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Breves considerações relativas às modificações introduzidas pela Lei Nº11.340, DE 07 de agosto de 20 (página 2)

Roger Spode Brutti

Interpretação contrária ao que se disse acima se opõe abruptamente com a norma como um todo, bem como, inclusive de forma curiosa, com determinados dispositivos do novo texto legal tais como o contido no art. 7º, III, onde consta que se consubstancia como espécie de violência sexual "contra a mulher" aquela que a force à gravidez ou ao aborto. De facto, o homem não poderia enquadrar-se, pelo menos na atual fase da biogenia,[2] na hipótese aventada. 

TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ABARCADOS PELA NORMA

É importante ressaltar que a Lei nº11.340/2006 abarcou para si quatro hipóteses de violência contra a mulher, quais sejam:

1.  A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA, entendida esta como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

2.  A VIOLÊNCIA SEXUAL: entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

3.  A VIOLÊNCIA PATRIMONIAL,  entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; e a

4.  VIOLÊNCIA MORAL, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

DO ATENDIMENTO DA MULHER PELA AUTORIDADE POLICIAL

A partir do capítulo III da Lei em estudo, em seu art. 10, o legislador passou a delinear os seus comandos à autoridade policial.

Com efeito, cabe à autoridade policial, no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar,  entre outras providências:

1.  GARANTIR PROTEÇÃO POLICIAL, QUANDO NECESSÁRIO, COMUNICANDO DE IMEDIATO AO MINISTÉRIO PÚBLICO E AO PODER JUDICIÁRIO: certamente, aqui, o exegeta depara-se com comando genérico. Não sendo específico o mando, acaba-se prejudicando o correto esclarecimento às vítimas de violência sexual no que consistiria o seu direito à proteção policial. Indubitavelmente, não diz respeito à proteção na forma de guarda, nas adjacências ou fora dos estabelecimentos policiais, porquanto não há a mínima estrutura perfectibilizada pelo Estado nos seus Órgãos para isso. Dessarte, percebe-se que se está referindo a norma à normal proteção que a autoridade policial deve conceder à mulher, quando do atendimento, e tão-somente durante o atendimento, das ocorrências policiais que lhe surgirem envolvendo violência contra a sua pessoa. A propósito corroborando-se o que se disse acima, o art. 35, II, estabelece que a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências, casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar, ou seja, além de ser uma faculdade, trata-se de uma possibilidade estabelecida somente para o futuro;

2.  ENCAMINHAR A OFENDIDA AO HOSPITAL OU POSTO DE SAÚDE E AO INSTITUTO MÉDICO LEGAL: neste aspecto, já é costumeiro à Polícia Militar ou à Polícia Civil assim atuar, restando agora uma legalização que concede um direito subjetivo à mulher de exigir o que lhe já era concedido pela prática ordinária;

3.  FORNECER TRANSPORTE PARA A OFENDIDA E SEUS DEPENDENTES PARA ABRIGO OU LOCAL SEGURO, QUANDO HOUVER RISCO DE VIDA: aqui surge problemática a ser sanada em tempo futuro, pois não se sabe a que abrigo a mulher-vítima seria encaminhada hodiernamente, enquanto não forem criados os estabelecimentos à luz do art. 35 da Lei em análise. Outrossim, no que tange ao transporte a ser garantido pela autoridade policial, também vale salientar que há referida carência na realidade hodierna da polícia brasileira, onde a viaturas oficiais servem, tão-somente, às diligências de costume, mormente nas circunscrições do interior onde há somente uma ou duas à disposição das polícias locais;

4.  SE NECESSÁRIO, ACOMPANHAR A OFENDIDA PARA ASSEGURAR A RETIRADA DE SEUS PERTENCES DO LOCAL DA OCORRÊNCIA OU DO DOMICÍLIO FAMILIAR: quanto a este comando, a prática ordinária já levada a efeito pelas Polícias Civil e Militar não difere em nada, restando doravante, outrossim, apenas um direito subjetivo da vítima mulher concretizado pelo legislador, onde ela poderá exigir o que lhe já era concedido costumeiramente, sem qualquer exigência legal,  pela prática policial; e

5.  INFORMAR À OFENDIDA OS DIREITOS A ELA CONFERIDOS NA LEI E OS SERVIÇOS DISPONÍVEIS: neste tópico, parece que o legislador já estava, ao tempo de elaboração da Lei, ciente das várias carências materiais da polícia brasileira, ocasião em que determinou à autoridade que dê ciência à mulher dos direitos que lhe assistem, mas também que lhe dê ciência acerca de quais deles "encontram-se disponíveis".

DO ATENDIMENTO À MULHER APÓS A LAVRATURA DO REGISTRO DE OCORRÊNCIA POLICIAL

Outrossim, em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, determinados procedimentos, sem prejuízo daqueles já previstos no Codex adjetivo penal brasileiro.

Dentre eles, o que chama mais a atenção por seu caráter de novidade é o fato de que a autoridade policial deverá remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência, entendidas estas como alguns direitos subjetivos postos pela norma à disposição da vítima mulher tais como, v.g., o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, bem como sua proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando-se o limite mínimo de distância entre estes e o agressor (art. 22 da Lei nº11.340/06).

A ELABORAÇÃO DE INQUÉRITOS POLICIAIS REFERENTES A FATOS ENVOLVENDO VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Consoante reza o art. 41 da Lei em comento, não se aplica os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Dessarte, o Delegado de Polícia não mais deverá constituir termos circunstanciados a respeito das infrações de menor potencial ofensivo praticadas contra a mulher, ainda seja uma simples ameaça, uma injúria, uma lesão leve ou uma simples contravenção de vias de fato a se apurar.

Com efeito, nesta esteira, deve a Polícia Judiciária elaborar inquérito policial a respeito, embora seja cediço que a constituição de termo circunstanciado seja procedimento policial mais célere. E pior que a possível morosidade que a nova sistemática processual poderá trazer ao sistema penal brasileiro é o fato de que, caso não haja bom senso nas atividades policiais por esse Brasil, haverá indiferentes prisões em flagrante pela prática dos mais variados soft crimes praticados contra pessoas do sexo feminino, ou seja,  haverá sujeitos encarcerados por haverem desferido um simples tapa na esposa ou namorada, por haverem-nas ameaçado de agressão ou, ainda, por haverem-nas, tão-só, injuriado.

Como se sabe, o encarceramento da pessoa humana, ainda mais em um sistema prisional assoberbado de delinqüentes da mais alta periculosidade como o brasileiro, é medida extremada a ser levada a efeito apenas em última hipótese, nos delitos de inexorável gravidade, conjuntura em que a autoridade policial deverá estar sempre atenta ao fato em concreto.

Percebendo o Delegado de Polícia, pois, constituir-se uma desproporção o encaminhamento do agressor ao estabelecimento prisional, nas hipóteses de prisão em flagrante conjugada com a impossibilidade de pagamento de fiança por parte do autor, deverá fundamentar seu decisum pela opção de instauração de inquérito policial por portaria.

CONCLUSÃO

Dessarte, como se vê, o [3] do idoso,[4] do consumidor,[5] etc., proteger  agora, em especial, a mulher.

Não obstante, restaram alguns mecanismos materiais a serem implementados, com o escopo de ser concedido suporte aos mandamentos legais, servindo como exemplo disso as casas-abrigos a serem criadas pelo poder público.

Além disso, percebeu-se que, se houver interpretação literal da Lei, será perfeitamente possível à autoridade policial prender em flagrante e encaminhar ao cárcere autores de soft crimes, situação que precisará contar com o adequado bom senso da autoridade policial  na aplicação correta da razão para julgar ou raciocinar em cada um daqueles casos particulares da vida cotidiana.

No tocante ao mais, compreende-se notadamente que o legislador andou bem, estabelecendo à mulher adequada e específica legislação que ao Poder Público já não mais era facultado permanecer em débito.  

 

 

Autor:

Roger Spode Brutti

rogerinteligente[arroba]yahoo.com.br

Delegado de Polícia Civil no RS. Graduado em Direito pela Universidade de Cruz Alta/RS (UNICRUZ). Mestrando em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Universidade Franciscana do Brasil (UNIFRA). Especializando em Segurança Pública e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). Professor Designado de Processo Penal da Academia de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul (ACADEPOL/RS).


[1] Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

 I - ...........................;

 II -..........................;

 III -

 Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

[2] Biogenia significa o estudo da evolução dos seres vivos

[3] LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.

[4] LEI Nº 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.

[5] LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.



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