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A composição do gênero feminino no campo das religiosidades (página 2)

Darci Soares de Souza Júnior

Sabe-se que o traço marcante na história constitui a de escrevê-la conforme a perspectiva dos que tiveram o poder, seja econômico, político, cultural, segundo Bedegain. Baseado em informações como essas elucida-se que necessita-se conhecer melhor esta composição, pois mulheres que pautadas na ética e na seriedade, auxiliam instituições a serem grandiosas, sem serem impessoais, vibrantes sem perder a visão, devem ser modernas, sem perder-se nesse modernismo. Buscar o essencial o importante: tratando pessoas como pessoas e não apenas como números de seus quadros de associados.

Pesquisas e avaliações são realizadas atualmente, mas somente com o aprofundamento das mesmas serão abarcados novos fatos, relatos e conhecimentos. Pois o desejo de conhecer esta composição torna-se grande, por isso, serão levantados vários pontos, para que possam ser respaldado nessa releitura da mulher.

Vislumbra-se que ao longo da historiografia muitos historiadores se tornaram "presas" frágeis nesse processo, mantendo-as em segundo plano, o que também consiste em uma forma de discriminação. Muitos textos reforçam esse argumento em relação ao preconceito às mulheres, ao deixar de citá-las, contempla assim, que mais uma vez as mulheres ficam escondidas na história, mesmo com provas de sua participação e resultados alcançados. As mesmas ficam totalmente fora do foco de discussão sendo citadas apenas quando não há meios de fugir dessas aplicações históricas.

Analisando textos da Idade Média, observa-se que os verbetes para definir a mulher, servem unicamente para evocar a sua função principal: até a sua fraqueza física, garantia de submissão ao homem, favorece a procriação. (Thomasset, 1990, p 65).Nota-se que em vários relatos a afirmação unânime da necessidade da mulher apenas como ser reprodutivo sendo incapaz para outras funções, limitada para o trabalho, deficitária em emoções por chorar fácil, além de ser inferior ao homem. Esse era retratado como ser oposto, forte, defensor do espaço, conquistador e outros atributos escritos pelos próprios. Por ser assim afirma, Thomasset:

Esta adequação e esta redução a uma função permitem a todos os teólogos detractores da mulher fazerem economia de uma reflexão sobre a sua psicologia, considerando-a como uma força inquietante, como um corpo que escapa ao domínio de um espírito, como um ser governado pelos seus órgãos, e em particular os seus órgãos sexuais. (Thomasset, 1990, p.65).

Os exemplos são muitos e em diversas religiões: mulheres subjugadas por tudo que faziam, ou deixavam de fazer, porém os homens detinham o poder inclusive faziam tudo acontecer conforme o seu bem querer, reforçando assim, a tese da história contada pelo vitorioso.

Os historiadores não estão isentos dessas armadilhas, conforme já afirmado anteriormente, como também caem nesta linha tênue, continuando a descrever o homem como forte e poderoso. Wemple (1990) afirma que as mulheres no século V eram consideradas o sexo mais fraco e tinham espíritos instáveis. Por serem assim mais fracas deveriam ter uma vida mais austera, estarem enclausuradas e a gestão dos seus bens privados tinha de ser confiada a um terceiro. E acrescenta:

[...] Além do mais, tinham de velar a cara na igreja e manter-se cuidadosamente afastadas de qualquer contacto com os homens. Mesmo a sua comunicação com os padres era limitada – elas podiam confessar-se apenas em presença das outras irmãs. (Wemple, 1990, p. 252)

O embasamento para o pensamento de que à mulher somente caberia o direito de procriar, demonstra que nem os seus bens poderiam ser geridos por elas, deveriam estar nas mãos de alguém mais capacitado, evidentemente um homem. O simples ato de se confessar, o que consistia em um direito dado a todos, era diferenciado para os sexos. Enquanto ao homem poderia se confessar em um lugar reservado, às mulheres era necessário que se fizesse suas confissões em público e na presença de outras irmãs, expondo-as perante à comunidade religiosa. Se na idade média as mulheres eram consideradas sexo mais fraco e tinham espíritos instáveis, Wemple (1990) acrescenta:

As mulheres não podiam aproximar-se do altar, antes tinham de permanecer nos seus lugares, onde o padre deveria aceitar as suas oferendas. Com efeito, as mulheres, incluindo as freiras, não deviam tocar nos vasos sagrados ou nos paramentos consagrados, nem levar o incenso para o altar. (Wemple,1990. p. 252)

Um exemplo emblemático percebe-se em Humiliana, uma mulher burguesa que viveu por volta de 1300 e teve um casamento forçado com um homem mais velho que ela. Casamento de forte controle, que a impedia de realizar seus dons caritativos e religiosos. Ela era obrigada a trabalhar à noite, escondida, fazendo panos de lã e de linho para dar de esmolas. Isto tudo era bem diminuto devido ao controle exagerado de seu marido que ao morrer aparentemente oportuniza a Humiliana sua tão sonhada libertação, que permite que ela faça seus atos de caridade sem prestar conta a ninguém, pois, estaria livre dos espancamentos, opressões e submissões imposta, mas não foi isto que ocorreu, conforme ressalta Duby (1990):

No entanto, este tempo de independência não durou muito, pois pouco depois foi coagida - de forma esmagadora, como acentuou o seu biógrafo – a renunciar aos seus direitos de viúva e retornar a casa de seu pai. Se Humiliana tivesse sido uma mulher "normal", talvez esta nova sujeição à tutela tivesse sido evitada; mas o seu "exorbitante amor ao próximo" tornava necessária, aos olhos dos parentes, uma rápida intervenção. (Opitz, 1990, p. 419).

Sendo uma forma de controle, o retorno ao seu pai, significava novamente a renunciar a seus direitos, como também aos seus sonhos, por que ela aceitou essa nova determinação, essa nova sujeição? Percebe-se nessa mulher uma amor ao próximo muito intenso.

Era seu grande sonho ajudar o próximo, não seria sua grande chance? Porém ele se submete e cede em prol de alguém e permite que seu pai mais uma vez venha a lhe ser o seu "senhor". As mulheres sempre estarão neste patamar de altruísmo, se entregando por alguém. Uma vez que por volta do século XIII a pobreza do mundo, implicava diretamente também nas mulheres, pois, as mesmas por serem mães solteiras, viúvas jovens enfrentava com toda sorte de ataques, a situação vigente. Pequenos roubos, prostituição ou ao pecado da luxúria. Esses "pecados" já condenados pelo pregador popular Humberto de Romans que advertia... "Mulheres pobres das cidades contra a bruxaria, a credulidade e a mania das discussões – pecados que nasciam de existência miserável dos mais pobres dos pobres" (Opitz 1990, p 413).

Várias ações foram criadas e incentivadas pela Igreja Católica para ajudar essas mulheres a saírem da mendicância e da prostituição ou como foi dito "mulheres livres pobres, que queriam renunciar à sua vida pública de pecado e tornar-se melhores" segundo, Opitz (1990,p.413) "este foi o caso de Adeilaide de Thermannskirchen, que, comovida por um sermão mudou sua vida e foi para o convento das penitentes de Ratisbona no final do Século XIII" como uma pecadora arrependida, o bondoso Inocêncio III, em 1198, tinha:

Declarado obra benemérita o casar com uma prostituta para com isso a ajudar a sair da sua vida pecaminosa. Por se saber que só através do casamento ou de uma melhor assistência material uma prostituta tinha possibilidade de deixar a sua conduta pecaminosa. (Opitz, 1990, p. 413)

Percebe-se que se pudéssemos escutar essa mulher, a história poderia ser outra, pois, ela não ficou livre para ser uma pessoa normal, se manteve no casamento presa a um relacionamento que se mostrava piedoso, porém apenas na aparência, o que demonstra como era injusto o regime imposto às mulheres, aparentemente elas não tinham a menor chance de luta, somente por meio do matrimônio estaria pronta para uma vida de penitência e renúncia de uma vida pecadora. Estava livre? Ou presa em outro tipo de penitência?.

(RE) DESCOBRINDO A MULHER

Na sociedade atual percebe-se que esses preconceitos aparecerem de diversas formas, sejam no "cuidado" dos homens em não deixar suas mulheres trabalharem fora de casa com o absurdo pretexto que enquanto eles podem sustentá-las, mulheres deles não trabalham fora. Por puro machismo e medo do que as mulheres podem fazer. Por ser assim, Macêdo ressaltou que a mulher não se intimidou, ascendeu-se socialmente por meio do estudo, como também enfrentou o trabalho fora de casa.

[...] Nesse sentido, o desejo da presença cada vez maior nos espaços públicos, a programação do número de filhos, atualmente bem menor, a expansão da escolaridade e o acesso às universidades, dentre outros, têm sido fatores que influenciam incisivamente no aumento do ingresso feminino no mundo do trabalho. (Macêdo, 2003, p. 98).

São dados obtidos no discurso feminino que vem mostrando ao longo dos anos às transformações nos padrões de comportamento e nos valores relativos ao papel social da mulher. Segundo o IBGE 2000 (Goiânia –GO) os dados são impressionantes 30,9% de mulheres já são responsáveis pela família, índice maior que o do Estado de Goiás. Ao conhecer esse contexto reconhecemos que encontramos também o fato que hoje a mulher por estar um pouco melhor posicionada na sociedade denuncia com mais clareza as agressões e sofrimento do cotidiano, Reimer acrescenta:

No que se refere à análise da estatística da violência homicida, há uma novidade em relação aos anos 1970: agora é possível visibilizar a violência doméstica, ou a violência de gênero, porque mulheres e meninas começaram a falar, a denunciar os diferentes tipos de violência sofrida, especialmente na esfera doméstica. Essa prática de narrar ou escrever sobre as vivencias de violências, no entanto, é muito difícil. (Reimer, 2001, p 828)

E mesmo assim, o efeito do discurso dos homens ao longo da história ainda ecoa muito forte, segundo Macêdo, as falas que ela mais ouviu em suas pesquisas foram:

[...] sinto um pouco podada, ou seja, eu teria, eu estaria usando assim, uns 40% da minha capacidade. [...] o meu potencial não é levado a sério [...] então eu vejo essa falha muito grande, no sentido de reconhecimento profissional das pessoas que trabalham na empresa. E quando se trata de mulher, isso se torna ainda mais agravado. (Macêdo, 2003, p. 102)".

Nesse contexto compreende-se que as mulheres se queixam da falta de reconhecimento na empresa, além do assédio sexual gerar problemas emocionais. Macêdo complementa:

[...] me sinto mal.[...] o que me faz sentir mal aqui é não ter o devido reconhecimento. Às vezes eu me sinto subestimada, menosprezada, humilhada. Aqui, ser mulher paga um preço muito alto.[...] o preço de ter que entregar seu corpo ao assédio de diretor, ou mesmo de um gerente. Isso me deixa muito mal, muito triste. Você é pressionada o tempo todo, ou cede, ou sai, ou convive com a tortura das cantadas. (Macêdo, 2003, p. 103)

No mesmo ambiente organizacional encontra-se as mulheres inferiorizadas por ações dos homens nem sempre tão inconscientes de seus atos, sabedores que são que detêm o poder e afirmam, conforme Bidegain "depois que assumi a gerência, eu tive o poder na mão.[...] eu estou sentindo muito feliz".(Macêdo, 2003 p. 101) Em contra partida ao que as mulheres declaram, "eu venho para cá não porque gosto, porque aqui é muito bom, mas é porque eu preciso, entendeu"? (Macêdo, 2003, p. 103) observa-se então, na empresa um é um sentimento de fraqueza e frustração das mulheres, pois, elas percebem que as promoções acontecem mais rápido para os homens e que os salários são bem maiores que os seus inclusive com a mesma jornada de trabalho, responsabilidade e tempo de admissão na empresa.

Compreende-se então, que o homem normalmente se sente melhor em seu local de trabalho, quanto a segurança de provedor. Porém se exige muito da mulher, pois poderia ser mais produtiva, se doar mais, oferecer mais para sua família, seus empregadores e sociedade, Macêdo ressalta essa desigualdade:

O discurso masculino se apóia nas diferenças preservadas em culturas machistas e afirma que, na sociedade latina, a relação entre homem e mulheres no mundo do trabalho é desigual, pois a mulher é vista como caça, em relação de sua fragilidade e submissão. (Macêdo, 2003, p.104)

Afirmações que geram perplexidade, pois até quando as mulheres serão tão virilmente atacadas? Violentadas em seus mais simples desejos e ambições? São relações permeadas por estereótipos homens "versus" mulheres e perpetuadas por meio da cultura, bem como pelas imagens daquilo que deles se espera (Morgan, apud Macêdo) porém essas características são conhecidas e comuns. Visto desta forma por Macêdo:

Percebe-se que o discurso masculino, quanto às diferenças entre ser homem ou ser mulher do ponto de vista do trabalho, assume duas vertentes. Uma que confirma haver diferença, e mais uma vez se sustentando nas explicações naturais, em que o homem é quem naturalmente domina, decide e por isso deve ter cargos de chefia. Esses pré-requisitos garantem-lhe maiores salários, viagem a serviços, uma vez que é mais racional e objetivo. E em contrapartida, tomam a mulher como submissa, dependente, mais indicada, devido às suas habilidades naturais, para tarefas operacionais, o que lhe confere um menor salário. Atribui às mulheres a responsabilidade de cuidar da família e a eles de prover. (Macêdo, 2003, p. 108).

Mesmo com todo o "avanço" intelectual, tecnológico deparamos com mulheres presas em agressões e humilhações do passado, porque o discurso dos homens nas organizações ainda está carregado de conteúdos ambíguos, pois, ao mesmo tempo em que afirma, ele nega condições e situações que possam ser vividas pelas mulheres, Macêdo explicita:

Exemplo disto é que o mesmo discurso que percebe a mulher brasileira participativa e sem restrições no mercado de trabalho, ainda não consegue aceitar a possibilidade de dois profissionais de sexos opostos de suas organização viajarem juntos a serviço. (Macêdo, 2003, p. 109).

Outro dado interessante consiste no fato das mulheres procurarem as instituições religiosas mais tradicionais para que essas possam lhes auxiliar na melhor conduta de seus cônjuges e afirmação na sociedade. Bidegain afirma:

As mulheres protestantes valorizam estas igrejas (pesquisa realizada no México) por que as ajudam a reformar os seus maridos e porque recuperam parte de seus salários que talvez fossem investidos nos "vícios". Não tem preocupação acerca de se seus esposos voltarão ou não para casa depois do trabalho ou se deixarão parte de seus salários nos botequins e bordéis. (Bidegain, 1996, p. 102-103)

Sendo assim, a religiosidade se apresenta como aliada da mulher, ou protegendo o seu espaço e a apoiando na melhoria de suas relações. As atividades religiosas libertam as mulheres do claustro doméstico, sentido o amparo dos membros dessa comunidade religiosa, os homens em alguns casos acabam por concordar com as regras e ritos mesmo não freqüentando "religiosamente" essas igrejas ou instituições. O que reforça esse argumento é que as igrejas dispõem para seus membros de farta literatura, visando o fortalecimento da relação conjugal, quanto aos filhos, família, debates em reuniões e encontros, Segundo Bidegain:

(a mulher)...Ao pertencer a uma igreja protestante, revaloriza-se a si mesma através dos cargos ou posições adquiridas na congregação religiosa, ou dos dons espirituais carismáticos. A aquisição de uma identidade mais positiva de sua pessoa permite-lhe confrontar-se e relacionar-se com os homens de sua família a partir de uma posição mais eqüitativa. (Bidegain, 1996, p 104)

Complementa-se então, que a mulher não está tão invisível assim, pois precisa ser redescoberta, além de valorizada em todas as áreas de sua vida: econômica, social, política e religiosa. O peso do aspecto simbólico desta dominação homem versus mulher segundo Chartier constitui-se em:

Um objeto maior da história das mulheres consiste no estudo dos discursos e das práticas que garantem o consentimento feminino às representações dominantes da diferença entre os sexos. (Chartier apud Aguiar, 1997, p 106, 107).

Observa-se essa diferença entre os sexos como:

Uma diferença de ordem natural, radical, irredutível, universal. O essencial é identificar, para cada configuração histórica, os mecanismo que enunciam e representam como "natural" e biológica a divisão social dos papéis e das funções. (Aguiar, 1997 p 107)

Bidegain demonstra que no primeiro momento, a mulher revelava revolta, amargura ou raiva, mas aos poucos buscava se autovalorizar, fazendo emergir suas potencialidades reprimidas e lutando contra a cultura patriarcal. Pois tendo de ir à luta para defender os filhos, seu trabalho e aqueles que de alguma forma dependiam de sua força produtiva. Reimer adverte que a mulher está sobrecarregada e explorada em jornadas duplas ou triplas de trabalho, sendo assim:

Mesmo que o processo de incorporação das mulheres no mercado de trabalho seja mais dinâmico do que para os homens, elas ainda continuam realizando os trabalhos tradicionalmente destinados a mulheres: o doméstico remunerado continua sendo a ocupação principal das mulheres brasileiras; 80% dos trabalhos remunerados são os que representam uma "extensão" do lar (costureiras, cozinheiras, faxineiras, enfermeiras, professoras etc). (Reimer, 2001, p 830)

A (re) descoberta dessa mulher tão atuante e ao mesmo tempo pouco valorizada pode estar relacionada com o fato de que na verdade a mulher aceite essa condição simplesmente pelo fato que este determinismo possa fazer com que ela sobreviva ou possa se deslocar mais facilmente, quer seja nas instituições ou na própria sociedade, visto que a dominação dos homens começa dentro nos lares nessa condição de sociedade patriarcal. Aguiar (1997) acrescenta:

A aceitação pelas mulheres de determinados cânones não significa, apenas, vergarem-se a uma submissão alienante, apenas, mas, igualmente, construir um recurso que lhes permitam deslocar ou subverter a relação de dominação. (Aguiar,1997,p 107)

O pai foi instituído líder da família tanto na narrativa Bíblica quanto no Alcorão. Sendo assim Dutra (2005) elucida:

Antes de discutir essa questão precisamos saber de antemão o que é machismo [...]: a palavra machismo está associada ao sistema patriarcal (sistema familiar e social ensinado na Bíblia, no Alcorão e em outros livros também religiosos). (Dutra, 2005,p 1)

Mesmo os direitos Humanos concedidos dentro dos padrões patriarcais domina e oprimem a mulher, conforme afirma Reimer:

[...] a partir da biologização de sua identidade, testemunham, no seu revés, exatamente a história de opressão das mulheres confinadas ao domínio privado e controladas por um homem que lhe é superior (pai ou marido). Essa privatização invisibilizou as violações dos direitos humanos das mulheres e, com isso, essas violações contra as mulheres foram esvaziadas de seu sentido público, conseqüentemente, do seu significado político. (Reimer, 2001, p 830)

O feminismo vem para contrapor essa ordem e mostrar uma nova face para discussão, conhecimento e protesto, Dutra (2005) ao descrever sobre o sistema patriarcal, registrou que a palavra feminismo está associada a movimentos anti-patriarcalistas e o sistema matriarcal, sistema teórico em que a mãe é a líder da família.

O que se prima nesse estudo tem sido a natureza, a maneira quase sempre preconceituosa e antiquada de se tratar às mulheres nas relações de trabalho, no lar, nas instituições religiosas e nos formadores de opinião que insistem ainda hoje na afirmação da fraqueza da mulher, forçando assim, um determinismo social para elas. Dutra ao comentar sobre estas relações apresenta que hoje em dia é natural que a mulher queira participar do mercado de trabalho e, certamente, ela deve ter liberdade para realizá-lo, porém sua principal tarefa não consiste em sustentar o lar. Por ser assim, complementa com o depoimento de uma feminista. Feghali (2005) que alerta:

No entanto, apesar das conquistas, entramos no século XXI com realidade e dados que nos remetem a séculos anteriores. Mulheres ainda morrem ao parir seus filhos, apanham dos companheiros como se propriedade fossem, recebe salários menores ao exercerem a mesma função que homens, empobrecem velozmente e acessam com muita dificuldade os espaços de poder. (Feghali, 2005, p 1).

Elucida-se então, que o século XXI não consegue romper com uma história de discriminação e falta de valorização da mulher. Pois existe ainda a resistência, como também a negação da dominação masculina nem sempre tão sutil. Segundo Aguiar , a noção de resistência torna-se, dessa forma, fundamental para compreender essa dinâmica de dominado e dominador na relação homem versus mulher. Sendo assim, esse autor esclarece:

Assim, definir os poderes femininos permitidos por uma situação de sujeição e de inferioridade significa entendê-los como uma reapropriação de um desvio dos instrumentos simbólicos que instituem a dominação masculina, contra seu próprio dominador. (Aguiar, 1997, 107).

Observa-se então, que existe uma forte mobilização, em conscientizar para que a mulher obtenha uma cidadania completa, Reimer (2001) demonstra que isso vem acontecendo de maneira solidária e corajosa, por isso reafirma:

[...] Colocam novos impulsos e desafios para o exercício de uma cidadania responsável e solidária, na construção de uma vida digna e prazerosa para todas as pessoas. (Reimer, 2001, p. 831)

Diversas historiadoras têm se baseado nesse referencial de reconstrução da atuação feminina, tais como: Neuma Aguiar, Michelle Perrot, Natalie Davis, Arlette Farge, Maria Odila da Silva Dias, Aguiar acrescenta:

Que a abertura dos historiadores para os papéis informais, visíveis apenas através do enfoque do cotidiano obtendo pistas para atingir o objetivo da reconstrução da experiência concreta na criação de sua própria história. (Aguiar, 1997, p. 108).

DESAFIOS AS MULHERES

Se no mundo moderno a mulheres reconquistam o direito civil que o antigo regime havia lhe negado: direito à liberdade, à propriedade, à segurança e resistência à opressão, segundo Macêdo (2003), "as mulheres foram mantidas em seus devidos lugares" (Powell apud Macêdo) reforçando a esfera familiar e espaços de suportes afetivos, pois, como já analisamos independência, agressividade e dominância sempre serão associados aos homens e a sensibilidade às mulheres, pois a história foi registrada sob a ótica masculina, segundo afirma Macêdo (2003):

Por fim, mesmo que a mulher tenha alcançado espaços no mundo do trabalho extra-lar, ainda é necessário reconhecer o processo de opressão e discriminação sofrido por ela, tanto no mundo público como no privado onde a ciência ficou sendo privilégio quase exclusivo do masculino. Assim, muito do que se escreveu sobre a mulher faz parte do que os homens pensaram sobre elas, numa cultura patriarcal, no desenvolvimento da sociedade humana. (Macêdo, 2003, p. 20).

As mulheres vivem hoje um movimento pós-feminista, depois de enfrentarem tantas lutas, tantos preconceitos, lutar pelo direito ao trabalho, ao voto, aos direitos iguais contempla-se também as discussões em torno das questões de gênero, a luta de direitos iguais. Macêdo (2003) acrescenta, "o direito inalienável de todas ao controle sobre o próprio corpo e gozo de sua sexualidade". No passado as mulheres tiveram que passar por humilhações e zombarias para que estes direitos fossem conquistados. Laraia (1999) nos apresenta o seguinte argumento:

...Ao contrário de sua mãe, pode ceder um beijo ao namorado em plena luz do dia. Tais fatos atestam que as mudanças de costumes são bastante comuns. Entretanto, elas não ocorrem com a tranqüilidade que descrevemos. Cada mudança, por menor que seja, representa o desenlace de numerosos conflitos. (Laraia, 1999, p. 103).

Como também as mulheres já estavam empenhadas nessa luta pelo direito de outras pessoas e no caso do seu direito? Se ainda hoje a luta é desigual, Reimer (2001) declara a situação dessa mulher:

Mas também sabemos que mulheres construíam seus espaços e estratégias de práticas cidadãs: as mais ricas e nobres tinham certa influencia política na vida da cidade, geralmente numa postura conivente com a política dos homens-chefes, e às vezes em oposição a eles na defesa da vida de pessoas ameaçadas em sua dignidade. As mulheres mais pobres e trabalhadoras exerciam sua influência nas cooperativas e sindicatos chamados de mulheres na defesa da vida e de direitos de outras pessoas, pois isso sempre existiu na vida das mulheres. A questão é: quais os poderes e recursos legais que uma mulher tinha quando se tratava da defesa de seus próprios direitos? O que aconteceria com mulheres sós, viúvas, sem filhos, quando sofriam violação de seus direitos? (Reimer, 2001, p. 840).

Esses são os ambientes ainda encontrados nos dias de hoje, as mulheres estão modernas, livres, intelectuais, ocupam cargos de chefia, porém, ainda devem lutar pela sua condição, pela sua atuação, cientes que hão de ter direitos iguais aos dos homens. Mesmo com leis, delegacias especializadas na mulher, mudar o preconceito, a maneira absurda a que são tratadas ainda torna-se um desafio, e não somente da mulher, porém de toda a sociedade que se diz moderna e atuante.

A mulher ao denunciar as injustiças se torna ameaça para os poderes estabelecidos, segundo Reimer (2001) a "estratégia do exercício de cidadania requer persistência [...] é cansativo e estressante para quem requer seu direito, mas também é construtivo". (Reimer,2001, p 841) Borges nos alerta, "nós mudamos constantemente; isso é válido para o individuo e também é válido para a sociedade". (Borges,1993, p. 50). Essas mudanças devem realmente caber a mulher, mostrar que frágil não é sinônimo de fraqueza, que ser sensível, não a impede de tomar decisões importantes e duradoras, não denotando vergonha, demonstrar que querem ser protegidas, amadas, como também respeitadas. Vencer essas barreiras parece ser o dilema enfrentado pela mulher moderna: conciliar seus interesses exigidos pela sociedade atual, tais como, crescimento pessoal,

estudos, trabalho, com seus interesses mais íntimos, complementação afetiva, maternidade, criação dos filhos e realização pessoal.

Pinheiro em artigo para a Revista Veja de março de 2005, afirma que as mulheres simplesmente não querem se parecer com os homens e declara:

Ao longo da evolução da espécie humana elas fizeram escolhas que as levaram a desenvolver outras habilidades mentais e corporais mais sublimes e vitais para a sobrevivência da espécie, sua evolução cultural e tecnológica. Ao contrário dos animais, os bebês humanos nascem totalmente desaparelhados para a vida. [...] características que deram tempo necessário para exercer o papel – de nutrizes e de fontes de carinho – de transmissoras da cultura familiar de uma geração para a seguinte. (Pinheiro, 2005, p 85)

Essa força motivadora constitui a mulher, como um ser social, tão importante e segundo Aguiar "criatividade, sensibilidade e imaginação tornam-se fundamentais na busca de pistas que permitam transpor a invisibilidade e silêncio do passado feminino" (Aguiar, 1997, 113) e:

Estamos, assim, preparadas para fazer frente àqueles que, na Academia, ainda, não nos reconhecem como parceiras plenas; tentando relegar-nos a posições periféricas face ao caráter secundário de nossas preocupações. (Aguiar,1997, p 113)

Baseando nesses argumentos, salienta-se a necessidade urgente da mulher marcar presença nos estudos e pesquisas, ser reconhecidas como conhecedoras do saber, capazes de fazer frente a tanto preconceito e falta de vontade de mudança. Essas forças não são tão inconscientes assim, que mesmo os detentores do poder, insistem em perpetuar a crítica à mulher como ser inferior, fraco, frágil, importante somente pela sua característica ímpar de procriação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo teve por objetivo analisar as potencialidades existentes na mulher ao longo da história, buscar explicação porque embora sendo forte, poderosa, essa mulher foi omitida na história, ficando renegada ao plano de vencida e não é destacada.

O problema levantado para nortear esse trabalho consiste em mostrar a necessidade de se escrever sobre a mulher, fugindo do olhar estereotipado do homem: vencedor e detentor da força. Se na história tudo é fugaz como demonstrado anteriormente, torna-se imperativo registrar, o reconhecimento dessa mulher, como um brado, um grito de independência nesta dominação vil que os homens e os detentores da "caneta" tem ao descrever as histórias. Isso sem dúvida denota cidadania, homens e mulheres sabendo dividir seus espaços sem concorrência, sem agressão, Reimer (2001), alude a que esperança faz parte deste "jogo" e apresenta a cidadania como:

Um exercício da cidadania é um constante, nem sempre ascendente processo de "alfabetização" integral, de procurar entender a vida naquilo que ela tem de mais bonito e mais feio, enquanto vivemos. Por isso, o exercício da cidadania deve estar permeado pela esperança das coisas boas e prazerosas que ainda não se vêem, mas das quais temos certeza absoluta de que podem existir. A nossa análise e a nossa denúncia devem ser claras, e o nosso anuncio deve conter coisas realizáveis a curto, médio, e longo prazos. Assim podemos ser construtoras e construtores da esperança, lutando contra toda e qualquer forma de analfabetismo. (Reimer, 2001, p. 845)

Construtores que pretendemos ser de uma nova historiografia, permeada de intenções profundas ao relatar os fatos como eles são, não apenas escrever conforme a determinação oficial, fugir do que Reimer chama de uma linguagem "androcêntrica que facilmente esconde a presença de mulheres, tornando-as invisíveis". (Reimer, 1995, p. 18). O direito de viver sem violência, de denunciá-la caso aconteça e a participação ativa na vida política do contexto a que esteja inserida, Reimer (2001) avalia da seguinte forma:

Percebendo-se que a atuação política afeta diretamente o nosso corpo e a nossa história e que nossa participação nos espaços de decisão política ainda é muito limitada (menos de 10% nas câmaras e no parlamento), salienta-se o direito à participação política nos espaços decisórios, visto que mulheres participam ativamente dos movimentos políticos e sociais. Por meio das "ações afirmativas" (cotas nas direções partidárias e cotas de candidatas na legislação eleitoral), buscando construir estratégias de incentivo à igualdade de oportunidades, bem como de reconhecimento e superação de descriminações. (Reimer, 2001, p. 829).

Reimer (1995) escrevendo sobre as mulheres salienta que "as mulheres têm experiências multifacetárias, semelhantes e diferentes. Semelhantes são suas histórias de opressão. Diferentes, as de libertação. E vice-versa" (Reimer, 1995, p.5) isso tem feito a diferença, mesmo com tantas dificuldades, tantos fatores negativos e contrários a sua história, pois ela se mantêm pronta para lutar e construir este capítulo aguerrido e de combate as torturas físicas, psicológicas e sociais a que são submetidas diariamente.

O desafio está proposto, a mulher ser descrita positivamente e não se conformar com os ataques demonstrados nesse trabalho. A mulher ao se deparar com as palavras: Preconceito, Submissão e Exclusão, as mesmas possam ser substituídas no inconsciente coletivo de todas as pessoas por: Respeito, Cidadania e Inclusão

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DADOS DO AUTOR

Darci Soares de Souza Júnior,

teólogo, historiador, 42 anos , Goiás- Brasil

kaipos[arroba]bol.com.br

UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA

Goiânia – Goiás

Novembro de 2005.



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