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Ganho compensatório em cordeiras na fase de recria (página 2)

Antonio Carlos Homem Junior

Material e Métodos

O trabalho foi realizado no Setor de Ovinocultura do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias - Unesp, em Jaboticabal, SP. Foram utilizadas 18 cordeiras 7/8 Ile de France 1/8 Ideal com quatro meses de idade e peso corporal médio de 32 kg, alojadas em baias individuais providas de comedouro e bebedouro. A relação volumoso:concentrado da dieta foi de 50:50, formulada para atender às exigências para ganho de 200 g/dia segundo o NRC (1985), utilizando-se como volumoso feno de capim-tifton 85 (de baixa qualidade em virtude das condições climáticas desfavoráveis durante a colheita), triturado em partículas de 3 a 5 cm. As composições centesimal e bromatológica da dieta - esta última realizada de acordo com metodologias descritas por Silva & Queiroz (2002) - podem ser visualizadas na Tabela 1.

O experimento foi dividido em dois períodos, cada um com 60 dias de duração, sendo que, no primeiro período, os animais foram distribuídos em três tratamentos: sem restrição (sem restrição alimentar por todo experimento); restrição 30% (com restrição alimentar de 30% em relação ao consumo dos animais do tratamento sem restrição) e restrição 60% (com restrição alimentar de 60% em relação ao consumo dos animais do tratamento sem restrição).

Durante o período de restrição alimentar, não houve sobras de alimento nos tratamentos com restrição. No período de realimentação, o alimento foi fornecido à vontade, mantendo-se a relação volumoso:concentrado de acordo com as sobras de feno. O volumoso foi fornecido uma vez ao dia, às 8h, e o concentrado, duas vezes ao dia, metade com o volumoso e o restante às 16h, com ajustes diários para permitir de 10 a 15% de sobras.

No início do experimento, ao final da restrição e ao final da realimentação, foram registradas as seguintes medidas biométricas (Searle et al., 1989; Yáñez et al., 2004) das cordeiras: altura da cernelha (distância entre a região da cernelha e a extremidade distal do membro anterior) e altura do vazio subesternal (distância entre o solo e o esterno), obtidas com uso de uma régua ovimétrica; profundidade torácica (diferença entre a altura de cernelha e a altura do vazio), comprimento corporal (distância entre a articulação cérvico-torácica e a base da cauda na primeira articulação intercoccígea) e perímetro torácico (perímetro tomando-se como base o esterno e a cernelha), medidos com fita métrica; e largura da garupa (distância entre os trocânteres maiores dos fêmures) e do ombro (distância entre as faces laterais das articulações escápulo-umerais), determinada com o uso de um compasso. A condição corporal foi estimada de acordo com Russel et al. (1969) e Ribeiro et al. (2003) e consistiu na palpação da região dorsal da coluna vertebral, verificando-se a quantidade de gordura e músculo no ângulo formado pelos processos dorsais e transversos, atribuindo-se nota de 1 a 5 ± 0,5, em que 1 representa um animal caquético e 5, um animal obeso.

O ganho compensatório foi determinado utilizando-se a fórmula: C(%) = 100x(A-B)/A, em que C = compensação em porcentagem, ou seja, quando C = 100%, o valor perdido durante a restrição foi recuperado totalmente durante a realimentação; A = diferença entre a medida dos animais em restrição e a dos animais controle ao final do período de restrição; B = diferença entre a medida dos animais que sofreram restrição e a dos animais controle ao final do período de realimentação (Wilson & Osbourn, 1960).

A pesagem do alimento fornecido e das sobras foi feita diariamente para estimativa do consumo de MS e a das cordeiras, semanalmente, pela manhã, após jejum de sólidos de 8 horas, para averiguação da alteração de peso e da conversão alimentar.

O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado, com seis repetições. Os dados foram submetidos ao teste F de análise de variância e as médias, comparadas pelo teste Tukey, a 5% de probabilidade (Banzatto & Kronka, 1992), utilizando-se o seguinte modelo matemático:

Yij = µ + Ti + ei

em que Yij = valor observado da variável estudada no indivíduo j recebendo o tratamento i; m = média geral; Ti = efeito do tratamento i; eij = erro aleatório associado a cada observação Yij.

Resultados e Discussão

As cordeiras do tratamento sem restrição apresentaram ganhos de 113,77 g/dia, com aumento de 18% do peso corporal final em relação ao peso inicial. As cordeiras do grupo restrição 30% tiveram ganho de 4,43 g/dia, enquanto as do grupo restrição 60% perderam peso (80,33 g/dia), resultando em diminuição de 15% do peso corporal inicial ao final do período de restrição alimentar. Como demonstrado na Tabela 2, no período de restrição alimentar, não houve valores de conversão alimentar para os grupos restrição 30% e restrição 60%, pois os valores tiveram grande variação em decorrência da alteração de peso, que, aliada ao baixo consumo, enseja valores absurdos desse índice.

Ao final do experimento, o peso corporal foi compensado parcialmente em 91, 5 e 49,7%, de acordo com o índice compensatório de Wilson & Osbourn (1960), nas cordeiras dos grupos restrição 30% e restrição 60%, que, ao início do período de realimentação, pesaram 32,3 e 28,0 kg, respectivamente. A velocidade de crescimento dos animais sem restrição (y = 0,92x + 37,33) foi inferior à daqueles submetidos à restrição 60% (y = 1,22x + 27,39), mas, em ambos os grupos, foi menor que a do grupo restrição 30% (y = 1,39x + 32,39). Representando o ganho compensatório dos grupos restrição 30% e restrição 60% durante o período de realimentação, os coeficientes angulares das equações das curvas de alterações dos pesos corporais foram superiores aos obtidos no grupo sem restrição (Figura 1).

O consumo de MS (g/kg0,75/dia) pelos animais do grupo sem restrição durante o período de realimentação apresentou aumento constante, porém sempre inferior ao das cordeiras do grupo restrição 30%, que apresentaram acréscimo do consumo até a 4ª semana de realimentação, quando o consumo começou a decrescer até a 8ª semana, se assemelhando à ingestão das cordeiras sem restrição. As cordeiras do grupo restrição 60% no início da realimentação tiveram aumento na ingestão até a 3ª semana, porém esse aumento foi sempre inferior ao das cordeiras dos demais grupos (Figura 2). A restrição alimentar moderada (restrição 30%) possibilitou elevação do consumo, ao passo que a restrição severa (restrição 60%) não elevou o consumo e ainda prejudicou a ingestão.

No período de realimentação, esperava-se maior consumo no grupo restrição 60%, no entanto, ocorreu o inverso, provavelmente em virtude do alto grau de restrição alimentar ao qual foram submetidas no período de restrição, não propiciando o ganho compensatório total e evidenciando a severidade da restrição sobre a redução no consumo (Ryan, 1990). Não houve diferença (P<0,05) no consumo de MS, expresso em g/kg0,75/dia e %PV/dia. Sabe-se que animais pesados consomem mais, em kg/dia, que os leves. As cordeiras do tratamento restrição 30% consumiram mais que as do grupo sem restrição, enquanto as do grupo restrição 60% consumiram menos (P>0,05) que aquelas sem restrição (Tabela 3).

Constatou-se melhor aproveitamento do alimento no período de realimentação pelas cordeiras submetidas à restrição alimentar. No entanto, o desempenho das cordeiras do grupo restrição 60% foi prejudicado pelo baixo consumo. A conversão alimentar não diferiu (P>0,05) entre os grupos restrição 30% e restrição 60%, que apresentaram valores de 6,28 e 5,66, respectivamente (Tabela 3), melhores (P<0,05) que a obtida no grupo sem restrição (10,09).

A conversão alimentar foi expressivamente melhor durante o segundo período nos animais previamente subnutridos, indicando a possibilidade de manipular o consumo do cordeiro por um período visando diminuir a relação entre o ganho de peso e o consumo de MS do período seguinte, obtendo-se um consumo mais econômico e sem prejuízos no peso corporal. Na Figura 3, é possível observar o comportamento quadrático positivo e quadrático negativo das curvas de conversão alimentar durante o período de realimentação nas cordeiras sem restrição e com restrição, respectivamente (Figura 3).

Drouillard et al. (1991) submeteram cordeiros a restrição de proteína ou energia, em comparação á ausência de restrição nutricional, e reportaram que a eficiência alimentar, do início da realimentação até a 2ª semana, dos animais submetidos a restrição de proteína foi melhor que naqueles que sofreram restrição energética.

Como pode ser visualizado na Figura 4, o ganho compensatório foi mais evidente nas cordeiras submetidas a restrição 30%. A velocidade de ganho de peso ao final do segundo período naquelas sem restrição foi menor (116,2 g/dia) que nas do grupo restrição 30% (196,24 g/dia), mas essa característica, em ambos os grupos, não diferiu (P>0,05) do grupo restrição 60% (178,03 g/dia). Kabbali et al. (1992), estudando o ganho compensatório de cordeiros dos 17 aos 21 kg submetidos à restrição nutricional de energia, constataram maior diferença no ganho de peso (355 g/dia) entre animais que passaram por restrição, comparados aos que não foram submetidos a restrição alimentar (208 g/dia).

Se o ritmo de crescimento fosse mantido e o período de realimentação fosse aumentado, as cordeiras do grupo restrição 60% provavelmente atingiriam o peso corporal daquelas sem restrição e aquelas do grupo restrição 30% apresentariam peso corporal superior ao das sem restrição. Segundo Ryan (1990), a severidade da restrição afeta o tempo de permanência em ganho compensatório e o grau de compensação.

Ao final do experimento, animais do grupo restrição 60% deixaram de ganhar 5 kg em relação àqueles sem restrição, no entanto, a economia de alimento no período total foi de 35,6%. As cordeiras sem restrição consumiram 115,86 kg, as do grupo restrição 30% 106,05 kg e as do grupo restrição 60% 74,55 kg, o que representa uma diferença de 8,5% para as cordeiras do grupo restrição 30% e de 35,6% para as do grupo restrição 60% em relação àquelas sem restrição (Tabela 4), o que está de acordo com os relatos de Kamalzadeh et al. (1997), que obtiveram menor consumo total de alimento em ovinos submetidos a restrição alimentar qualitativa.

Na Tabela 5 constam as medidas biométricas das cordeiras do grupo sem restrição, restrição 30% e restrição 60% ao início e final do primeiro período (restrição alimentar) e ao final do segundo período (realimentação). Ao início da fase de restrição alimentar, todas as cordeiras apresentaram medidas biométricas semelhantes (P>0,05), mas, ao final da restrição alimentar, houve diferença (P<0,05) entre os animais do grupo restrição 60% em relação aos de restrição 30% e sem restrição. Houve diminuição de 16% na largura do ombro, 21% na largura da garupa, 6,9% no perímetro torácico e 39% na condição corporal das cordeiras do grupo restrição 60% em relação à medida inicial. Todavia, não houve diferença entre os animais sem restrição e os do grupo restrição 30% para nenhum dos parâmetros mensurados ao final dos períodos de restrição e de realimentação.


As dimensões corporais reagiram diferentemente à restrição alimentar e, durante a realimentação, em geral as medidas de altura na cernelha e comprimento corporal foram menos afetadas que a largura e o perímetro torácico. A largura de ombro das cordeiras do grupo restrição 60% foi recuperada (P>0,05) com a realimentação, o mesmo não ocorrendo com as outras medidas corporais ao final desse período. Kamalzadeh et al. (1998) reportaram que as medidas biométricas menos influenciadas pela restrição alimentar são também as de menor compensação na realimentação.

A severidade da restrição 60% foi tão grande que ascordeiras não recuperaram o tamanho corporal nas oito semanas de realimentação, ao passo que aquelas do grupo restrição 30%, apesar da redução nodesenvolvimento normal, não diferiram (P>0,05) daquelas sem restrição ao final da primeira fase, acompanhando as cordeiras sem restrição até o final da realimentação.

Foram observadas reduções das dimensões corporais dos animais em restrição alimentar, sobretudo nas cordeiras restrição 60%, que diferiram (P<0,05) daquelas dos grupos restrição 30% e sem restrição. Ao final da realimentação, houve recuperação das medidas corporais, mas a defasagem corporal das cordeiras restrição 60% não se equiparou à daquelas sem restrição. A restrição alimentar de 60% reduziu o crescimento normal das cordeiras, observando-se diferença (P<0,05) quanto à largura de garupa, ao perímetro torácico e à condição corporal entre as cordeiras dos grupos restrição 30% e sem restrição (Figura 5).

Conclusões

A restrição alimentar de 30% pode ser adotada como prática de manejo nutricional para períodos de escassez de alimento ou para ovinos que serão submetidos a confinamento como forma de melhorar o ganho de peso e reduzir o tempo de confinamento, o consumo total de alimento e, conseqüentemente, os custos com alimentação. As restrições mais severas, como a de 60%, não são recomendadas, pois podem prejudicar o desempenho e as medidas biométricas de cordeiras.

Literatura Citada

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Antonio Carlos Homem JuniorI;

achomemj@bol.com.br

Américo Garcia da Silva SobrinhoII;

Sandra Mari YamamotoIII;

Rafael Silvio Bonilha PinheiroIV;

Carolina BuzzuliniIV;

Carolina Spina Alves de LimaV

IGraduando em Zootecnia da FCAV/Unesp e bolsista PIBIC/CNPq/Unesp. Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane, s/nº. CEP: 14884-900, Jaboticabal, SP
IIDepartamento de Zootecnia da FCAV/Unesp, Jaboticabal, SP
IIIDoutorando em Zootecnia (Produção Animal) da FCAV/Unesp, Jaboticabal, SP
IVMestrando em Zootecnia (Produção Animal) da FCAV/Unesp, Jaboticabal, SP
VGraduando em Zootecnia da FCAV/Unesp, Jaboticabal, SP

Revista Brasileira de Zootecnia v.36 n.1 Viçosa jan./fev. 2007



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