(In)tolerância zero: Justiça penal e direitos humanos




Política criminal (Nova York-USA) contra os melhores postulados da ciência, da filosofia e da história universal

Não é uma grande arte ou uma eloqüência rebuscada que provará que a tolerância é necessária entre os homens; "que os homens possam se lembrar que são irmãos ! ", cito a obra "Tratado Sobre a Tolerância" ("Trate Sur La Tolérance", titulo original, Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal - vl. 24, ed. Escala, SP.), escrita por Voltaire, na ocasião da morte de Jean Calas, em 09 de março de 1762, em Toulouse, quando juízes influenciados pelo fanatismo da multidão condenaram ao suplicio da roda um pai de família inocente.

Um dos exemplos históricos se deu no ano 313 d.c., quando Constantino promulgou o "Edito de Tolerância", para por fim as perseguições da igreja católica.

Só subsiste a tolerância no espírito imparcial e indulgente, por que este conhece e aceita a falibilidade humana. O fanatismo vence a razão e está ao lado da intolerância; nas palavras de Voltaire "ninguém está seguro de sua vida diante de um tribunal erigido para vigiar pela vida - e pelo direito de ir e vir - dos cidadãos, e todas as vozes - populares - se reúnem para pedir vingança - punição" (ob. cit. pg. 15).

A tolerância está ligada a justiça, e a intolerância ao suplicio, a desgraça e as precipitações dos bárbaros ou daqueles que se julgam mais perfeitos e detentores do poder de julgar e justiçar seus semelhantes. "A tolerância nunca provocou uma guerra civil; a intolerância cobriu a terra de carnificinas" (ob cit. pg. 37). A intolerância é absurda, o exemplo de Sócrates - morto pelos gregos por causa de suas opiniões -, é o mais terrível argumento que se possa alegar contra a intolerância.

Na sua obra, Voltaire fala do perigo das falsas lendas, pois são muitas mentiras impostas aos homens, e está na hora de se conhecer as verdades, especialmente na justiça penal quando ainda ousamos colocar em prática a intolerância, os abusos de poder e a opressão desenfreada.

A teoria da "tolerância zero" como programa de política criminológica, penal e penitenciária, afronta flagrante e gravemente as propostas de proteção internacional dos Direitos Humanos, por estar na contra-mão da ciência, da filosofia e da história universal.

No ano de 1994, Rudolf Guliani, prefeito de Nova York, juntamente com seu chefe de polícia, William Bratton, iniciaram o que se pode chamar de "incarceration mania" (in Miranda Coutinho, Jacinto Nelson de), totalmente contra a política criminal moderna de aplicação de medidas alternativas á prisão, mesmo após as Nações Unidas ter aprovado as Regras Mínimas sobre Medidas não Privativas de Liberdade (Assembléia-Geral ONU/1990, Resolução 45/110 - Regras de Tókio).

O programa "tolerância zero" deixa de lado a prevenção policial para aumentar a repressão do direito penal ao máximo para fazer valer o estado de polícia versus estado democrático de direito. Desconsidera o governo norte-americano, o Código de Conduta para os Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei (ONU Res. 34/169, 1979, art. 1º comentário "a expressão funcionário encarregado de fazer cumprir a lei" inclui todos os agentes da lei que exercem a função de policia, especialmente as faculdades de detenção ou prisão); e os Princípios Básicos sobre o Emprego da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei (ONU -1990).

No mesmo sentido, Michaele Foucault, desta o que ocorria nos idos de 1840, na prisão juvenil mais rigorosa de Mettray na França (in "Vigiar e Punir". Ed Vozes, Petrópolis, 1983); também há de se mencionar na história do direito penal, os rigores das antigas "casas correcionais" House of Correction -Londres, 1552, para vagabundos e prostitutas -, Rashuys, 1595, para homens vagabundos e delinqüentes jovens - Spinnbyes, 1597, para mulheres em Amsterdan (in MAIA NETO, Cândido Furtado, in "Penitenciarismo en el Mercosur", ed Fabris, Porto Alegre, 1998).

O direito penal é eminentemente repressivo razão pela qual precisa ser mínimo, reduzido e controlado, como ensina Luigi Ferrajoli (in "Derecho y Razón", ed. Trotta. Madrid, 1989) e não máximo e intolerante. O direito penal é subsidiário dos demais ramos das ciências jurídicas e a pena privativa de liberdade aplicada como ultima ratio das espécies de sanção.

Em 1992, por exemplo, na cidade de Chicago entrou em vigor um decreto anti-vadiagem e anti-gangs, onde se aplicava como pena o pagamento de 500 dólares-americanos ou 6 meses de prisão, para as infrações penais mais insignificantes, até para reprimir furtos famélicos. O decreto foi na seqüência declarado inconstitucional pela Suprema Corte norte-americana, no ano de 1999.

A teoria da "tolerância zero", implementada em Nova York, deveria ser chamada de "intolerância máxima". Tem como origem estudos desenvolvidos entre os anos de 1933-1945, nas universidades germânicas, onde os trabalhos foram engavetados, arquivados e esquecidos nas prateleiras das bibliotecas por tratar-se de uma fraude abusiva ou de uma propaganda enganosa do sistema criminal, do tipo: "direito penal promocional, temporário ou conjuntural".


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