 20 meses. No dia 7 de agosto, em cerimônia no Palácio do Planalto, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina a Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, que entrou em vigor no dia 22 de setembro. Com isso, escreveu um novo capítulo na luta pelo fim da violência contra as mulheres.[37] (grifou-se).

O surgimento da Lei 11.340/06 é fruto de mobilizações de diversos segmentos sociais, principalmente das lutas feministas, que promoveram a conscientização da sociedade sobre a problemática da violência doméstica, assim como de órgãos e entidades nacional e internacional.

Nesse contexto, comenta Marcelo Di Rezende Bernardesqueo projeto Lei nº 4.559/04 representou uma mudança de paradigma na ordem jurídica e social brasileira, com efeito, respectivamente, a proteção legal e o repudio social contra violência doméstica e familiar contra a mulher a ser combatida por meio de diversas ações integradas tanto por órgãos públicos como também por organizações não-governamental:

Este Projeto de Lei prevê também diversas ações integradas dos órgãos públicos e não-governamentais para a prevenção da violência contra a mulher, como, a promoção de estudos e pesquisas sobre gênero e raça/etnia em relação às causas, conseqüências e freqüência desse tipo de violência; o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família para coibir os papéis estereotipados que legitimem a violência doméstica; e a implementação de centros de atendimento integral e multidisciplinar para as mulheres vítimas.[38]

Demais disso, onde vige a democracia num estado de direito é de reconhecer a relevância dos diversos movimentos sociais na reivindicação de atenção do poder público à solução de problemas como o de violência doméstica e familiar que acomete mulheres em situação de vulnerabilidade, a exemplo do caso Maria da Penha que na maioria das vezes é perpetrada pelo marido. .

Assim, os movimentos feministas foram de suma importância na busca de meios jurídicos que lhes dessem proteção e que coibisse a violência doméstica e familiar contra a mulher no âmbito da entidade familiar. O que resultou na formulação do referido projeto de lei que foi transformado na Lei 11.340/06 destinada a proteger a mulher da violência doméstica e familiar.

  • Aspectos legais da lei 11.340/06 – Maria da Penha

  • Finalidade

Decorre do art. 1º que essa lei foi criada para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher nos termos da constituição e de tratados internacionais aderidos pelo Brasil:

Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8.º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil;(...)[39].

Reforça os artigos 3º e 4º que ela deve ser interpretada e aplicada considerando além das condições peculiares da mulher sob essa violência os fins sociais a que ela se destina, ou seja, proteger e assistir a mulher promovendo-a condições dignas de subsistência e igualdade com o homem no gozo e no exercício de direitos dentro da entidade familiar, bem como na sociedade.

Art. 3.º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Art. 4.º Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar[40]

Então, verifica-se que a lei Maria da Penha guarda compatibilidade vertical de constitucionalidade e convencionalidade e tem a finalidade tem promover o exercício e gozo de direitos de forma isonômica entre homens e mulheres, principalmente no âmbito da família, doméstico e relações intimas de afeto[41]Ademais no intento de preservar a permanência da entidade familiar a lei também busca tratamento para o agressor, consoante o art. 35. Caput, inciso V. "art. 35, caput - a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: inciso V - centros de educação e de reabilitação para os agressores".[42]

  • Configuração e Forma de violência doméstica e familiar

Conforme reza do art. 5º da lei 11.340/06, Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é definida como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, perpetrada nas relações domésticas, familiares ou nas relações íntimas de afeto. Independente de coabitação ou orientação sexual.

Já o art.7º preleciona que essa violência pode ser, entre outras: física - abarcaria qualquer atitude que traga danos a integridade física ou a saúde corporal da vitima, desde um simples hematoma a lesões gravíssimas; psicológica - qualquer conduta que diminua a auto-estima ou prejudique a autodeterminação, mediante ameaça ou qualquer outro meio que force ou exponha a vitima a situações de constrangimento; sexual - qualquer atitude que submeta a vítima a presenciar ou praticar atividade sexual contra a vontade dela, sob qualquer tipo de intimidação ou qualquer mecanismo ou artifício; patrimonial- qualquer ato que prive ou danifique bens da vítima ou de serventia da mesma; e moral: qualquer conduta atentadora ou violadora à honra da vítima; calunia, injuria ou difamação.

Portanto, o art. 7º prever um rol exemplificativo não afastando outras formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Diante o exposto, para que determinada conduta em qualquer das formas acima seja considerada violência doméstica ela deve ser praticada com base na discriminação de gênero, ou seja, subjugando, objetalizando ou controlando a mulher. Dias comenta que:

O desejo do varão é submeter a mulher a vontade dele. Tem a necessidade de controlá-la. Assim, busca destruir sua auto-estima. [...] procura isolá-la do mundo exterior, afastando-a da família. Proíbe amizades. Muitas vezes a impede de trabalhar, [...]. Com isso a mulher se distancia de quem poderia pedir apoio e fazer parar a escalada da violência.[43]

Assim, nota-se que ocorre a violência porque a mulher ficaem situação de vulnerabilidade, ou seja, indefesaperante o agressor seja no âmbito da família, doméstico ou nas relações intimas de afeto.

  • Ãmbito de abrangência

Como leciona Dias o campo de abrangência da lei está diretamente ligado ao vinculo que a vitima tem ou tenha tido com o agressor.

É obrigatório que a ação ou omissão ocorra na unidade doméstica ou familiar ou em razão de qualquer relação intima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação. (...)não há necessidade de vitima e agressor conviverem sob o mesmo tetopara a configuração da violência como doméstica ou familiar. Basta que agressor e agredida mantenham, ou já tenha mantido um vinculo de natureza familiar.[44]

Veja que o vinculo pode ser familiar, doméstico ou decorrer de alguma relação de intima de afeto, mas nos dois primeiros casos não se exige que a vitima e agressor convivam sob o mesmo teto, basta que tenham ou tenha tido um vinculo familiar, como no caso de cônjuge ou ex-cônjuge.

  • Familiar

A Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, em seu artigo 5º, II, define unidade familiar a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. Assim, o conceito de família vai além da comunidade formada entre homem e mulher e filhos, mas engloba diversos tipos de união por pessoas, inclusive do mesmo sexo, para a vida em comum. Sobre o assunto Dias afirma que

O conceito corresponde ao formato atual dos vínculos afetivos. Fala em indivíduos, e não em um homem e uma mulher. Também não se limita a reconhecer como família a união constituída pelo casamento. (...) a Constituição Federalao conceituar família, de forma exemplificada, refere-se ao casamento, à união estável e à família monoparental, sem, no entanto, deixar ao desabrigo outros modelos familiares (...)[45].

Existe tal vinculo quando a vítima tem parentesco natural, legal ou por vontade expressa com o agressor, ou seja, considera-se família o vinculo advindo de parentesco em linha reta ou colateral, por força de lei ou pela manifestação expressa da vontade como no caso da união estável ou homoafetiva.

  • Doméstico

Os envolvidos podem ou não ser parentes, mas o que importa é se convivem no mesmo espaço comum, como no caso do lar conjugal, repúblicas de estudantes e outros. Nesse aspecto definiu o legislador consoante o art. 5º, I, pelo o qual âmbito doméstico é o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vinculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. Dias, citando Marcelo e Rogério, bem como Damasio aduz que:

A expressão unidade doméstica deve ser entendida no sentido de que a conduta foi praticada em razão dessa unidade da qual a vítima faz parte. A tendência é reconhecer que nesse contexto estão incluídas as empregadas domésticas. A diarista que trabalha duas ou três vezes por semana não estaria protegida pela lei em razão de sua pouca permanência no local de trabalho[46]

Então é importante saber que a violência foi praticada em razão desse vinculo, ou seja, o pressuposto da violência foi a condição de os envolvidos conviverem no mesmo espaço comum, como exemplo a empregada doméstica, estudantes em repúblicas.

1.7.3.3 Relação íntima de afeto

O art. 5º, III, protege qualquer relação intima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido coma ofendida, independentemente de coabitação. O paragrafo único desse artigo menciona que as relações pessoais englobada pela Lei independe de orientação sexual. Nesse ponto Dias salienta que:

"A definição de família como relação intima de afeto corresponde ao mais atual conceito de família, que há muito vem sendo cunhado pelo Instituto Brasileiro de Direito de família – IBDFAM. (...). Até mesmo os vínculos que refogem ao conceito de família e de entidade familiar não deixam de ser marcados pela violência. É o que ocorre com namorados e noivos, por exemplo"[47].

Observa-se se entre a ofendida e seu agressor existe alguma relação de intimidade, como são os namorados ou ex-namorados, concubina e outros semelhantes.

Sobre o assunto a jurisprudência afirma que:

STJ, 5ª Turma, HC 172634 (06/03/2012): A Lei Maria da Penha aplica-se no caso de crime praticado contra cunhada, bastando que estejam presentes as hipóteses previstas no art. 5º. STJ, 5ª Turma, HC 175816, j. 20/06/2013: É do juizado especial criminal — e não do juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher — a competência para processar e julgar ação penal referente a suposto crime de ameaça (art. 147 do CP) praticado por nora contra sua sogra na hipótese em que não estejam presentes os requisitos cumulativos de relação íntima de afeto, motivação de gênero e situação de vulnerabilidade. Isso porque, para a incidência da Lei 11.340/2006, exige-se a presença concomitante desses requisitos.[48] (grifou-se).

No contexto das relações pessoais protegidas pela Lei, a jurisprudência tem entendido como requisitos cumulativos para aplicação da lei 11.340/06 e consequentemente das medidas protetivas quea conduta seja desferida com dolo e envolvendo o seguinte: a) Diferença de gênero; b) âmbito doméstico, familiar ou de relação intima de afeto; c) Vulnerabilidade da Vítima.

2. EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS E FIANÇA POLICIAL

As medidas protetivas constituem uns dos meios mais assecuratórios contemplados pela lei Maria da Penha para manutenção do respeito à integridade dos direitos humanos das mulheres, com fins de prevenção e repressão a violência doméstica e familiar. Apesar de ser utilizada quando já houve a lesão ou perigo de lesão ao bem tutelado, resguardam direitos e detêm a continuidade da agressão, devido entre outros, a emergência na concessão da tutela requerida pela ofendida ou pelo Ministério Público. Assim, o reconhecimento de sua credibilidade pode ser demonstrada na procura das mulheres para valer-se dessas medidas.

A importância das medidas protetivas pode ser conferida ao analisar o número de vezes que ela foi utilizada desde que entrou em vigor a Lei Maria da Penha. Conforme dados coletados pelo CNJ, somente nas varas e juizados especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (são 52 Unidades distribuídas pelos estados), até julho de 2010, foram contabilizados 331.796 procedimentos que envolveram a matéria, sendo, dentre outros; 111 mil processos sentenciados, 9.715 prisões em flagrante e 1577 prisões preventivas.[49]

Apesar de se exigir os requisitos presentes nas cautelares: "fumus bonis iuris" e "periculum in mora", as medidas protetivas não se destinam resguardar exclusivamente o fim do processo, mas proteger direitos da vitima em potencial ou efetiva até seja cessada a violência ou ameaça da violência doméstica e familiar, independentemente da impetração da ação principal.Nessa linha Cunha define que:

São providências urgentes, com as quais se busca evitar que a decisão da causa, ao ser obtida, não mais satisfaça o direito da parte, [..]. como tal, deve preencher os dois pressupostos tradicionalmente apontados pela doutrina, para a concessão das medidas cautelares, consistentes no periculun in mora (perigo da demora) e fumus bonis júris (aparência do bom direito)[50].

Por outro lado Alice Biachiniassevera que as medidas protetivas diferem das cautelares porque aquelas por tratarem de assegurar direitos previstos na lei 11.340/06 em face da mulher bastando que se comprove a violência em face da mulher. Já as cautelares se destinam a buscar a tutela do processo ou a eficácia da justiça penal. Assim, observa-se na citação abaixo:

As medidas protetivas da Lei Maria da Penha possuem natureza jurídica distinta das medidas cautelares do CPP, enquanto aquelas objetivam garantir a eficácia dos direitos oriundos da Lei Maria da Penha, estas têm por propósito a tutela do processo e da eficácia da justiça criminal. [...]... as medidas protetivas diferem, em muito, das cautelares, convém lembrar que o art. 22 da lei Maria da Penha, que prevê a aplicação, pelo o juiz, das medidas protetivas de urgência, traz como exigência a simples constatação de violência doméstica e familiar contra a mulher, não fazendo alusão à necessidade da materialidade do delito e de indícios suficientes de sua autoria (como as medidas cautelares)[51].

Em suma, sejam ou não as medidas protetivas assemelhadas as cautelares do código processo penal o fim ultimo não se discute: proteger a mulher, prevenindo e reprimindo a violência doméstica e familiar no âmbito doméstico, familiar e de relação intima afetiva, sempre buscando dar eficácia a lei 11.340/06. De qualquer modo, frente à situação de urgência a tutela deve ser concedida em caráter liminar para salvaguardar direitos e liberdades da vítima em situação de violência doméstica e familiar.

Em regra, a aplicação das medidas protetivas se impõe gradativamente da mais branda a mais severa conforme o necessário para a contenção do problema, podendo ser até decretada a prisão preventiva do agressor em razão do descumprimento de outra medida imposta ou caso seja imprescindível para a proteção da vítima[52]Assim, se num caso concreto estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva nada impede que ela seja decretada de pronto.

Desse ensinamentoDias compartilha aduzindo que tais medidas visam proteger a vítima e garantir, conseqüentemente, a segurança na entidade familiar e não exatamente o fim do processo. Visto que, em regra, não ocorre a intempestividade da ação principal se não impetrada em 30 dias.Salvo para algumas medidas (prestação de caução nas ações indenizatórias) em que o juiz pode fixar prazo de vigência para que a vítima intente a ação principal.

Decorrido 30 dias da efetivação da medida, de todo descabido que, pelo o fim da eficácia da decisão, tenha o agressor o direito de retornar ao lar. O mesmo se diga com referencia aos alimentos. Descabido, simplesmente, depois de 30 dias suspender sua vigência e deixar a vítima e os filhos sem meios de subsistir. Mesmo pacificado na jurisprudência que, em sede de direito familiar, a medida cautelar não perde a eficácia, se não intentada a ação no prazo legal, [...]". Limitação temporal só cabe se for imposta expressamente pelo juiz. [...]. Fluído o prazo, a medida perde automaticamente a eficácia.[53]

O rol exemplificativo dessas medidas capituladas no Capítulo II, do art. 18 ao art. 24, da lei 11.340/06 aplica-se isolada ou cumulativamente, podendo ser requeridas pelo Ministério Público ou a pedido da ofendida, cabendo ao juiz concedê-las no prazo de 48 (quarenta e oito) horas ou de imediato, independentemente de audiência, nesse caso, deve comunicar o Ministério Público.

A essa concessão de imediato a parte não precisa está acompanhada de advogado, uma exceção a exigência do art. 27. Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha ensina que a concessão, de imediato, das medidas de urgência podem ser aplicadas de ofício, bem como pode a ofendida solicitá-las diretamente ao magistrado.

As medidas consideradas de urgência, [...], podem ser concedidas de ofício, [...]. [...], a adoção de medidas imediatas de proteção à vítima, pode ela mesma se dirigir ao magistrado, postulando por seus direitos. [...], uma vez passada a situação de urgência, se torne a regra geral do art. 27, nomeando-se advogado para acompanhamento da mulher vitimada.[54](grifou-se)

Nessa linha a jurisprudência interpretando o art. 19, § 1º da referida lei entende que as medidas protetivas de urgência podem ser decretadas de oficio pelo juiz, dispensando a anuência da parte, mas seja de oficio ou a pedido deve ser fundamentada.

Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DECRETAÇAO MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ACERVO PROBATÓRIO QUE CONFIRMA A NECESSIDADE DAS MEDIDAS ADOTADAS. – ARTIGO 19 , PARÁGRAFO 1º , DA LEI 11.340 /2006 – ORDEM DENEGADA. 1. As medidasprotetivasde urgência poderão ser concedidas inclusive de ofício pelo juiz e prescindem da audiência das partes, conforme a literalidade do artigo 19 , 1º, da Lei Maria da Penha; 2. Não há que se falar em constrangimento ilegal por parte do paciente quando as medidasprotetivas a ele impostas obedeceu aos critérios legais de admissibilidade, visando tão somente tutelar além da integridade física, a integridade psicológica, moral, patrimonial e sexual da vítima[55](...).

Ementa: ementa - CONSTITUCIONAL - PENAL - PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - LEI Nº 11.340 /06 - MEDIDASPROTETIVAS DE URGÊNCIA - DECRETAÇAO DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE. 1. As medidasprotetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha podem ser decretadas de ofício[56]

Todavia, para Maria Berenice Dias, o juiz, nos termos do §3º do art. 19 da lei, deve ser provocado, pois tais medidas estão condicionadas a vontade da vitima. Assim, diante do requerimento da ofendia é que cabe ao juiz conceder de ofício outras medidas necessárias a proteção e assistência da mesma[57]

Assim sendo, a vitima pode dirigir-se diretamente ao juiz, como pode ir ao Ministério público ou, o que é mais corriqueiro, ir a delegacia de polícia e representar pela responsabilização do agressor, solicitando a medida protetiva adequada a situação. A autoridade policial no prazo de 48 horas remeterá o expediente com o pedido e provas necessárias para que o juiz conheça e decida sobre o pedido.

Pelo exposto restou claro como a vítima em situação de violência doméstica e familiar deve proceder para solicitar o amparo das medidas protetivas e da proteção prevista na Lei Maria da Penha. Ora, observa-se que do inicio da violência até ser analisada e deferida a medida protetiva pelo juiz leva-se um tempo de no mínimo 48h o que fragiliza a eficácia ou efetividade da medida a qual quando vier ser concedida pode não ser mais útil.

Outro ponto desfavorável é a concessão de fiança pela autoridade policial ao acusado preso em flagrante por crime de violência doméstica e familiar[58]

2.1 Das medidas que obrigam o agressor

Dispõe o art. 22 de lei que uma vez constata a violência contra a mulher essas medidas podem ser aplicadas separadas ou cumulativamente e de imediato pelo juiz o qual pode valer-se da requisição de força policial e da decretação da prisão preventiva, caso necessário.

No intuito de proteger a ofendida e garantir a segurança na entidade familiar impõe ao agressor efetivo ou potencial a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, restringindo-lhe direitos e liberdades. Nesse sentido, o STJ decidiu recentemente que:

As medidas protetivas da Lei Maria da Penha, observados os requisitos para concessão de cada uma, podem ser pedidas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor[59]

Por tanto, para proteção integral e efetiva da vítima e dependentes de agressões atuais, iminentes ou futuras pode as medidas protetivas ser concedidas ainda que não haja representação criminal. Assim, sentindo-se incomodada ou ameaça pelo agressor a vítima pode requerer a medida adequada na esfera cível, independente de ação principal ou criminal.

2.1.1 Suspensão da posse ou restrição do porte de armas

Essa medida destina-se aos agressores que detêm a posse ou porte legal de arma de fogo conforme a lei 10.826/03 - estatuto do desarmamento[60]e por meio desse instrumento ponha a vida da vítima em risco, aumentado a possibilidade de uma tragédia maior. Assim, havendo a necessidade de desarmá-lo o órgão ou instituição responsável pela referida concessão devem ser comunicados para que o superior imediato do agressor efetive a medida, sob pena de prevaricação ou desobediência. O Ministério Público também deve ser comunicado da tutela deferida.[61]

De caráter temporário durando enquanto persistir a ameaça ou perigo concreto de lesão à ofendida. O uso de armas ainda que legalizadas pode ser limitado, restringindo-se, caso necessário, ao local de trabalho, a exemplo de policiais. Órgãos competentes a ser informados SINARM (sistema nacional da armas), policial federal, exército e corporações policiais, conforme suas atribuições previstas na lei 10.826/03.[62]

Caso a posse ou porte seja ilegal serão adotadas, pela autoridade policial, conforme seja, as medidas previstas nos artigos 12, 14 e 16, da lei 10.826/03.

A suspensão desse direito se faz conveniente, consoante Rogério Sanches Cunha citando pesquisa realizada pelo ISER, (2010, p. 87/88), devido às estatísticas indicarem que 44/4% das mulheres assassinadas foi mediante o uso de arma de fogo. Sendo que 53% delas conheciam seu homicida e 37% tinham relação intima ou amorosa com os mesmos[63]

2.1.2 Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência

Instituto que tanto pode ser equiparado ao da separação de corpos como as cautelares inominadas, ambas previstas no código de processo civil (art.888, VI e art.798), aplicadas quando houver fundado receio que uma parte cause á outra, lesão grave ou dano de difícil reparação.

Para seguir o espírito da lei, se faz uso de legislação subsidiária onde não conflitar com a lei específica. Assim, dada a urgência extraída das circunstâncias fáticas relacionadas à violência doméstica e familiar, cabe ao juiz determinar, de imediato, a referida medida[64]

2.1.3 Distanciamento do ofensor

A proibição de o agressor aproximar-se da vítima, familiares dela e testemunhas, pessoalmente ou por qualquer meio de comunicação, têm o condão de protegê-los, bem como assegurar a persecução criminal. Apesar de não previsto pelo legislador o juiz fixará um limite mínimo de distância, inclusive, proibindo o agressor de freqüentar lugares freqüentados pelas pessoas citadas, preservando, desse modo, a integridade física e psicológica delas[65]

Tem o fim de proteger a ofendida distanciando dela seu algoz. Configura espécie de separação de corpos e como as demais de natureza cível ou familiar é resultante de um crime perpetrado no ambiente doméstico, familiar ou numa relação intima de afeto, assim, pode ser requerida liminarmente perante o juízo criminal. Nesse rumo segue DIAS (2010, p. 112 e 113), ao dizer "uma vez concedida à liminar, o expediente deve ser enviado à Vara Cível ou de Família".

Assim, evita-se que o agressor, via telefone ou qualquer outro meio, importune a vítima e a prejudique em suas atividades habituais ou profissionais. Precisa ser cuidadosamente dosada quando de sua aplicação, analisando-se o caso concreto, pois haverá situação em que agressor e vítima, familiares dela e testemunhas freqüentarão o mesmo lugar por força de ocupação profissional.

2.1.4 Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores

A depender do comportamento agressivo e violento do ofensor colocando em risco a segurança ou o desenvolvimento psicossocial dos dependentes, o juiz pode determinar que o mesmo os veja na presença de terceiros ou que proíba seu acesso a eles, provisoriamente, enquanto não cessar sua "periculosidade".

Em que pese à lei referir-se a dependentes menores, explica que se deve empregar, a esse dispositivo, interpretação extensiva alcançando os incapazes de um modo geral. Para tanto, antes de decidir, a equipe multidisciplinar ou serviço similar deve ser consultados tendo em vista o agressor, apesar do conflito com a mulher, ter um bom relacionamento com os dependentes[66]

2.1.5 Prestação de alimentos provisórios ou provisionais

São destinados a suprir a ofendida dos meios necessários a sua manutenção enquanto não resolvido a lide, ou seja, não decidida à ação de alimentos que será possivelmente impetrada. Observa-se que esse instituto apresenta duas finalidades; a de manter a subsistência da vítima e, conseqüentemente, ainda que abstratamenteencorajar-lhe a denunciá-lo.

A concessão dessa medida aos filhos em decorrência da situação de violência doméstica, frente ao caráter emergencial. Explica que a concessão a mulher é em relação à violência suportada e aos filhos pelas dificuldades que ela terá para alimentá-los sozinha[67]

O parágrafo 3º do artigo 22 trás mais uma previsão coercitiva no sentido de valer-se o juiz, de oficio ou a requerimento, dos meios necessários a efetivação de suas decisões judiciais, inclusive com requisição de força policial. Nesses termos, O § 4.º da lei remete ao art. 461, §§ 5º e 6º, do CPC, os quais possibilitam ao juiz, dependendo da tutela específica, impor multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva[68]

2.2 Das medidas dirigidas à ofendida

Essas medidas estão previstas no art. 23 da Lei 11.340/06 o qual prescreve que o juiz poderá, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas, aplicar as medidas previstas neste artigo.De igual forma as demais medidas protetivas essas medidas apresentam-se como rol não exaustivo, sendo possível, o juiz, socorrer-se de outras medidas quando necessário a proteção da vítima e de sua prole. Uma vez recebido o pedido o juiz decidirá em 48 horas e no caso de prisão do agressor a vítima será informada sobre a entrada e saída do agressor da prisão.

2.2.1 Encaminhamento da ofendida e de seus dependentes a programas oficial ou comunitário

A lei em apreço possibilita a ofendida e seus dependentes o acolhimento em centros de atendimento integral e multidisciplinar, programas oficias de atendimento e casas de abrigos, entre outros, esboçados no artigo 35, locais para onde pode ser encaminhada a vítima e sua prole[69]

Ressalta-se que a concessão dessa medida pode ser determinada pelo juiz – art. 23, I, ou pela autoridade policial – art. 11, III, quando do atendimento da ocorrência verificar risco de vida deverá fornecer transporte à ofendida e seus dependentes a lugar seguro ou para abrigo.No caso da medida ser solicitada na ocasião do registro da ocorrência perante a autoridade policial esta deve encaminhar o pedido, em expediente apartado, ao juiz no prazo de 48 horas – art. 12, III.O Ministério Público no uso de suas atribuições administrativas pode requisitar a autoridade policial ou determinar a efetivação dessa medida[70]

Então, verifica-se que o objetivo da presente medida pode ser alcançado tanto na via cível como na via criminal.

2.2.2 Recondução da vítima bem como seus dependentes

É assegurado à vítima e seus dependentes o direito de retorno ao lá caso o agressor a tenha expulsado de casa ou por ter ela fugido para livrar-se dos maus tratos a ele atribuídos. Para o exercício desse direito, caso o ofensor tenha permanecido no domicilio, é necessário o juiz determinar o afastamento dele da residência. Resta claro que em situação de violência doméstica e familiar é prioridade da ofendida e seus dependentes permanecerem do domicilio.

Maria Berenice Dias ao dizer que essa medida e a do afastamento do lar são de natureza familiar cabendo à ofendida faculdade de requerê-la por duas vias; uma administrativa em pedido formulado perante a autoridade policial, caso que não precisará de advogado e outra perante o juízo cível por petição embasada no art. 282 do CPC, representada por procurador[71]

2.2.3 Afastamento da ofendida do lar

Pode haver situação em que a ofendida entenda, por circunstancia tantas; seja porque mora com o agressor na residência dos pais ou de familiares dele, seja conveniente sua saída do domicílio conjugal, não configurando o abandono do lá previsto no CPC. Com isso, terá resguardado todos os seus direitos inerentes a bens, guarda dos filhos e alimentos, art. 23, III[72]

Além disso, a vítima, representada por advogado ou defensor publico, pode pedir junto a vara criminal ou ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar, o afastamento dela ou do agressor da lar conjugal com base no inciso VI do art. 888 do código processo civil: "O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da ação principal ou antes de sua propositura: o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal[73]

2.2.4 Separação de corpos

Prevista no inciso IV do art. 23 essa medida pode decretada caso seja necessário para proteger a vítima e por fim a violência entre o casal, sejam casados ou em união estável. A vítima pode requerer por ocasião do registro da ocorrência perante a autoridade policial ou diretamente no juízo competente. Acrescente-se que o "código civil admite tutela antecipada na ação de dissolução de união estável, bem como prever o código processual civil, como medida cautelar, o afastamento temporário, do lá, de um dos cônjuges". Assim, pode ser requerida ou na delegacia de polícia, sem formalidades ou perante o juízo competente nos termos do CPC[74]

2.3 Das medidas patrimoniais

Para proteger a propriedade de bens adquiridos durante a sociedade conjugal e bens particulares da vítima, o juiz, pode impor, liminarmente, entre outras, medidas que restrinja ou suspenda o direito ou o acesso do agressor quanto à administração ou a disponibilidade sobre os ditos bens. Lembra Maria Berenice Dias que essas medidas são de cunho familiar, fato que pode ser requerida, acompanhada de advogado, mediante ação cautelar nos termos do art. 888, I, do CPC, perante os JVDFMs ou juízo cível. Contudo, se solicitadas perante a autoridade policial não precisa de procurador[75]

2.3.1 Restituição de bens

Ocorre quando o agressor apodera-se indevidamente dos bens da ofendida, ocasião que sendo identificados os bens subtraídos, estes serão, de imediato, determinado sua devolução a vítima. Pode haver situação, como adverte CUNHA que dentre os bens do ofensor não se vislumbre quais bens pertence ao patrimônio da ofendida, caso que seria pertinente o arrolamento, nomeando-se ela como depositária fiel[76]

2.3.2 Suspensão das procurações

Trata das autorizações que, porventura, a vítima tenha conferido para que o agressor agisse em nome dela, como se fosse a própria. Esse mandato expressa uma relação de confiança entre mandante e mandatário que acaba sendo quebrada com a situação de violência doméstica e familiar praticada pelo mandatário a parte autorizadora. Nesse sentido expressa-se o doutrinador Rogério Sanches Cunha;

Ao prever a suspensão da procuração, tratou o legislador, à evidência, do denominado mandato expresso e escrito. Ao lado desses, porém, há também o chamado "mandato tácito", apontando a doutrina como exemplo de especial interesse [...], art. 1643 do código civil. [...] pode os cônjuges, independentemente de autorização um do outro: I – comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica; II – obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir[77]

Extrai-se que "essas procurações sãos os instrumentos de mandatos disciplinado no art. 653 e os mandatos judiciais no art. 692, ambos do código civil, para as quais não há previsão de suspensão, mas de revogação". Ademais, diz que "para que ela surta efeito perante terceiros de boa fé estes, além do mandatário, devem ser cientificados, art. 686, do CC"[78].

De qualquer sorte agindo o agressor sob autorização expressa ou tacitamente da vítima será obstado, provisoriamente, por ato do estado-juiz, de prosseguir com o exercício de tal direito, exceto se munido de autorização judicial. A concessão desse instituto deve ser oficiado ao cartório competente.

Visa resguardar a não dilapidação do patrimônio comum do casal impedindo, de imediato, que o suposto varão agressor compre, venda, loque, em fim, veda a prática de atos e contratos referente a bens móveis, imóveis e semoventes, previsto no código civil. O varão supostamente ofensor só poderá celebrar os atos e contratos provido de autorização judicial. Esta precaução é para que a vítima não seja compelida ou ludibriada a concordar em negócios dos bens móveis e semoventes ou exercer outorga uxória, no caso de bens imóveis.

2.3.3 Prestação de caução provisório

Se da prática da violência doméstica e familiar contra a vítima resultar danos materiais ou perdas o juiz determinará ao agressor que faça depósito judicial como forma de caução (art. 330 do CPP) para garantir o reembolso à vítima dos prejuízos que lhe causou. Cunha comenta que é medida preparatória da ação principal que servirá de garantia para a execução da decisão sentencial que responsabilizou o ofensor a indenizá-la. Acrescenta que "tem como espécie a fiança prevista código adjetivo penal, destinada a satisfazer o dano exdellito"[79]. Nesse ponto, para garantir a integridade física da vítima, entendo ser possível fiança policial apenas para danos materiais. Nos demais casos de lesão envolvendo a própria vítima fica a cargo do juiz a concessão da fiança.

2.4 Da prisão preventiva

Preconiza o artigo 20 que em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial[80]A Lei acrescentou o inciso IV ao art. 313 ao código de processo penal mais uma hipótese de prisão preventiva para garantir a execução das medidas protetivas de urgência quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, estendendo a pessoas masculinas vulneráveis:criança, idoso, deficiente. O juiz pode revoga-la ou novamente decretá-la, sobrevindo razões que justifica o encarceramento do agressor[81]

Rogério Sanches Cunha salienta que as medidas protetivas elencadas na lei em apreço são todas de natureza extrapenal e por isso a prisão preventiva só tem cabimento se a outra medida anteriormente imposta for desrespeitada para o cometimento de crime. Caso contrário, se concedida pelo mero desrespeito à outra medida em execução, estaria legislando prisão civil o que não é tarefa do julgador. Tal medida como as demais duram enquanto comprovada a necessidade de proteger a vítima.

Nos termos do código processo penal a decretação da prisão preventiva leva em conta as condições objetivas de admissibilidade, requisitos e fundamentos, que serão obrigatoriamente observados e fundamentados na decisão judicial quando de sua aplicação. Salienta Nestor Távora (2010) a possibilidade de aplicação de prisão preventiva deriva da integralização do binômio fumus commissi delicti e peculumlibertatis previstos no art. 312 do CPP. Assim, como medida cautelar reclama a necessidade de estarem presentes no delito em apuração dois pressupostos que constitui a justa causa materializada no fumus commissi delicti:

  • a) Indícios suficientes de autoria – que haja vínculo de que tenha o investigado ou acusado concorrido para a existência do crime ou cometido o delito e;

  • b) Prova da existência de um crime – demonstração da materialidade delitiva.

Ademais, os fundamentos estabelecidos, ainda, no art. 312 do CPP vislumbram existir o periculum libertatis demonstrado de forma concreta. Não permite presunção abstrata[82]de que uma futura ação do agente interfira prejudicando de algum modo a persecução penal (aplicação da lei penal e instrução criminal) e a ordem pública ou econômica:

  • c) Garantia da ordem pública ou econômica – é necessário que haja demonstração concreta, comprovação do risco de que o infrator em liberdade continuará a delinquir, desrespeitando outra medida protetiva anteriormente imposta, retirando a paz e a tranquilidade da entidade familiar e da comunidade.

"As expressões usuais, porém evasivas, sem numa demonstração probatória, de que o individuo é um criminoso contumaz, possuidor de uma personalidade voltada para o crime etc., não se prestam, sem verificação, a autorizar o encarceramento"[83].

Partes: 1, 2, 3


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