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Aspectos pontuais sobre a sentença na ação popular (página 2)

Max Akira Senda de Brito

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POPULAR. CONCESSÃO DE USO DE ÁREA PÚBLICA A PARTICULAR. REVOGAÇÃO DO ATO. SUSPENSÃO DE OBRA POR EFEITO DE LIMINAR. PERDA DO OBJETO. EXTINÇÃO DO FEITO. Suspensa a obra que estava sendo realizada sobre área concedida pela Administração á particular, e revogado o ato de concessão, tem-se a perda do objeto da demanda que visa impedir o uso de área pública. Apelação desprovida. Sentença mantida em reexame necessário". (Apelação e Reexame Necessário nº 70017161829, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, julgado em 07/03/2007).

A natureza jurídica da sentença de improcedência é meramente declaratória, pois apenas reconhece uma situação jurídica. Contudo, na sentença de procedência houve certa discussão sobre a sua natureza jurídica. Pontes de Miranda a classificava como constitutiva negativa[10], ao passo que na jurisprudência antiga do Supremo Tribunal Federal predominava o entendimento de que se tratava de sentença declaratória[11], havendo, contudo, julgados que a consideravam condenatória[12].

Após a edição da Lei 4.717/65, restou solvida a discussão, uma vez que, segundo exegese do seu art. 11, ficou evidenciado que a natureza da sentença é constitutiva e condenatória, ou seja, decreta a nulidade do ato lesivo e condena a reparação do patrimônio público[13]. Nesse sentido, Edson Aguiar Vasconcelos afirma que "a natureza da ação popular é desconstitutiva-condenatória, visando tanto a anulação do ato impugnado quanto á condenação dos responsáveis e beneficiários em perdas e danos"[14].

José Afonso da Silva diz que a lei atribui caráter condenatório necessário á sentença que julga a ação popular. Ou seja, mesmo que não haja pedido condenatório do autor popular, o juiz deverá consigná-lo na sentença, conforme exegese do art. 11 da Lei 4.717/65[15]. Ressalta o professor, entretanto, que a condenação não é eficácia secundária do pedido constitutivo, sendo efeito autônomo e próprio, que visa á reparação do patrimônio público. A lei a considera ínsita no pedido de invalidação do ato lesivo[16]. Mancuso, comentando a questão, sustenta que a condenação é exemplo de exceção aos princípios da congruência e do dispositivo, tal como a multa prevista no art. 461, § 5º, do CPC[17].

A sentença de procedência deve decretar a nulidade do ato lesivo e condenar solidariamente os réus (em regra, os criadores do ato e os beneficiários diretos deste) a reparar a lesão decorrente do ilícito, ressalvando a ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando agiram com culpa (art. 37, § 6º, da CF). Tal se dá porque a responsabilidade aqui é objetiva, podendo os que não incorreram em culpa buscar ressarcimento daqueles que agiram com dolo, negligência, imperícia ou imprudência[18].

A reparação pode ser monetária (valor mais encargos de mora), de reposição do débito com juros (execução fraudulenta, simulada ou irreal de contrato) ou de restituição de bens ou valores.

A sentença possui efeitos secundários de natureza administrativa, trabalhista e penal, os quais, entretanto, devem ser buscados através da seara administrativa ou judicial própria, dado os limites cognitivos e de competência do juízo cível na ação popular[19].

Quando a demanda for julgada procedente ou parcialmente procedente, a sucumbência deve ser arcada integralmente pelos réus, não se aplicando á ação popular a regra do art. 21 do CPC, visto que o autor não sustenta direito próprio, de modo que, a rigor, não pode ser sucumbente. Ademais, a parcial procedência da demanda retira da ação a pecha de lide temerária, não podendo ser condenado o autor aos ônus da sucumbência[20].

Já na sentença de improcedência, caso verificada a litigância de má-fé, deverá o autor pagar as custas processuais e os honorários advocatícios. José Afonso da Silva entende que quando a litigância foi temerária (agir afoitamente, de forma açodada e anormal, tendo consciência do injusto, de que não tem razão) deve ser aplicada a pena do art. 13 da Lei 4.717/65 (décuplo das custas), ficando a sanção prevista na Constituição Federal resguardada para as demais hipóteses de litigância de má-fé[21]. Mancuso é contrário a essa tese, dizendo que a condenação do art. 13 seria um bis in idem, estando derrogado pelo art. 5º, LXXIII, da CF[22].

A beneficiária da sentença de procedência será, sempre, a entidade pública que teve o patrimônio lesado, não obstante seja, no mais das vezes, citada como litisconsorte passiva, inclusive podendo ter contestado o pedido, pois a ação visa á proteção do bem público.

Questão complexa e até hoje sem solução pacífica na doutrina e jurisprudência diz respeito aos honorários do perito em caso de improcedência da demanda. é entendimento tranqüilo que os honorários do perito serão pagos ao final pelo vencido[23], mas como fica em caso de julgamento de improcedência, sem que tenha havido litigância de má-fé? A quem competirá essa verba?

é certo que existe precedente na jurisprudência entendendo que as despesas decorrentes do trabalho de terceiros, como o perito, não se enquadrariam na isenção prevista na lei[24]. Entretanto, não há como concordar com essa conclusão, pois vai de encontro a um dos princípios basilares da ação popular, qual seja, incentivar o exercício da cidadania. O risco de a parte ter que adiantar os honorários do perito ou, ainda, suportá-los em caso de eventual improcedência da ação popular causaria, ao fim e ao cabo, embaraço a que os cidadãos exercessem a proteção do patrimônio público ou combatessem as ofensas á moralidade administrativa.

Se de um lado não se pode exigir que os peritos custeiem de seu próprio bolso a prova técnica necessária á ação popular, de outro não há como exigir esse valor do autor popular de boa-fé, sob pena de transformar o remédio constitucional em mais um das letras mortas do nosso ordenamento jurídico.

A solução apresentada por Mancuso afigura-se correta, devendo ser instituída previsão orçamentária para manter o custo das perícias em ações com finalidade coletiva, em que se lobriguem interesses sociais relevantes[25].

Outra alternativa poderia ser a utilização da dotação orçamentária que os tribunais possuem para pagamento dos auxiliares da justiça em ações amparadas pela gratuidade judiciária. Porém, essa opção serviria como mero paliativo, sequer podendo ser utilizado em todos os casos, uma vez que existe limitação do valor pago a título de honorários. Logo, se a perícia for demasiadamente complexa, com custo elevado (o que ocorre no mais das vezes na ação popular) não poderia se enquadrada nesta dotação orçamentária.

Assim, o que se tem é que enquanto não surge uma solução efetiva ao problema, segue-se ocorrendo na prática o temor das pessoas em ajuizar a ação popular correndo o risco de ser condenado ao pagamento das dispendiosas perícias realizadas no curso da demanda.

Por fim, observe-se que a sentença que reconhecer a carência de ação ou julgar improcedente o pedido está sujeita ao reexame necessário (art. 19 da Lei nº 4.717/65), hipótese sujeita a crítica de José Afonso da Silva[26], mas defendida por Mancuso[27] e pela jurisprudência[28], que entendem ser cabível o reexame necessário. Quanto á sentença de procedência, entende-se correta a ilação de Luiz Manoel Gomes Junior, no sentido de que não é aplicável ao caso a regra do inciso I do art. 475 do CPC, pois a finalidade da remessa obrigatória é proteger o interesse público, o qual não se confunde com o interesse da Administração Pública. Se o pedido da ação popular foi acolhido é porque existiu ilegalidade e lesividade ou, ainda, atentado á moralidade administrativa, tornando desnecessário reexame necessário[29].

BIBLIOGRAFIA

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Autor:

Max Akira Senda de Brito

maxbrito[arroba]tj.rs.gov.br


[1] Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 462.

[2] Câmara, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 366.

[3] A expressão resolução de mérito advém da alteração na redação do Código de Processo Civil operada pela Lei nº 11.232/2005, que veio a corrigir imprecisão terminológica da lei. Adroaldo Furtado Fabrício de há muito defendia que o correto seria a utilização da expressão "resolução de mérito", pois "resolução ocorre em todas [as sentenças]; verdadeiro julgamento, só em algumas" ("Extinção do Processo" e Mérito da Causa, in "Saneamento do processo: Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda", p. 22).

[4] Mancuso, Rodolfo de Camargo. Ação Popular: proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente, p. 248.

[5] Idem, ibidem, p. 249; Silva, José Afonso da. Ação Popular Constitucional, p. 226-227.

[6] Gessinger, Ruy Armando. Da Ação Popular Constitucional, p. 80.

[7] Mancuso, Rodolfo de Camargo. op.cit., p. 249.

[8] Gessinger, Ruy Armando. op. cit., pp. 67-70. Sobre a carência de ação superveniente, válido citar o escólio de Cândido Rangel Dinamarco, quando ensina que "Como a superveniência de condições da ação no curso do processo legitima o julgamento de mérito (LIEBMAN), pela mesma razão o desaparecimento de uma delas depois que a demanda foi proposta impede tal julgamento. Não seria lícito exercer a jurisdição com assento numa situação antes existente, mas agora inexistente (...)" (Dinamarco, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. Vol. II, pp. 1055-1056).

[9] Mancuso, Rodolfo de Camargo. op. cit., pp. 253-254.

[10] Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Comentários á Constituição de 1946, Tomo V, pp. 401-402.

[11] RT 265:803; RDA 50:223.

[12] RT 246:507.

[13] A propósito, a jurisprudência do STJ:

"ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. EFEITOS DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. DESCONSTITUTIVO E CONDENATÓRIO. PROVA DO PREJUÍZO CAUSADO AO ERÁRIO. NECESSIDADE. 1. O pedido de natureza desconstitutiva independe de prova da lesão. Constatada a ilegalidade do ato impugnado, impõe-se, salvo situações excepcionais que autorizam a sua convalidação, o decreto de nulidade por vício de forma, incompetência do agente, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos ou desvio de finalidade. 2. O pedido condenatório, entretanto, demanda a comprovação do prejuízo, ainda que imaterial, experimentado pelo Poder Público. Se o autor da demanda pretende condenar o réu a ressarcir o erário, deverá fazer prova concreta da lesão. Como se sabe, o pressuposto da indenização é o desfalque patrimonial causado por ação ou omissão dolosa ou culposa. A condenação em perdas e danos não é mera decorrência lógica da anulação do contrato, mas se exige a prova do dano causado ao erário. 3. Recurso especial improvido". (REsp 663.889/DF, Rel. Ministro  Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 06.12.2005, DJ 01.02.2006 p. 484).

[14] Vasconcelos, Edson Aguiar. Instrumento de defesa da cidadania na nova ordem constitucional, p. 120.

[15] Art. 11. A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa.

[16] Silva, José Afonso da. Ação…, pp. 230-231. Exceção: segundo José Afonso da Silva, a ação popular de nulidade de ato de naturalização não tem efeito condenatório necessário.

[17] Mancuso, Rodolfo de Camargo. op. cit., pp. 263-266. Ainda: Barbosa Moreira, José Carlos. A ação popular no direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos. RePro nº 28, ano 7, p. 15.

[18] Meirelles, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, p. 106; Freitas, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais, p. 134.

[19] Silva, José Afonso da. Ação..., pp. 234-236.

[20] Mancuso, Rodolfo de Camargo. op. cit., p. 265.

[21] Idem, ibidem. pp. 238-239.

[22] Mancuso, Rodolfo de Camargo. op. cit., p. 270.

[23] PROCESSO CIVIL. AÇÃO POPULAR. PERÍCIA DETERMINADA PELO JUÍZO. HONORÁRIOS PERICIAIS. Na ação popular as custas e demais despesas processuais, inclusive os honorários periciais, serão pagas ao final, pelo vencido. (TRF4, AI 96.04.56357-2, 3ª Turma, Rela. Luiza Dias Cassales, julgado em 16/04/1998, DJU de 20/05/1998, página: 684).

[24] TJSP: AI nº 46.582-5, Rel. Des. Ricardo Lewandowski, j. 15/10/1997, JTJ 200/223.

[25] Mancuso, Rodolfo de Camargo. op. cit., p. 272.

[26] Por entender que o Tribunal não poderia dar decisão contra legem, reconhecendo, p. exemplo, legitimidade a quem não é cidadão. (Silva, José Afonso, Ação…, p. 245).

[27] Diz que é necessário o reexame, pois o juiz singular pode ter se equivocado ao proferir a sentença terminativa. (Mancuso, Rodolfo de Camargo. op. cit., p. 256).

[28] Neste sentido: Apelação e Reexame Necessário nº 70006002745, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Carlos Branco Cardoso, julgado em 29/06/2005. Ainda, a Súmula nº 423 do STF: "Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege".

[29] Gomes Junior, Luiz Manoel. Ação Popular: Aspectos Polêmicos, pp. 171-173.



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