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A ilusão de sermos pais: lições de etnopsicologia da infãncia (página 3)

Raúl Iturra
Partes: 1, 2, 3, 4, 5, 6

Parece-me evidente que o conceito de protecção contra o qual luta o de resiliência, é difícil de aplicar em épocas remotas á nossa era. O conjunto de autores que estão a defender o desenvolvimento de um ser humano que tem sofrido um trauma, entre os quais os invocados como Cyrulnik e Sá, estão a referir-se a épocas posteriores á criação do conceito de laissez-faire, laisez-passer, de François Quesnay[63] e o seu discípulo Adam Smith[64] e usado desde esse tempo pelos economistas liberais que invoco nos meus textos citados em nota de rodapé. O que interessa deste parágrafo, é demonstrar como o desenvolvimento da tecnologia ou dos instrumentos de trabalho, desenvolve não apenas o grupo social que os possui, como a cada indivíduo que os apropria, bem como aos lucros que os bens no mercado, oferecem ao proprietário, análise não considerada pelos autores psicólogos invocados. Análise que faz Karl Marx num texto recentemente divulgado[65], ao debater com Adam Smith sobre a teoria do valor e do desenvolvimento do grupo social e não apenas do indivíduo. Para Smith, como para Quesnay e seus seguidores, o desenvolvimento não está na ilusão do carinho ou da emotividade - apesar de ter escrito um texto sobre a temática dos sentimentos, em 1759[66]. Este feroz ataque que adianto, é por estar a pensar em duas épocas diferentes da mesma sociedade: a época quando culturalmente se pensava por outros, a época em que pensar por si próprio não era adequada ao tipo de mais valia possível. Na época de Justiniano, Hipona e até Aquino no Século XIII, as formas de optar eram em representação de outros, enquanto que desde o Século XVIII, já com um Gracchus Babeuf[67] a agir em prol da igualdade, a lista de representados acaba por começar a perder-se, a deixar de existir e a relação entre os seres humanos parece começar a ser uma forma de existir, não apenas de optar, mas de atingir uma liberdade passível de ser transmitida a seres humanos mais novos, é dizer, as crianças das quais tenho vindo a falar. Seres humanos que começam apenas agora a serem sujeitos de importância para investigadores, eruditos, para a lei e para a interacção social. A criançada parece não existir antes da época de ser precisa para um certo tipo de produção. E a sua capacidade para gerir é apenas pensada para a vida adulta. Justiniano, na sua codificação da lei romana, fala no Livro 3 dos mais novos como sujeitos de tutória ou pelos pais ou por um curador nomeado pelo grupo do Senado encarregue dos assuntos de Adopção. Tal e qual as mulheres que, enquanto são pessoas maiores de idade e não casadas, podem livremente usufruir dos sues recursos, trabalhar, optar. Mas, o matrimónio romano, como o nosso até 1956, levava a mulher a ser sujeita do marido o Pater Famílias. Na época romana, há o matrimónio com manus o sine manus, formas de poder escapar á tutela e curadoria do Pater Familias caso houvesse convenções matrimoniais prévias a separar os bens de cada um dos nubentes na base de um contrato nupcial de separação de bens, ou seja, na base de um inventário que regista o que pertence a cada um. A mulher romana sine manus, ficava liberta da curadoria do Pater Famílias, como no caso do mundo latino, ao celebrar um matrimónio com separação de bens - inventário já não necessário com as reformas do Código Civil mais recentes.

Será que estou a entrar mais pela relação económica que pelas relações emotivas? Mas, não será que essas relações emotivas estão regulamentadas pela economia, fazem parte da relação, dos sentimentos, como queria avançar ao analisar o excesso de cuidados que a lei manda ter seja na relação paterna - filial, quer entre cônjuges, ou entre pais e filhos. Para o que é preciso entrar na análise das normas abrangentes, simbólicas, não consideradas pelos analistas do comportamento. Normas a existir dentro de nós e que criam a ilusão de sermos pais, enquanto a realidade sublimada em terapia leva-nos a pensar que o terra - a - terra não existe na vida social. Ou, por outras palavras, como fazer para que, com economia, com lei acumulada no tempo, com idades separadas perante a responsabilidade, com tabus e proibições acabemos, no entanto, por amar sem obstáculos? Serão ideias sentidas para se aprenderem durante o transcorrer da vida, aprendidas, aceites, explicadas ou retiradas das formas do entendimento dos mais novos, por o mais velho ser possuidor do real e o mais novo, um ser humano sem conceitos, ou com uma epistemologia em formação, sendo assim o mais velho, o eterno pater - familias, que obriga a amar na relação progenitores - descendentes? Não resisto á tentação de entrar pela análise dos textos denominados sagrados que obrigam a um determinado tipo de comportamento e criam uma culpa, o pecado, para iludir a relação adulto criança.

3 Amor, Culpa e Desenvolvimento.

Porque falo de amor, de culpa e abandono e pareço olvidar - guardar no inconsciente - o conceito da ilusão de sermos pais? Amamos de forma espontânea os nossos seres mais novos, ou estamos obrigados a amar, saibamos ou não? Mas, o que é amar? Também de forma espontânea eu diria que é tomar conta de si primeiro, para se manter com a auto estima alta e dinamizar a proximidade ao outro, denominado parente, vizinho, próximo, conforme a ideia que se queira exprimir. A frase mais explícita do acto de amar, tive a sorte de a encontrar num livro de Marguerite Yourcenar, livro que tem um título que define essa emotividade, o sentimento de se entender a si próprio, ao seu contexto, aos que estão por perto e, especialmente, ao que fazemos, e projectar neles a nossa capacidade de amavelmente, tratar todos eles. O que eu denomino ver, ouvir, calar e responder apenas se somos questionados, com essa paciência que não apressa as palavras ou o afazer do outro. O livro é Le temps, ce grand sculpteur[68] O título acaba por definir a emotividade de se entender e se entregar a si e aos outros: aos que aceitamos, com grande afeição e mostras de acolhimento...ou de distância, se queremos transferir ideias de como viver e ser autónomos. O esculpir do tempo é a acumulação do saber apurado que as gerações entregam umas ás outras, ou por grupo. Um Estado cria outro, ou vigia a sua independência, como aconteceu na América Latina com a personagem histórica, o Libertador Simón Bolívar, o qual não é apenas referido pela História, mas analisado no seu íntimo pelo escritor Gabriel Garcia Márquez que refere o impulso de vida, em detalhe, o intuito de conseguir a união de povos para isolar um Continente dos apetites desenfreados de um outro, que o possuía, era proprietário dos seus bens reprodutivos, da terra, das pessoas, das suas actividades, do lugar que ocupava todo indivíduo na hierarquia social[69]: " El general permaneció a bordo hasta la noche, cuando desembarco para dormir en un campamento improvisado. Mientras tanto, recibió en el champán las filas de viudas, los disminuidos, los desamparados de todas las guerras que querían verlo. él los recordaba  a casi todos con una nitidez asombrosa. Los que permanecían allí agonizaban de miseria, otros se habían ido en busca de nuevas guerras para sobrevivir, o andaban de salteadores de caminos, como incontables licenciados del ejército libertador en todo el territorio nacional. Uno de ellos resumió en una frase el sentimiento de todos: "Ya tenemos la independencia, general, ahora díganos qué hacemos con ella". En la euforia del triunfo él los había enseñado a hablarle así, con la verdad en la boca. Pero ahora la verdad había cambiado de dueño...." La unidad no tiene precio...." E a ideia contínua pelo texto, até formar um labirinto dentro do qual não é apenas Bolívar quem acaba perdido, bem como todo o seu povo e todos os povos que ele queria unir, quisessem eles ou não. O carinho que a personagem tem por si próprio, o conhecimento de si, era diferente dos mesmos saberes e conhecimentos dos seus associados. Garcia Márquez entrega ao leitor, um senhor lido, sabido, estudado, proprietário de terras e outros bens que entrega á causa que ele herda dos intelectuais do continente do qual quer libertar o seu: liberais com anos de experiência nos seus países, em procura de igualdade entre seres humanos, que nada têm de semelhante, excepto a necessidade de um líder carismático que lhes possa entregarem, ou devolver, o que antigamente lhes pertencia. O amor, a entrega ao outro de Bolívar era tão grande, que esquece as diferenças em saberes e entendimento do real e assume a procura de Independência dos indivíduos, como um desejo, o de forjar uma país socialista; e, no entanto, o desejo de todos e cada um, como aparece ao longo do texto e no texto da História: era a procura de recursos próprios para poder administrar para si, com lucro e mais valia pessoal. O labirinto do General é reparar esse engano, que acaba por ser a morte do que Yourcenar, por onde comecei a ideia, diz: "Um dos erros irreparáveis do Ocidente foi provavelmente o de conceptualizar a complexa substância humana sob a forma da antítese alma - corpo, só conseguindo sair dessa antítese negando a alma"[70]. Estes dois autores dão-nos uma ideia da emoção de amar, da actividade de amar, até ao ponto de nos falar Yourcenar da nobreza da derrota, análise de samurais, aplicável á nobreza de Simón Bolívar e do seu grupo, grande procura de ser iguais para ser livres e capazes de esculpir o tempo. Amar, é a ideia adjudicada a Platão como o filósofo da entrega aos outros[71]. Amor, para Platão no Banquete, é análise sobre as formas de convívio, a amizade, o saber com sabor, a reunião dos iguais, a mútua aprendizagem[72]. De facto, é um dos primeiros passos que nos levam ás ideias filosóficas sobre os afectos, herdadas pelo citado Agostinho de Hipona, nos textos invocados mais acima. O próprio Platão diz "se o grave e o agudo mantivessem até o fim o seu diferendo, não haveria harmonia: a harmonia é um soar em conjunto....é um dizer conjuntamente..."[73]. Esta obra, reflectida nas anteriores citadas de García Márquez e Yourcenar é, de facto, um património semeado e espalhado pelas ideias cristãs ao começo, e pela terapia mais tarde. García Márquez é capaz de mostrar o ideal de harmonia nas suas obras, não apenas em Bolívar, mas também nos seus Cem Anos de Solidão, El amor en los tiempos del cólera, ou ainda na sua Crónica de una Muerte Anunciada[74], textos nos quais a guerra não parece ser uma "desarmonia" ou o amor proibido, um tabu. Há regras para viver a vida que, aparentemente separadas, podem causar um desencontro entre os indivíduos do grupo social. Desencontro ou debate já conhecido, como é o caso de Crónica de uma Morte Anunciada: o povo todo sabe do tabu de amar entre pessoas de etnias diferentes, e, no entanto, o amor não acontece, apenas um engano, mas o tabu, que impõe a harmonia platónica, acaba por matar uma flor do grupo social, originando uma grande zanga entre os parentes da mulher supostamente violada. A desarmonia está criada dentro do que denomino a mente cultural e que avanço agora pela ideia de sermos pais. Esta narrativa define a emoção de uma forma serena e justa. Cem anos de solidão permite entender o começo da vida sexual das crianças através dum corpo de mulher grande, ou o afastamento do erotismo entre a confecção de pequenos brinquedos feitos em ouro, na base de uma fantasia trazida ao povo Maconde pelo típico fantasma, diriam os terapeutas, do simbolismo proibido, um cigano capaz de converter a natureza em bens úteis para o grupo social que deles precisa. Ideia que descreve crianças a brincar com o divino e a conviver com seres humanos adultos, frutos de permanentes guerras que não entram no lar. Adultos encantados no seu papel de serem os pais e as mães de tanta pequenada, cuja origem, apesar de ser a genealogia cuidadosamente escrutinada para evitar o incesto, que pode destruir o povo, pode ser desconhecida ou ignorada. No entanto, crianças acarinhadas e cuidadas como mais um deles no meio das comidas, as fantasias, as rezas, as orações, as roupas, os agasalhos. Uma vida de amor, de se conhecer a si próprio e de conhecer o outro. Como o caso de Úrsula Iguarán, a fundadora da estirpe dos Buendía, capaz de conversar com Aureliano o seu marido, atado a uma árvore por loucura, ou morto mas sempre a viver na mesma árvore. Conversas naturais para os mais novos que por ali passam e apenas comentam que a conversa continua. Como Santiago Nasar e as suas tripas a escorregar do seu ventre aberto em talho pelos irmãos da suposta vítima violada, irmãos defendidos pelos vizinhos que entendem que é a lei que orienta estes comportamentos. Não é a vontade ou a racionalidade que permite amar e aceitar as guerras e os assassínios, é o conceito cultural do dever fazer que orienta um comportamento previamente conhecido. São acontecimentos que não ferem a alma nem causam um trauma que fica incorporado á memória, que precisa dar um salto para outros afazeres para serem capaz de esquecer e desenvolver a personalidade, como refere o já citado anteriormente Boris Cyrulnik. Não é estranho que Cyrulnik saiba denominar estes acontecimentos como resiliência ou "essa inaudita capacidade de construção humana". A esta minha análise de amar, é possível aplicar a frase do autor que diz "é preciso aprender a observar a fim de evitar a beleza venenosa das metáforas", para acrescentar mais á frente: "O simples facto de constatar que um certo número de crianças traumatizadas resiste ás provações e, por vezes mesmo, as utilizam para se tornarem ainda mais humanas, pode explicar-se não em termos de super-homens ou de invulnerabilidade, mas associando a aquisição de recursos internos afectivos e comportamentais durante os primeiros anos com a disposição de recursos externos sociais e culturais"[75]. Estas ideais do denominado "inclassificável Cyrulnik", permitem a sua definição de resiliência ou desenvolvimento do ser humano após uma perca de afectividade, do tipo que tenho analisado entre os autores anteriores, que vivem uma realidade que parece metáfora para nós de um outro Continente, mas que é uma realidade á qual se aplica esta ideia do "inclassificável": "A fantástica explosão de técnicas do século XIX suprimiu a evidência fixista (de que os filhos do povo não podem ter êxito) e ensinou-nos a observarmos a condição humana com a palavra "devir". A biologia descobriu a evolução, a embriologia pensou o desenvolvimento que Freud introduziu na sua descoberta do continente interior....Foi dentro deste contexto tecnológico e cultural que a noção de traumatismo se distinguiu lentamente. é claro que o trauma existia no real, mas não nas palavras que o punham na consciência. Dado que o traumatismo físico nasceu, o encadeamento de ideias exige que, depois da descrição clínica e da pesquisa das causas, haja empenhamento em evitar os traumatismos e em melhor os reparar. Neste caso, precisar-se-á do conceito de resiliência...Porém, dado que se compreendeu que um conceito não pode nascer fora de própria cultura, é interessante interrogar-se por que razão esta palavra francesa se desenvolveu tão bem nos Estados Unidos de América...Paul Claudel, ao assistir ao descalabro económico de 1929, descreve a angustia que oprimia os corações.... (e)... a confiança que iluminava os rostos...Trata-se de um processo, de um conjunto de fenómenos harmonizados em que o sujeito penetra dentro do contexto afectivo, social e cultural. A resiliência é a arte de navegar nas torrentes..."[76]. Este é o processo pelo qual se tem sido capaz de entrar dentro da reacção de uma mente não estudada dentro dos conflitos. E, se o adulto tem essa enorme quantidade de conflitos que levou a Ludwig Feuerbach em 1848 a elaborar o conceito de alienação, a partir dos sonhos criados pelas ideias cristãs, ou estar fora de si para não entrar dentro da corrente[77]. Conceito analisado por Marx e Engels no Manifesto Comunista, como referi em outros textos meus, e desenvolvido como base para a psicanálise por Sigmund Freud, especialmente em Totem and Taboo e O mal-estar na cultura[78]. De certeza é o ponto de partida para o entendimento da afectividade das crianças e dos traumas que a falta de amor e o seu não desenvolvimento, são capazes de causar, quer mesmo na infância, quer na vida adulta. De facto, trata-se de um entendimento pretendido já nos trabalhos de Freud, mas sem especial cuidado, excepto nas análise que Malinowski refuta e que vamos ver a seu tempo, ao falar do Complexo de édipo ou dos ciúmes dos filhos no que diz respeito a vida erótica dos pais e á sua própria vida erótica, entre os três e cinco anos de idade, idade que ele denomina libidinosa[79]. Este conceito é combatido por Mélanie Klein, discípula de Freud, no seu conceito de paternidade combinada ou pais combinados ou fantasmas dos pais unidos dentro de uma relação sexual ininterrupta[80]. A defesa organizada por Klein será analisada mais á frente. O que interessa nesta parte do texto, é entender que existe uma série de factos que são regulamentados pela cultura, que baseia a defesa dos mesmos quer na lei civil já citada mais acima, quer no catecismo, ao qual passamos. Não sem antes dizer mais uma frase de Cyrulnik, ao referir resiliência, este novo conceito que permite o entendimento da emotividade infantil: "Um trauma empurrou o agredido numa direcção para onde não gostaria ter ido mas, visto que caiu numa vaga que o enrola e o leva para uma cascata de mortificações, o resiliente tem que fazer apelo aos recursos impregnados na sua memória...até que uma mão estendida lhe ofereça um recurso exterior, uma instituição social ou cultural que lhe permita sair da situação"[81]

O interessante é entender porque é que ao falar de resiliência, o autor fala dos "vilãos pequenos patos". Penso que a ideia não é difícil. Primeiro, vilões por serem capazes de se desenvolver a partir do "agarrar-se" a uma feliz memória pessoal ou da sua cultura. Pequenos patos, porque são capazes de nadar apesar dessa corrente ser tão forte dentro da sua cultura ou processo de interacção social. Hoje em dia tem vindo a público, factos de abuso de menores que, já faz tempo acontecem, mas apenas hoje se defende e se fala, do colo que a sociedade dá aos mais novos por se terem envolvido adultos que organizam o poder de uma nação. é evidente que nem todas as culturas têm este problema, bem ao contrário: muito embora o incesto seja um tabu universal, a pedofilia é definida de forma diferente nas diversas culturas, algumas até a praticam como parte do crescimento dos mais novos. Mas, este conceito é para outro capítulo. O que me interessa ver neste capítulo, é a prevenção que os sabidos homens da religião têm organizado para defender les petits canards de actividades que ou não são rituais, ou, se são rituais, saiem da estrutura organizada, como processo criminoso para novos e velhos, como tenho referido noutros textos. O capital, a nossa relação social, deixa-nos com a ilusão de sermos pais para passar a guardiães dos nossos pequenos e de vigiar os adultos que andam por perto.

De facto um pequeno parágrafo do capítulo II do Catecismo Romano de 1992, como o de Lutero de 1529, vai directo ao ponto do que hoje em dia, apenas, denominamos traumatismo. E é esse traumatismo e como ele é causado, o que diz respeito ao final desta primeira parte deste tão difícil texto, mas tão necessário pela sua actualidade e incompreensão cultural.

Esse pequeno parágrafo parece referir o segundo conceito deste número, a culpa, tal como acontece com o Catecismo de Lutero[82], com o Alcorão[83] e o Torah[84] ou Dez Mandamentos e os Comentários Rabínicos de los Diez Mandamientos, textos que orientam o comportamento do povo judeu. Todos eles referem o mesmo tipo de comportamento, em referência á culpa, denominada pecado. Penso que devia começar pela última frase do parágrafo referido.

 O parágrafo referido acaba com uma frase que diz: "Portanto, a caridade é o pleno cumprimento da lei" (Epístola de Paulo de Tarso aos Romanos, 13, 8-10)[85]. O que está a querer dizer Paulo de Tarso aos Romanos ao falar de que é obrigação de todo cidadão cumprir a lei, e que cumprir a lei é caridade? Primeiro, está a referir-se á subordinação de todo ser humano aos poderes políticos: "Todos hábeis de estar sometidos a las autoridades superiores, que no hay autoridad sino por Dios, y las que hay, por Dios han sido ordenadas"[86]. Como cidadão romano, está a escrever aos seus compatriotas sobre um tema que era desconhecido, como hoje em dia acontece muito, a caridade. Este conceito, extremamente usado nos textos que fundamentam a nossa cultura, tem um significado não definido, mas muito adjectivado, na época em que se procura a igualdade entre os seres humanos. Não podemos esquecer que no começo deste texto, referimos a hierarquia entre os romanos: cidadãos, submetidos ou sujeitos á autoridade do Pater Familias, escravos, povos colonizados, é dizer, pessoas com manu, etc. A palavra caridade, ao longo do tempo, faz parte da cultura ou costumes dos povos que hoje em dia conhecemos e podemos procurar uma definição ética: Caridade. [...] S.f. 1. (ética) No vocabulário cristão, o amor que move a vontade á busca efectiva do bem de outrem [...]. 2. Benevolência, complacência, compaixão. 3. Beneficência, benefício, esmola, definição retirada de um texto do ano 2000[87]. Das três alternativas o texto comentado está, a meu ver, a usar o primeiro sentido. Muito embora ao longo dos textos denominados sagrados e que são ensinados ás crianças desde muito cedo na sua vida - desde o Século III da nossa era até o dia de hoje, todo ser humano mais novo aprende primeiro as formas de interacção , que na nossa legislação actual denominamos bem comum ou garantia dos bens materiais em igualdade para todos, o princípio representado no artigo 9º da Constituição da República Portuguesa[88]e ao longo do texto constitucional, especialmente no Título III, sobre Direitos e deveres económicos, sociais e culturais, artigos 58 a 79.

A nossa constituição assegura a vida dos mais novos, especialmente o artigo 69, que fala da Infância[89]:

Artigo 69.º

(Infância)

1. As crianças têm direito á protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.

2. O Estado assegura especial protecção ás crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.

3. é proibido, nos termos da lei, o trabalho de menores em idade escolar.

Por outras palavras, a antiga ideia de caridade, foi redefinida mais tarde como bem-estar, bem comum, igualdade, soberania, divisão de poderes, protecção á infância, á família e á juventude, especialmente á educação. Mas, a ideia é herdada do parágrafo que comecei a comentar para poder definir a lei como a procura do bem de outrem. A diferença está entre as ideias do Catecismo, parte da nossa cultura, e a Constituição, em que o texto da Igreja Romana começa por definir "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo", no Capítulo II do texto citado; e a nossa Constituição, desde o primeiro Ensaio Constitucional de 1974 até hoje, começa por definir os seus Princípios fundamentais, da maneira seguinte:

Artigo 1.º

(República Portuguesa)

Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Artigo 2.º

(Estado de direito democrático)

A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

Artigo 3.º

(Soberania e legalidade)

1. A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.

2. O Estado subordina-se á Constituição e funda-se na legalidade democrática.

3. A validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição.

Estas ideias que quis expor e que devem, de certeza ser por todos conhecidas como o acerbo cultural da sociedade Portuguesa que orienta o comportamento de adultos e crianças e, especialmente, regulamenta a relação entre esses adultos e a sua descendência, como está prescrito no artigo 67 da mesma. Garantia que é possível por existir uma carta ou lei fundamental que entrega o poder de governar a massa do povo ao próprio povo, como se pode ler mais acima no Nº1 do Primeiro Artigo, ao falar-se de Soberania. Mas, o que é a soberania, se não a capacidade de definir, dentro dos ideias da nacionalidade lusa no nosso caso, as ideias que dinamizam a interacção social entre indivíduos, entre estes e os bens reprodutivos da República e de ter a capacidade de retirar de mãos individuais riquezas que servem para o bem-estar de todo o povo e não apenas para os seus possuidores? A soberania é o conceito que define a capacidade de auto determinar o futuro do país e o que acontece dentro das fronteiras. Conceito nascido já na época da Revolução Francesa, época na qual o povo, as terras, as actividades pertenciam apenas a uma família que não governava, mas reinava dentro do Estado. época que em Portugal acabou muito recentemente, no tempo do derrube de uma ditadura que, de alguma maneira, substituiu a Monarquia Lusa, constitucional mas proprietária do território na prática, quer Continental, quer das Colónias. Soberano é quem tem a capacidade de mandar. E, para mandar, é preciso uma legislação a ser respeitada após ter sido votada por todos os seres humanos nacionais capazes de decidir, pela sua idade. Donde, qual a causa da culpa que organiza a ilusão de sermos pais, de que trato? Se o Estado é Soberano, se a soberania representa a igualdade e o poder de optar de cada indivíduo, porquê essa procura de culpa na relação entre adulto e criança? Ao que parece, a lei fundamental é um conjunto de palavras eruditas que permite o que hoje denominamos violência doméstica. Violência que existe na base de uma relação social baseada na necessidade de lucrar para viver com uma certa dignidade e conforme o desenvolvimento tecnológico existente na maior parte dos países que partilham connosco o incremento da produção interna. Até parece real ainda, a lei que Paulo de Tarso tenta fazer respeitar no parágrafo que serve de base a esta parte do debate. é possível apreciar que a lei é produto de uma erudição de mandatários descendentes de hierarquias antigas e que estão na vida política há muitos anos, tendo passado por várias formas de Governo dentro de Portugal e na Europa; essa lei, parte do património cultural de forma etnográfica, como referi mais acima, precisa, na carta fundamental, distinguir os direitos de seres humanos diferentes devido a um conceito que referi antes e noutros textos: a mais valia apropriada pelo denominado Direito de Propriedade, garantido na Carta Fundamental da República. Este Carta distingue entre operariado, salário, greves, política industrial e, necessariamente, deve acudir ás crianças e aos mais novos ou jovens.

Artigo 67.º

(Família)

1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito á protecção da sociedade e do Estado e á efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.

2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família:

a) Promover a independência social e económica dos agregados familiares;

b) Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio á família, bem como uma política de terceira idade;

c) Cooperar com os pais na educação dos filhos;

d) Garantir, no respeito da liberdade individual, o direito ao planeamento familiar, promovendo a informação e o acesso aos métodos e aos meios que o assegurem, e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes;

e) Regulamentar a procriação assistida, em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana;

f) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares;

g) Definir, ouvidas as associações representativas das famílias, e executar uma política de família com carácter global e integrado;

h) Promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.

Este artigo seria necessário dentro de uma república igualitária, de acesso facilitado ás riquezas? Ou será como diz Françoise Dolto no seu texto de 1977: "Oui, nous avons besoin de plaisir mais ce n"est pas le plaisir, c"est la souffrance que nous façonne…l"enfant quitte le sein que lui donne sa mére, pour découvrir une sourire, sa présence, l"amour de celle qui l"entoure… »[90]

De facto, as crianças vivem dentro de um sistema de comportamento, que faz que sejam culpabilizadas por acontecimentos fora do seu entendimento e da sua decisão. Não seria necessário lembrar a análise de Dolto, não fosse o caso de Françoise Dolto ter lutado por crianças que a nossa constituição não parece reconhecer. Comparar o artigo sobre a família e o comentário de Dolto, é perceber rapidamente que a interacção entre adultos que legislam e crianças que obedecem, acaba por ser o inferno que contextualiza os mais novos. Porque a nossa sociedade vive a dicotomia anti-tética de obrigar os mais novos a serem pessoas sabidas, dentro de grupos sociais para os quais as leituras são de revistas como Maria, Caras, Jornal a Bola e outras; ou a televisão e as telenovelas das quais os pequenos podem retirar um imaginário distante do que o adulto vê e comenta com os seus pares, sem explicar a paixão ou o erotismo ou a brincadeira de finanças que leva vários a tribunal. Até os fogos de Verão são uma notícia de sensação e não de entendimento ecológico para aprender a tomar conta da flora e da fauna, como instituições preocupadas e com poucos recursos, ou partidos políticos, são capazes de defender. Esta criança vive de tal maneira dentro de uma mais valia retirada da carta Fundamental, que acaba por não entender o seguinte artigo, ou as ideias que estão dentro:

Artigo 82.º

(Sectores de propriedade dos meios de produção)

1. É garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção.

2. O sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas.

3. O sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou colectivas privadas, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

Deve ser este artigo que permite o abandono prematuro dos estudos eruditos e da preparação científica que a Constituição assegura para todos. A maior parte da população tem que viver sem meios para os seus estudos, Universidades Públicas pagas, casas a alugar, centralização dos meios científicos longe dos sítios em que vivem as crianças.

Este tipo de lei, contem, aliás, uma outra obrigação para as famílias, sem distinção de classe social:

Artigo 68.º

(Paternidade e maternidade)

1. Os pais e as mães têm direito á protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto á sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.

2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.

3. As mulheres têm direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias.

4. A lei regula a atribuição ás mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar.

O artigo é suficientemente vago para poder constituir uma lei que a caridade, hoje solidariedade social como vamos estudar com émile Durkheim, Marcel Mauss e Max Weber, possa definir uma política que obrigue a cumprir o que está mandado no artigo 75.º

(Ensino público, particular e cooperativo)

1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.

2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.

Artigo 76.º

(Universidade e acesso ao ensino superior)

1. O regime de acesso á Universidade e ás demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país.

2. As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino.

Penso que a responsabilkidade é dos pais e dos mais novos, fica amplamente demonstrada nesta contradição de conjunto de artigos que não apenas incentivam o estudo, bem como têm sido causa de uma série de outras leis necessárias para poder defender a vida dos que querem estudar e, por não terem melhor, usufruem de outras alternativas, como os estudos em Seminários, com essa ideia de se ser Padre ou Freira um dia -ou talvez até sejam e abandonem a seguir, como é possível ver dentro da História do País, ao longo do tempo e nas Universidades actuais, com Reitores e catedráticos saídos da fileiras da dita alternativa.

Ainda fica uma outra, que será parte da análise de outros Capítulos. O Código Penal legisla em 1998, sobre a autodeterminação sexual, uma outra alternativa que temos descoberto recentemente ser usada para andar dentro do saber O Capitulo V do Código, artigos 163 a 169, legisla sobre o que se denomina o abuso sexual de menores, hoje em dia descoberto o seu uso dentro de estabelecimentos de ensino, para chegar mais á frente nos estudos.

Se a Carta Fundamental fala da Soberania do Povo, garante a individualidade e desenvolve as ideias do saber para ser cidadão como a lei espera, Códigos como o Penal não seriam necessários[91].

O que é, em consequência, cumprir a lei? A citação de Paulo de Tarso é taxativa: "Quem ama ao outro, cumpre a lei. é que nos mandamentos dizem: «Não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não hás-de cobiçar», bem como qualquer outro mandamento, resumem-se nestas palavras: amarás ao próximo como a ti mesmo..."[92] Desde os artigos 2157 a 22 57, este outro texto da cultura que orienta as emoções e, em consequência, faz parte da análise da Etnopsicologia da Infância, como Françoise Dolto fez ao longo da sua obra, o catecismo analisa não apenas as relações de deveres dos filhos para com os pais em primeiro lugar, bem como a dos pais com os descendentes e de todos eles com a sociedade civil, ao definir que as autoridades, sejam quais forem, fazem parte do dever de todo o filho de ver, ouvir e calar. A Constituição dá, pelo menos, o direito a voto e a Soberania. Este texto - o primeiro que se aprende em países cristãos, como o Alcorão nos muçulmanos e o Tora nos judaicos - manda. Não permite o pensamento. Não há detalhe que, se não for cumprido, não passe a ser pecado ou injúria ao grupo social. Aliás, o de Lutero, contém não apenas uma lista de culpas nem deixa ter um ritual especial para as analisar, denominado Confissão. Ritual que Lutero marca cuidadosamente até com fórmulas do que deve ser referido por cada um dos confessados. A criança cresce entre a falta social, de solidariedade social e a lista de faltas do que não soube fazer. O dever nestes textos não reside nos progenitores, reside nos descendentes. O artigo 2248 diz: "Segundo o quarto mandamento, Deus quis que, depois dele, honrássemos os nossos pais e aqueles que, para nosso bem, ele revestiu de Autoridade"[93]. A meu ver, esta referência está feita para o articulado que diz respeito ás Autoridades da Sociedade Civil, "A submissão á autoridade e ser corresponsabilizado no bem comum exigem moralmente o pago dos impostos, o exercício do direito de voto, a defesa do país"[94]. Também essa criança que, como Freud e Klein já citados, definem de forma libidinosa na eterna união de orgasmo dos pais e a penetração permanente do pai dentro da mãe pela idade dos dois e três anos, aprende na catequese e na escola que "a fecundidade do amor conjugal não se reduz apenas á procriação dos filhos. Deve também estender-se á sua educação moral e á sua formação espiritual", diz o artigo 2221, enquanto o 2222 acrescenta: "os pais devem olhar aos seus filhos como filhos de Deus e respeitá-los como pessoas humanas. Educam aos seus filhos a cumprir a lei de Deus, na medida que eles próprios se mostrem obedientes á vontade do Pai dos Céus"[95]. A síntese de todo este articulado, seria talvez o Nº 2249: "A comunidade conjugal está fundada na aliança e no consentimento dos esposos. O Matrimónio e a família são ordenados para o bem dos cônjuges e para a procriação e educação dos filhos"[96].

É natural que tenhamos a ilusão de sermos pais, porque, muito embora não saibamos estas leis e as suas semelhanças, elas estão a mandar dentro do pensamento das nossas crianças desde muito cedo na vida delas. Nós próprios esquecemos a base jurídica e de catequese do nosso pensamento. De facto, tenho já referido num extenso texto, que a criança vive num caos. O seu caos é a contraditória forma de receber informação, quer no lar, quer na escola, na rua, na televisão e nas conversas dos adultos que vão falando enquanto pensam que o mais novo não entende. E, de facto, o mais novo não entende o que falam os adultos que o rodeiam, sendo este facto o seu maior caos por ter que pretender entender. Eduardo Sá, já citado, propõe que a conversa entre pequenos muito novos e os seus pais, passe pelo facto de brincar quer com a criança, quer entre os seus pais, em momentos adequados. Boris Cyrulnik, em 1991, transfere o comportamento do adulto para a resiliência, especialmente ao propor objectos intermediários entre o entendimento de crianças muito pequenas e os seus ancestrais adultos. Faz uma lista, como capítulos de livro, na qual levantar um dedo ou fazer um sinal com a mão, é já uma palavra; ou o ursinho passa a ser um objecto de vinculação, ao qual se demonstra o mesmo carinho ou aborrecimento que o pequeno demonstra. é com surpresa que comenta na sua introdução que os adultos têm feito imensos esforços parta adestrar animais, aos quais devem entender antes de ensinar. Daí que o que ele denomina o autista ou a "criança - armário", é um pequeno que não pode ser obrigado a exprimir o que não deseja, bem como retirar das histórias que a pequenada ouve, a bela e o monstro[97]. Se repararmos, as brincadeiras de crianças hoje em dia são mais com animais, de Start-Treck, filmes como Brother-Beard, Sreck, e os desenhos já não são tipo Walt Disney, com pássaros a fugir de gatos, nem como bonecos que parecem pessoas. Especialmente, o entendimento dos adultos da transferência de carinho para este mundo de crianças que organizam uma estrutura activa, tipo Tolkien, no seu espaço físico, que o pequeno define como dele e deve ser respeitado, sem os seus adultos entrarem enquanto não forem convidados. Não esqueço ter andado, faz já tempo, em ponta de pés, nu, e á distância da água que uma das minhas filhas tinha criado na sua própria sala - a nossa, que adquiriu por ser adulta e receber visitas a nadar...aos seus três anos. Ou a ordem de leitura dos livros que o meu neto me faz para adormecer e que devo ler claramente em...Neerlandês.

O caos é dos pais. Eis por que denominei este capítulo a ilusão de sermos pais. Não apenas por existir na vida social todo um ritual que pertence, desde muito cedo, aos pequenos, contos que nos dizem, canções que nos cantam, peças de teatro que devemos ver e comprar bilhete...pago em papel. O caos é dos pais que sabem manter uma disciplina de horário para comer, para tomar banho, para adormecer e para acordar. A parte mais complexa dos pais, é levantar as crianças de manhã cedo e levá-las ou á creche, ou á escola. Lembro-me de ter inventado uma brincadeira que consistia em entrar calado, ainda noite, na cama das pequenas e cantar uma canção de embalar, até lentamente acordarem com o barulho, sem jamais proferir as palavras: "já são horas, corre que é tarde..." e outras ideias do género. Como encher a casa de bolachas, chocolates e depois, sopa e mais comida. Esta contradição do adulto leva o mais novo a querer deixar de comer. Ou, ocultar o beijo na boca que um pai apaixonado pela mãe dos seus filhos quer dar na presença deles. Causa um alvoroço tão simpático, que seria impossível andar em procura dos vilaines petits canards.

É impossível deixar de referir que essa ilusão nasce também da quantidade de erudições que a vida social ensina aos pequenos que ficam a uma certa distância de nós, orgulhosos do seu saber. Um saber que, apesar de já estar connosco, nos deve sempre surpreender e agradecer, sem muito alarido, a lição recebida.

Era uma vez uma pequena que acordou da sua sesta durante um trabalho de campo nosso e entrou caladinha, para nos surpreender, no sítio da casa da aldeia onde nós, amantes além de pais, namorávamos. A idade era a de Freud e de Klein, esses duros três anos ou dois. Ao ver o seu adorado pai abraçar com paixão a mulher que a alimentava, teve um acesso de raiva imenso e começou a tirar tudo o que estava por perto: virar mesas, dar pontapés nas cadeiras, arrastar a toalha de mesa, partir loiça. Nós, já divertidos, não abrimos a boca nem proibimos nada; e fomos passando de quarto em quarto a partir o mundo e nós atrás dela, em silêncio a rir com os olhos nos olhos - esse rir calado e agradável, que acorda o brilho da pupila - e vigiar não fosse ficar ferida. Até que quis atirar com uma bilha de gás, foi-lhe impossível e, naturalmente, virou-se a nós para entornar esses 45 quilos, que...entornamos ás gargalhadas. A seguir, o lanche e nunca mais falaram do assunto, como de nenhum outro que...causa punição. é a forma de sair do caos dos pais.

É a ilusão de sermos pais. Há o próprio processo da criança, que no Século XX foi descoberto, há o conjugal, há a economia, há as doenças. Há tanto problema a sarar, e, o mais difícil, o desejo de continuar a brincar aos noivos por parte dos pais. Como costumo dizer, ser pai é para toda a vida, mande-se no filho ou não, o afecto contínua, crescendo com a História e a criança. é o desenvolvimento que devemos aprender e acompanhar: eles são hoje os adultos que um dia nós fomos, e de pai a avô, há um mundo de mudança de comportamento. Nascemos sós, morremos sós. Apenas 5 anos são importantes: esses apontados já, quando em casa, a criança desenvolve a sua epistemologia, que, para acontecer, nós devemos ver, ouvir e calar e responder apenas se perguntados.

 "FALA, QUE NÃO ENTENDE..."

1. A criança, esse subentendido.

Foi a frase de uma das pessoas que trabalha comigo, durante um Seminário de Etnopsicologia da Infância, a decorrer durante o ano académico. De imediato várias ideias saltaram na minha cabeça. A primeira coisa que me ocorreu foi perguntar: o que é uma criança? Conceito definido por imensas teorias de imensas escolas que percorrem o mercado da erudição académica, já comentadas no Capítulo anterior. No entanto, a criança é uma entidade heterogénea de idades diferentes: há a cronologia que acompanha o transcorrer da sua vida, há capacidades definidas conforme as possibilidades de entendimento do real há o contexto que rodeia os mais novos e os adultos que definem o conceito.

 A ideia é analisada no Curso de Etnhopsyquiatrie e de Etnopsicologie francesa, texto que me apoia na análise[98]: "L'ethnopsychiatrie est une méthode d'investigation qui s'efforce de comprendre la dimension ethnique des troubles mentaux et celle, psychiatrique, de la culture. La classification des maladies est différente d'une culture á l'autre. Le "Shaman" a un rôle de "psychanalyste autochtone" faisant appel á des mythes sociaux. C'est quelqu'un de déviant, catalyseur de la communication vers le savoir sacré, interpréte du divin auprés du commun des mortels. L'ethnopsychiatrie se donne pour but de donner un sens culturel á la folie.

La culture est l'ensemble des matériaux dans lesquels nous (individu et société) puisons pour élaborer nos expériences. La nature c'est l'expérience, et la culture c'est l'élaboration de cette expérience. Cette élaboration se fait selon une organisation, une structure, un ensemble de régles et de signifiants propres á chaque ethnie. Ces régles et ces signifiants sont á la fois relatifs et universels (Une ethnie est un groupe qui partage les mêmes signifiants culturels). Une culture donnée imprégne les individus, et ces derniers transforment leur culture. L'individu doit intérioriser la culture du groupe dans lequel il est né, et s'y tailler une place. Le groupe quant á lui, doit l'intégrer en lui donnant l'exercice d'un rôle, d'une fonction, et transmettre sa culture par l'éducation. 

L'ethnopsychiatrie peut aussi se définir comme étant l'étude du rapport entre: Un comportement psychopathologique, des services thérapeutiques et les cultures d'origine du patient et de son thérapeute. Une telle analyse doit alors reposer sur une série de postulats concernant la culture et la personnalité. Ces choix de départ guideront la façon dont on définira le champ des questions et des problémes[99]Por outras palavras, as formas de entendimento do real acabam por ser diferente entre uma cultura e outra, donde natureza é experiência e cultura elaboração dessa experiência. Esta ideia que queria salientar, derivada de três autores para nós importantes. São eles: Alfred Kroeber, Clyde Kluckhohn e Claude Lévi-Strauss, especialmente no seu texto La pensée sauvage[100]. Estes três autores, de forma diferenciada, dão uma pista para entendermos que todo grupo social tem uma forma diferente de classificar os seus e de hierarquizar as formas de pensamento. Lévi - Strauss vai longe na sua forma etnológica de estudar a realidade não para entrar no "pensamento do selvagem", mas nas formas de pensar universais. Para definir, para nós, o pensamento em estado selvagem antes de entrar ou em contactos com outras culturas ou enquanto se mantém a forma de definir o que citei ao começo: "definir as formas étnicas dos problemas mentais". Note-se que não falo de mente "doente", mas da dimensão étnica, de entender como a cultura contextualiza o pensamento das pessoas de um grupo social. Pelo que, o autor fala de mito, clã, a lógica destas classificações, definidas como correspondentes ao comportamento das categorias, ou formas de classificar as formas de interacção social conforme as actividades desempenhadas pelo indivíduo dentro da sua etnia e grupo social e clãnico. Este entendimento desenvolve as ideias do particular e do universal dentro de uma redescoberta do tempo, que une o geral ao particular, o abstracto ao concreto. Pelo que na citação referida no parágrafo 2, a cultura é definida como o conjunto dos materiais dentro dos quais nós - indivíduos e sociedade, somos capazes de elaborar as nossas experiências. O indivíduo interioriza a cultura do grupo para se organizar no espaço que lhe é conferido - conforme as suas capacidades e o espaço social dentro do qual nasceu - pelo próprio grupo que impinge a cultura através do sistema educativo[101].

Por outras palavras, a minha intenção com a citação referida e os seus comentários, é ser capaz de entender que temos duas alternativas: ou analisamos comportamentos "modelares de doença" individual por afastamento do agir cultural; ou analisamos a cultura para entender o seu processo estrutural como forma de agir sobre o indivíduo e o seu grupo, no presente e através do tempo histórico. O que me leva a voltar a citar a última parte do 2º parágrafo do texto supracitado: "Estas regras e o seu significado são, ao mesmo tempo, relativas e universais...Uma cultura determinada impregna os indivíduos, enquanto estes a transformam"[102].O indivíduo precisa interiorizar a cultura dentro da qual nasce e organizar um espaço social para ele. Esta frase, para mim, é fundamental para entendermos o meu objecto de pesquisa, que definiria apenas assim: qual a base da dinâmica do comportamento da criança? Pergunta de difícil resposta, não apenas por causa das, já referidas, diferentes culturas impingidas, bem como pelas diferentes escolas que recentemente têm definido, que a criança é um ser traumatizado, como disse ao citar Boris Cyrulnik no encerramento do Capítulo anterior[103].

Bem podia dizer que uma criança é um ser inocente, sem responsabilidade, como define o Código de Direito Civil citado no Capítulo anterior, e o de Direito Canónico[104]. Este Código, com valor legal em Portugal, não define menor, mas por oposição, ao definir maior, ficamos a saber que um menor não tem pleno exercício dos seus direitos: não pode comprar e vender, casar, procriar, viver de forma autónoma, etc.

E é assim que entramos pelas problemáticas das crianças. Os Códigos são espartanos na sua definição. A pessoa que falava no Seminário parece ter razão: a criança é um subentendido. A frase é minha e com amabilidade foi usada, devidamente citada, na exposição referida. Não consigo não repetir: a criança é um subentendido, um subordinado como denominei nas Actas do II Colóquio sobre a Investigação e Ensino das Antropologia em Portugal[105]. A minha teima tem sido sempre a ignorância que o adulto atribui á criança, mas, ao mesmo tempo, como esta criança sabe defender-se da ignorância que o adulto lhe oferece. Ignorância que não é apenas o facto de ser uma entidade despercebida, o que vive dentro de regras e horários que afastam as duas gerações. Se retorno á minha comprida citação, posso apreciar que a cultura do saber universal entrega aos mais novos um papel sem representação dentro do grupo: eis porque os autores citados dizem que se deve "talhar", "construir", um lugar dentro da sua cultura, porque um dia a cultura lhe dará o seu lugar social conforme a aprendizagem que tenha feito do saber, ou, como diz o começo do parágrafo 2, o indivíduo elabora a sua experiência de entre os materiais fornecidos pela cultura. é o caso que tenho observado entre as crianças Picunche da Villa de Pencahue, Província de Tralca, Chile e analisado em 1998 e 2000[106]. Toda criança tem como obrigação trabalhar a terra, tomar conta dos animais, ensinar aos mais novos a usar a tecnologia para não se ferirem, satisfazer a libido dos adultos da casa ou visitantes sem se queixar - política que faz parte do comportamento ritual de crescimento dos pequenos e das pequenas. Normalmente, pequenas reservadas para o pai, enquanto os "niños", para os irmãos mais velhos, os irmãos dos pais, etc. Comportamento a ser reproduzido, como fui capaz de observar ao longo de mais de 40 anos, entre grupos diferentes de Picunche de sítios geográficos distantes do Chile. Criança que não tem adulto, é criança mal criada, uma vergonha social, desprezada, não querida, que acaba por procurar um homem na casa dos Homens que para este propósito, existem. Ou, durante certos anos da minha pesquisa, na Casa da Igreja Romana, com o Padre que acabou por fugir com um deles. Como relata Maurice Godelier no seu texto sobre La Production des Grands Hommes na Melanésia, em 1981[107]. Formas rituais de unir em relações reprodutivas os seres humanos no futuro, na idade madura. Esta forma de relação cria uma associação entre quem bebe esperma do outro ou recebe esperma por fellatio e as relações reprodutivas com a mulher mais próxima de quem dá e virá a ser a mãe dos seus filhos - irmã, filha de irmão, parente dentro do grupo clãnico no caso dos Baruya da Nova Guiné ou parente não consanguíneo directo em relação de ascendência - descendência, como entre os Picunche, Huilliche, Aymara, outros.

No entanto, esta forma de entender as relações deve passar antes pelas definições de idade e os conceitos que as pessoas têm ou lhe são atribuídas pelo seu grupo. Se uma introdução á análise das formas culturais de organizar as emoções já significa uma classificação, é preciso entender a classificação dos adultos perante as crianças, ou das crianças. Pensa-se que os mais novos não entendem, pode dizer-se tudo o que se quiser em frente deles por, ou já saberem tudo, ou ficarem com o seu "saber proscrito", como diz Alice Miller[108]. Na sua obra, Miller analisa o saber dos mais novos em diferentes idades, como tinham Feito Freud, Klein, Bion, entre outros e vamos ver mais á frente. No seu livro de 1977[109], a autora - polaca de nascimento, refugiada na Suiça, terapeuta da Infância o Pedopsicóloga estuda a infelicidade da vida infantil dos pais de crianças que ela analisa mais tarde. Estuda especialmente o caso das mães a sofrerem todo o tipo de violência doméstica, como a vida a três do pai - a mãe da criança, a sua amiga por turnos e os comentários que deve ouvir por parte da mulher que se sente abandonado e mora, no entanto, na denominada casa familiar. O começo do texto é dramático na nossa cultura: a mãe e o pai não estão ajudar a "talhar" o lugar social na cultura do mais novo, até o título do primeiro Capítulo define uma relação invertida: é o filho bem dotado que deve ouvir a mãe nos seus prantos, angustias e depressões. Ora, esses três sentimentos, como Klein diz no seu texto Inveja e Gratidão[110], fazem parte da defesa dos pequenos perante esse falar descontrolado de um adulto cuja epistemologia não entende, ou não são mutuamente entendidas. O título de Miller é El drama del niño dotado y como nos hicimos terapeutas, para estudar em 50 páginas a vida de uma infância reprimida que a criança deve fazer falando de tudo, excepto da verdade e viver de ilusões do que não existe e não é: esse lar calmo, sereno, estudado, sabido, fiel. é o que, ao longo do texto, denomina ilusões de infância, a danificar a vida adulta. Como aconteceu com esses pais, rebentos de pais desleais, dotados com a capacidade de ouvir, para passar a ser o próximo mais novo a ouvir. Determinados pela história dos pais com os seus avós, a infância foge da realidade e esconde a falta de amor na solidão e no abandono infantil, na leitura, no encerramento nos seus aposentos, que passam a ser dele, com a grande proibição de aí entrar todo e qualquer maior que traga as suas tristezas ante uma mente capaz de entender o mundo, excluindo a sua família. Sentimentos materializados em actividades que fazem dele uma criança dotada."La represión del sufrimiento infantil no solo determina la vida del individuo, sino también los tabúes de la sociedad"[111]. A solidão e o abandono infantil são motivos de profundo transtorno das pessoas dotadas: nascem da ausência do prazer e do carinho na infância. Alice Miller apenas estudara vida de Sakespeare, Joan Crawford, Charles Chaplin, Mozart, Beethoven e Einstein, para sabermos a base da sua genialidade. Ou Sartre, Bouvoir, Bourdieu, Godelier...a falta de infâncias douradas....

Típico do caso de Maurice Godelier. A segunda parte do título desta sua primeira grande obra define a ilusão do amor e a ilusão de ser pai…

Mas, e a criança, como Freud, Klein, Dolto, analisam? Não há razão da parte delas para essa infelicidade? E para a infelicidade que não conhecemos, que não sabemos por falta de observação e de aprendizagem especializada? Mas, que elas no seu agir, palavras e comportamentos individuais e em grupo, nos ensinam quase sem palavras? Porque não há apenas o silêncio do saber proscrito e a infelicidade adulta do pequeno dotado. Há também uma realidade que nasce da própria realidade, enquanto a criança, cuja idade muda e situação social é "retalhada", o ter uma percepção do real, que Wilfred Bion denominaria entender que há um infinito ao qual pertencemos, como seres finitos que somos e que essa finitude deve entender a relação para não entrar na omnipotência que define parte psicótica do nosso ser[112]. Essa criança passa por diferentes estádios enquanto repara que a base da sua vida - a alimentação -, vem de um corpo estranho[113]. Estas idades podem-se apreciar na seguinte tábua:

cours de

 psychologie

Grossesse

Naissance

Petite enfance

Latence

Adolescence

Age adulte

Couple

Travail

Vieillesse

Agonie  

Hoje em dia sabemos que a relação adulto/criança começa bem antes do nascimento da mesma, como tinha já indicado no Capítulo anterior ao comentar textos de Eduardo Sá. O facto de recentemente se ter descoberto do papel que joga o líquido amniótico entre o corpo da mãe e o mundo exterior - um ouvido que amplifica o que acontece fora do ventre materno, faz com que os sons passem a ser naturais, costumeiros, ou desagradáveis e pouco simpáticos. Ou se ouve Mozart e se fica habituado á melodia calmante, ou podem ouvir-se debates e mas palavras. Relações simpáticas ou antipáticas, estudadas pelos nossos analistas e a sua influência no futuro adulto. Não esqueço o bebé que chorava ao ser amamentado: faltava-lhe a viola com Granados a ser tocado, enquanto a mãe brincava com a viola no colo[114]. A análise da função do líquido amniótico, é já antiga, faz mais de 50 anos que médicos, pediatras e terapeutas, procuram uma relação com a capacidade de autonomia da criança ou com a capacidade de comandar os outros, que vários autores analisam, a ditadura da Infância. Anos de estudo e o saber vai-se acumulando, até chegarmos hoje em dia á procura da genética do genoma humano. "O córtex é soberano e, ao mesmo tempo, deixa-se suplantar docilmente pelo reptiliano. O carácter não se sente ameaçado e por isso cede, derrete-se docemente, permitindo que o cerne fique exposto, pulsante, vibrante. "é a necessidade "libertar-se" da actividade mental, com o intuito de reencontrar a unidade psicossomática", como diz Winnicott"[115].

2. Primeira etapa: a pré-existência.

Se a criança entende ou não, é a pergunta para o começo da vida da mesma, definida desde a sua aparente pré-existência. Como já tenho dito e gostava de repetir, a criança é mais um facto cultural de como pequenos e adultos entendem aos cronologicamente mais novos do que um processo da realidade social. A questão é simples: o que é esse entender ou não de se ser criança e o que é que é possível falar em frente do, cronologicamente, mais novo? Os mais novos caracterizam-se por chorarem, ás vezes sem motivo entendível. O pranto dos pequenos pode ser resultado de ouvir uma voz autoritária que faz correr, pensar, sentir, desesperar, se não conhecemos o motivo e a pessoa. Esse ser novo chora e ri desde o seu primeiro dia de existência. Os analistas de pequenos têm defendido que o bebé, como ser humano que sente e é emotivo, começa na gestação e, antes ainda, no imaginário dos pais que pensam produzir um ser humano. Defensor desta ideia é o referido Winnicott, bem como o conhecido Cyrulnik. é a ilusão dos adultos que leva a este tipo de pensamentos. "Como é que será o bebé, semelhante a quem, a cor dos olhos? E outras questões que são colocadas pelos progenitores. Não resisto sintetizar o que a escola francesa organicista de psicologia tem acumulado em saber no assunto do imaginário e da gestação de um outro ser humano e o papel de destaque atribuído aos progenitores durante a gravidez, especialmente o papel cultural alimentar e emotivo da mãe. A história analisada por eles, é assim:

"L"histoire de l"enfant commence dans l"imaginaire des parents. On l"imagine grand, beau, fort et plus tard riche. A partir du moment oú on est deux (couple), on est déjá trois, même si l"enfant n"est pas encore pensé consciemment. Il y a toujours dans le désir d"avoir un enfant un besoin personnel á assouvir. Durant les 9 mois de grossesse, les parents font le deuil de l"enfant imaginaire. On divise les 9 mois en 3 périodes :

1ére période : Incorporation. Il faut acquérir l"identité maternelle, l"assimiler d"aprés la propre histoire de la femme : Quand elle était nourrisson, d"aprés ses rapports avec sa propre mére, son propre pére, sa conception de l"enfant. Cela provoque chez la femme une régression. Elle se voit petite-fille, elle rêve beaucoup de son enfance (souvenirs). Elle pourra aborder sa grossesse soit comme un événement heureux, valorisant, soit avec l"angoisse due á la déformation corporelle, á la fatigue. L"ambivalence des sentiments de refus et d"acceptation pourra entraíner des vomissements, des malaises, des dégoûts…de l"instabilité. Les modifications hormonales toucheront l"humeur, la sexualité… La femme s"installe dans son nouveau statut, non sans heurts.

2éme période : L"enfant est accepté, il bouge, se distingue de la mére. C"est une période sereine. La femme se suffit á elle-même, son corps s"épanouit. Elle ressent une grande sensibilité au monde extérieur. Elle a retrouvé son dynamisme et éprouve beaucoup de bonheur á fabriquer son fÅ“tus. (Notons qu"á ce niveau lá, certaines femmes ressentiront de l"angoisse á l"idée de porter un être vivant, étranger á elles et vécu comme un parasite). La femme commence á concevoir son enfant comme différent d"elle. Le pére acquiert son identité de pére. Il aide psychologiquement la mére á porter l"enfant.

3éme période : Travail de séparation. Les parents confrontent l"enfant imaginaire á l"enfant réel. Un processus de deuil commence. L"enfant existe. Le processus de deuil doit être achevé á l"accouchement. L"enfant naítra réel, autonome et différent. La femme pense á son accouchement, craint les douleurs, le risque de l"enfant mort-né, ou anormal.

L"enfant imaginaire est lá pour combler un manque chez les parents. Aprés la naissance, l"enfant devient d"un coup réel. Cela n"est pas toujours accepté par les parents. Le deuil est donc lá nécessaire.

Cas de malformation á la naissance : Ce qui est important n"est pas qu"un enfant soit incomplet mentalement ou physiquement, mais la façon dont les parents vivent cette incomplétude. Ils pourront y voir une punition, renforçant ainsi la tare chez l"enfant, le confirmant dans son état d"infériorité. Il pourra aussi y avoir de la culpabilisation vis á vis des grands-parents, qui eux ont bien réussi leur travail. Le role maternal será alors plus difficile á acquérir.[116]"

Esta extensa citação da Escola da Etnopsicologia francesa comenta-se por si só., apesar de tanto autor me ter obrigado a entregar estes elementos para saber e lembrar o argumento da procriação e criação de pequenos e dar assim bases analíticas aos leitores. é preciso lembrar apenas três pontos: o primeiro, é que esta é uma, citação do texto da Associação Géza Róheim[117], que define a fundação da Etnopsicologia - atribuída também ao Húngaro Róheim, mas que a História entrega e atribui ao alemão Emil Kraepelin por causa dos seus estudos de método comparado entre europeus de diversos grupos sociais, e os nativos de Java com os artefactos da sua cultura reunidos no Museu que orientava em Hamburgo, e cujas viagens á Índia tiveram por objectivo comparar os conceitos fundados sobre Esquizofrenia e Mania Depressiva, com doenças dos nativos de Java no asilo[118] gerido pelos holandeses. Os seus primeiros textos contextualizam culturas e delimitam a influência que as formas de comportamento normativo social exercem sobre as, nesse tempo, denominadas demências: a forma cultural ensina que não há alcoolismo, mas sim epilepsia, causada pela traição da mulher amada, ou ver o sangue á morte de uma pessoa querida, ou, ainda, ver derramar sangue dos seus consanguíneos ou o facto de entidades míticas denominadas l"amok e le latah, entidades culturais legendárias a agir entre o povo, facto perante o qual se reage, como descreve Gilmore Ellis no The Journal of Mental Science. Doenças que são comportamentos, estudados e descritas por Kraepelin e que Gilmore Ellis analisa na referida revistam: "A ideia que insanidade é rara entre os povos primitivos e que ela tende a aumentar em proporção ao processo civilizatório surgiu pela primeira vez no século XIX. Psiquiatras importantes daquela época defenderam a ideia que existiria uma íntima relação entre civilização e doença mental. A ideia do "bom selvagem", proposta pelo filósofo e reformador francês Russeau, ainda era forte.... Começaram a descobrir doenças mentais que eram restritas a povos primitivos, tais como o amok e o latah, entre os nativos de Java; koro, entre os chineses em Java; o myriath, na Sibéria, pilokto entre os esquimós, etc. Assim, nasceu uma nova abordagem, a assim chamada "psiquiatria cultural do exótico", a qual evoluiu até o presente conceito de síndrome delimitada pela cultura ( "culture-delimited syndrome") Pela primeira vez, o pensamento psiquiátrico buscava fora do seu berço de nascimento uma prova para o valor universal de suas categorias de doença mental. O grande psiquiatra Emil Kraepelin foi um dos primeiros a fazer extensas viagens ao Oriente e examinar pacientes psicóticos entre povos primitivos, tais como na ilha de Java.[119]. O conceito de síndrome culturalmente limitado é central para o entendimento de não termos doentes mentais, mas sim uma relação entre pessoas, etnocentrismo e a sua cultura, com o perigo do afastamento das definições comandadas pela prática e a tradição.

Esta citação revela o império do desejo de entender que a relação cultura - indivíduo, não é apenas uma problemática denominada por Kraepelin um problema civilizacional, é apenas, como referi antes, uma relação de interacção social entre as leis que governam o comportamento humano, orientam a educação dos mais novos e desenvolvem um adulto capaz de se separar da vida social, por mutações biológicas causadas na base de situações emotivas contraditórias, manifestadas pelo adulto, como no caso das formas rituais paranormais de amok, lata, koro, comportamentos que observa nas culturas citadas no paragrafo anterior e redige no seu texto de 1904: Psychiatrie comparée [120], onde refere formas de agir perante o que eu denominaria a traição da cultura ao indivíduo que, até essa altura, vivia em paz, no meio dos ditames da lei escrita ou tradicional, rituais e mitos, sentimentos definidos e formas materiais de os exprimir que não feriam as relações das pessoas entre si, sempre que essa forma de agir prescrita for cumprida. Situações observadas, sentidas e a desenvolver sentimentos na educação dos mais novos. Eis o motivo pelo qual os organicistas não se ocupam apenas com processos de transtorno mental, mas também de teorias educativas, da forma observada por Edwin Guthrie, Melanie Klein, François Dolto e os outros terapeutas referidos. Formas educativas que procuram dar a entender que não é apenas a relação entre adultos e descendentes de uma mesma família o facto social de importância para a resposta epistemológica da criança perante o grupo, também o é o comportamento do grupo em frente de si próprio, grupo que inclui os mais novos como a parte maior e mais vulnerável e que a pouco e pouco reparam, na sua autonomia e independência perante a vida, sem poder ser independente da alimentação e do carinho que os outros indivíduos devem dispensar. Dai que a criança não seja um subentendido: a criança não entende o que se fala e fica mais exposto ao que vê fazer de diferente aos costumes culturais. Este é o contributo que Kraepelin retirou de Java e abriu um caminho para que os eruditos da mente pudessem comparar e retirar formas de comportamentos convenientes á formação do indivíduo. é impossível não sintetizar os comentários que aparecem no livro, esse pioneirismo de reparar [121]em dois conceitos fundamentais para a nossa análise: o etnocentrismo que acaba por ser o elo que orienta o comportamento: o que nós somos é o melhor, ou o que fazem os outros é com eles; e o peso do comportamento cultural e a sua manipulação, que acaba por ter um limite, o da racionalidade emotiva do comportamento entre pessoas. O etnocentrismo define tabus e dinâmicas de comportamentos, traça a linha limite das formas de reprodução humana no saber e entre quais das pessoas da população a afectividade é possível e a relação empática define-se como simpática ou antipática. é o que os autores que introduzem Kraepelin manifestam.

Roudinesco e Plon consideram que "historiquement, l"ethnopsychoanalyse est née de l"ethnopsychiatrie fondé par Emil Kraepelin », texto no qual concluem que a etnopsicologia « c"est l"expresion trnasculturelle qui a fini par s"imposer en lieu et en place d"ethnopsychiatrie ou d"ethnopsichoanalyse, trop chargé d"ethnocentrisme"[122].

Segundo ponto que queria comentar antes de entrar pelo texto das idades da criança e do seu entendimento do mundo: uma definição de Etnopsicologia para entendermos a parte do processo educativo que a Etnopsicologia da infância trata e que fica referido nas páginas anteriores, com o acréscimo do etnocentrismo, conceito fundamental para nos entendermos com a infância.

 Etnocentrismo definido mais tarde por Claude Lévi-Strauss a pedido da UNESCO e que teria feito as delicias do autor da Etnopsicologia[123] que acabou por dedicar a sua obra a relações de imigração para entender de forma comparativa as formas de pensamento, fossem estes etnocentricos ou a fugir das formas mandadas pela interacção social: o etnocentrismo é o desenvolvimento do meu Eu entre os meus, ou do meu grupo social, regras, normas e, especialmente, o fechar as relações aos "selvagens" ou pessoas que vivem á beira do nosso agir, com regras não aceites por nós, ou, pelo menos, para nós, apenas para os outros, enquanto que "indígena" é o habitante natural de um grupo que tem a sua geografia e os seu território, que defende por todos os meios, até pela guerra ou pela união parental.

E um terceiro e final, o comentário do próprio Freud sobre a temática. Discípulo de Wundt na Alemanha, influenciado por Kraepelin e os outros intelectuais germânicos, Freud não consegue não comparar as suas análises sobre a história e processo formativo das neuroses e a histeria, sem estudar grupos australianos com os quais compara a conduta europeia. O resultado é o texto Totem and taboo. Some Points of Agreement Between the Mental Lives of Savages and Neurotics, escrito em 1913[124]. O texto de Róheim que tenho organizado, diz: «Si nous avons commencé cette partie en nous référant á la définition même de Freud, c"est pour souligner le fait que l"ethnopsychanalyse n"est pas une discipline nouvelle ; elle est contenue dans la psychanalyse. Elle est une facette et plus précisément (et en premier approximation) celle que questionne l"interface entre psychisme et culture… ».[125]. é assim, comenta o escritor, como Freud se afasta da clínica para entrar no modelo comparativo de comportamentos nem sempre da sua cultura. Um Freud, como comenta o texto que tenho preparado sobre La Psychanalyse Française [126], que coloca o autor fora do campo analítico francês, muito anti judaico para aceitar as ideias filosóficas do autor. E, no entanto, são ideias que ajudam a perceber essa diferença epistemológica que permite dizer que se pode falar perante as crianças, porque não entendem. Muito embora o caso contrário seja também real: o que a criança diz, não é percebido pelos adultos.

3. O começo da teoria analítica. Entender.

Entre outros motivos da não percepção, está a formação diferente, quanto a imaginário, entre adultos e crianças. O conjunto de adultos que procura entender a criança, vive de forma pragmática e pensa de forma material. O caso mais conhecido, é o do fundador da psicanálise, Sigmund Freud[127]. Como o autor diz, " Sigmund Freud is part of a group of thinkers who have reacted against religion in its formal expression (E.g. Church, liturgy, the belief that God lives in the heavens etc.), but at the same time seeks to internalise key religious concepts and then relate them to the human psyche. However, unlike modern non-realists who see value in religion as a means for promoting certain social and moral values in society (see God as the Sum of our Highest Ideals), Freud is more akin with the likes of Karl Marx who saw religion as an immediate expression of some deeper human problem which needed to be 'cured' (see Marxism). Although Freud was Jewish he never practiced his religion and in fact he believed that all religion was an illusion which had developed to suppress certain neurotic symptoms in humans" e acrescenta uma frase do autor: " [Religion] must exorcise the terrors of nature, [Religion] must reconcile men to the cruelty of fate, particularly as it is shown in death, and [Religion] must compensate them for the sufferings which a civilised life in common has imposed on them".[128] Formas de pensar que dizem respeito ao pragmatismo usado pelos analistas, que retiram das suas formas de pensar, o pensamento simbólico criado pela mente humana entre a natureza e a crença na existência de uma outra vida. Acrescenta o autor da biografia de Sigmund Freud: "In the end Freud believed, as did Marx, that the religious instinct in people was curable (even childish), and so at some point in the future could be abandoned. This would happen once people left behind their psychological illusions and live as restored people in a world of scientifically authenticated knowledge. Yet despite this negative assessment of religion Freud's theory can open up other possibilities for explaining why humans have the religious instinct"[129]. Ideias que Freud desenvolve nos seus textos sobre Moisés[130]para comparar uma ideia fundamental da sua teoria: 'If the relation of a human father to his children is, as the Judaic-Christian tradition teaches, analogous to God's relationship to humanity, it is not surprising that human beings should think of God as their heavenly Father and should come to know God through the infant's experience of utter dependence and the growing child's experience of utter dependence and the growing child's experience of being loved, cared for, and disciplined within a family"[131]

A questão que se coloca para não se entenderem adultos e crianças, é a ideia de, como Freud diz, a religião causa histeria, retira o pensamento positivista e cartesiano e causa uma doença psicopata ao confrontar o que eu faço e penso com o que pode ser feito e pensado por uma criatura não humana. A sua análise começa ao tratar do conceito totem, no seu livro de 1913, Totem e taboo, já citado. A ideia é que o imaginário infantil cria estas entidades, classifica as relações entre os seres humanos e pode pensar que o seu pai é o totem do seu clã, ao qual é retirada a capacidade de mandar, retirando a si a capacidade de amar e criando uma histeria no mais novo. é por isso que Freud retira uma parte do diálogo cultural, entre adultos e crianças, das suas próprias formas de pensar monoteístas e bíblicas, como é possível verificar na sua análise das tábuas para usar o conceito Jesus como Anti édipo. Por outras palavras, a análise do pensamento omnipotente, retirado dos mais pequenos do grupo, que não querem deixar de ser quem manda[132]. Jesus é o Filho do Pai que em tudo obedece e a tudo fica submetido: vive para cumprir a vontade do Pai, elo central da pesquisa de Freud e da sua escola. Se soubéssemos bem a teoria da nossa cultura, nem era preciso acrescentar nada para entender a figura desse Moisés denominado Jesus. A análise leva em si os conceitos de trauma, libido, latência, recalcamento, repressão, conceitos associados á ideia de erotismo, mas que têm sido definidos antes, como a subordinação de um ser humano a outro, como é o caso dum Moisés que serve e libera o seu povo da servidão, da subordinação a uma família proprietária de seres humanos, como os faraós do Egipto Antigo, enquanto Jesus baixa como ser humano ao meio do seu povo para o redimir - o salvar - de comportamentos que a subordinação a outros povos - no caso Israelita, ao Romano do Ocidente primeiro, e ao de Bizâncio mais tarde - causa entre eles: a luta pelo mais forte, a traição aos seus concidadãos, as formas de cumprir deveres que, para viver em paz com os invasores, se tornam atitudes estimadas de mágoa e zanga para com a sua própria divindade. O denominado Complexo de édipo, já analisado antes, passa a explicar, no caso de Freud, qual a dinâmica das crianças no seu comportamento infantil. O que movimentaria a um ser humano entre o ser amamentado e a idade de entender que existe como entidade própria e pode procurar a sua alimentação, seria o amor ao pai do sexo oposto e os ciúmes ao do mesmo sexo: a luta entre o desenvolvimento da pessoa e a aquisição da autonomia. Talvez, nas próprias palavras de Freud possamos entender o que as metáforas totémicas Moisés e Jesus, significam entre os povos israelitas e, para Freud, o seu derivado, o cristianismo, como refere na sua obra, especialmente no importante texto Totem e Tabu.[133] . Mas, em conjunto com este texto de 1913, existem dois, analisados por tantos autores, que no meu texto actual, devo omitir toda a crítica e apenas citar: « Au delá du principe de plaisir»[134], que começa logo com esta frase "La théorie psychanalytique admet sans réserves que l'évolution des processus psychiques est régie par le principe du plaisir.", para passar, a seguir, a definir o que é o prazer: "Aussi nous sommes-nous décidés á établir entre le plaisir et le déplaisir, d'une part, la quantité d'énergie (non liée) que comporte la vie psychique, d'autre part, certains rapports, en admettant que le déplaisir correspond á une augmentation, le plaisir á une diminution de cette quantité d'énergie. Ces rapports, nous ne les concevons pas sous la forme d'une simple corrélation entre l'intensité des sensations et les modifications auxquelles on les rattache, et encore moins pensons-nous (car toutes nos expériences de psycho-physiologie s'y opposent) á la proportionnalité directe ; il est probable que ce qui constitue le facteur décisif de la sensation, c'est le degré de diminution ou d'augmentation de la quantité d'énergie dans une fraction de temps donnée. Sous ce rapport, l'expérience pourrait nous fournir des données utiles, mais le psychanalyste doit se garder de se risquer dans ces problémes, tant qu'il n'aura pas á sa disposition des observations certaines et définies, susceptibles de le guider ». Este texto seleccionado é apenas para indicar que, ao longo de 58 páginas, Freud debate o investimento psicológico e fisiológico que todo ser humano faz para dar resposta á sua libido. Libido, conceito referido antes, que denota a distribuição de actividade para possuir, como diz na página 48, o lucro de ganhar a batalha de lutar pelo Eu e pelo princípio sexual, incipiente já na infância. A luta para além do princípio do prazer, é a procura de manter unidas dentro do Eu, a sobrevivência. Engano seria pensar que o princípio libidinal é a procura do prazer sexual, diria eu, bem como a procura do prazer de si próprio, de se gostar, de se conhecer, de desenvolver a auto estima, o gosto narcísico de si, definido como está no outro texto referido, Capítulo 3, que começa pelo título de "O Eu, o super-eu e o ideal de si" Há uma certa parte de nós próprios que aceita e gosta do outro e dos outros, enquanto que o ideal de mim orienta a minha interacção no mundo que vivo. Os textos de Freud definem, no meu ver, as formas culturais de interagir entre Eu e os outros, orientados pelas regras da cultura do grupo social que nós temos em frente ou dentro do qual vivemos. é este argumento que faz pensar um Freud erótico e não um Freud na procura de explicar esta correlação: eu - outro - regras de comportamento. é aí que devemos pensar a dinâmica do denominado Complexo de édipo e, finalmente, entrar pela definição de totem. No caso do Complexo de édipo, Freud diz de forma simples nas suas aulas introdutórias á psicanálise: "childdren desire to sleep with the mother and to kill the father", ou por outras palavras, as crianças desejam dormir com a mãe e matar ao pai[135]. Esta hipótese é desenvolvida por ter causado grande escândalo na sociedade austríaca e, em geral, entre as pessoas que acreditavam que a família era a paz e a tranquilidade. De facto, não é que a história de Sófocles tenha causado escândalo como ideia cultural. O escândalo é causado pela descoberta de ideias eróticas que têm as crianças e que os adultos não entendem ou não querem acreditar que existam ou sejam reais. O facto de um neo-nato descobrir que a continuidade de sua vida advêm do seio de uma mulher e que essa mulher é repetida e denominada mãe, transfere o prazer que causa a manutenção da vida e a satisfação de comer, a mais básica das necessidades humanas, para a pessoa que a satisfaz. Sentimento emotivo associado a idade que tem a criança, que entende do seu eu e da sua própria super vivência e não do papel histórico - económico que joga o pai dentro de família ocidental. O que interessa é a descoberta feita por Freud da existência da uma vida genital na criança, definida como atracção de corpo a corpo, com emotividade no meio desta atracção[136]. O interessante é o que Ernest Jones[137] tem estudado e, recentemente, tem-se analisado: o evitar do incesto através da criação da ideia de édipo. O próprio Freud mais tarde analisa os seus textos sobre o édipo: "Freud claimed in Civilization and Its Discontents (1930)[138] provide the historical and emotional foundations of culture, law civility and decency. I find it embarrassing to admit that when I asked myself how much of this I carry around as my normal conceptual baggage; it turned out to be a light valise. First, there is the oedipal triangle, whereby a child somewhere between three and a half and six wants the parent of the opposite sex and has to come to terms with the same sex."[139] Não é o caso do autor estar a dizer não ás suas ideias sobre o Complexo de édipo, mas sim de pensar o papel que a cultura tem entre entidades que têm desejo, altura em que o incesto passa a ser uma realidade mais importante ou mais gritante, que o saber que a criança sente desejos sexuais, desejos que devem ser evitados para manter o que denominamos em Antropologia a exogamia que caracteriza a organização social da nossa cultura. A noção da sexualidade infantil como realidade estava já estabelecida. Nos seus ensaios, o próprio autor que estamos a analisar, diz: " The source of infantile sexuality...is to trace the sources of sexual instinct [and] has shown us so far that sexual excitation arises a) as a reproduction of a satisfaction experienced in connection with another organic processes, b) through appropriate peripheral stimulation of erotogenic zones and c) as an expression of certain "instincts" (such as the scopophilic instinct and the instinct of cruelty) …The direct observation of children has the disadvantage of working upon data which are easily misunderstadable…"[140]. O próprio autor reconhece a dificuldade, mas é capaz de demostrar factos que a idade pré-Freud não falava e que Michéle Foucault comenta: "As we have seen Freud"s contemporaries viewed sexuality as flowing directly from nature, directed otherwise resulting in perversions and vice. Freud begins his research along side Breuer whose notoriety for treating female hysterics with hypnosis and surgical removal of the ovaries had shocked and captivated public attention. While his earliest scientific endeavours were founded upon a purely physiological understanding, Freud"s work would increasingly lead him toward formulating a theory of the mind encompassing and integrating the physiological, psycho-sexual and social dimensions. Freud"s legacy to the twentieth century is to have brought sexuality into the social; the sexualisation of the social."[141]

É a louvável forma de entender o que o adulto não fala porque não entende. Ou que a criança não diz, porque não sabe. Mas é a descoberta que abre as portas ao entendimento de adultos e crianças para sabermos que a dinâmica do ser humano consiste em socializar a sexualidade, reconhecer os seus factos, entender o que a criança faz e diz, aceitar e orientar. Como diz Young já citado, durante anos carreguei com o fardo de pensar que a criança era violadora, invejosa e assassina, até reparar que havia um facto mais importante, organizar as formas de troca matrimonial, quer no Ocidente, quer em outras etnias. Já Melanie Klein tinha andado pelas teorias de Freud, como referi antes, mas não consegue ir mais longe do que entender que a dinâmica infantil é o erotismo.

4. A lógica da cultura.

  A questão está em entender o amor, já definido ao começo, e ver a bases religiosas que desenvolvem a psicanálise, como prometi referir. Toda criança procura que o seu pai seja quem comande, não perca a omnipotência. O totem faz parte dessa autoridade. Aí é bem tempo de definir o conceito de omnipotência e de totem, e o melhor, mais uma vez, é o estudante de Wundt, Freud, que diz baseado no seu professor: "In the first place, the totem is the common ancestor of the clan; at the same time it is their guardian spirit and helper, which sends them oracles and, if dangerous to others, recognises and spares its own children"[142]. Mas, um totem é também a forma de organizar as relações individuais das pessoas, definir o conceito polinésio de proibição ou tapu ou tabu, pelo que Wundt, Frazer, Durkheim e Freud, salientam uma segunda parte: "It is as a rule an animal (whether edible and harmless or dangerous and feared) and more rarely a plant or a natural phenomenon (such as rain or       water), which stands in a peculiar relation to the whole clan".[143] E, no entanto, Freud salienta, no Capítulo 4 da sua obra, que denomina "The return of totemism in chilhood" o agir da infância perante a ideia totémica, essa história á qual vou retornar, a de Jesus e Moisés, porque é importante para entender as diferentes formas de ver o real entre adulto e criança. Vejamos. Para um adulto, o totem organiza a interacção; para uma criança, diz Freud ao analisar o caso do pequeno europeu Hans e do pequeno australiano Arpád, que os dois amam aos seus pais e sentem o orgulho de serem pessoas com uma certa reputação pelo lugar que ocupam na hierarquia[144] e as felonias causadas na base desses factos relacionados com as hierarquias que usufruem, de modo que aprendem - e esse é outro papel do totem, o transferir o saber e as regras de comportamento em sociedade - o respeito aos artefactos e comportamentos associados aos ancestrais, especialmente as duas proibições principais: nunca matar o totem - directamente ou relações e aprender a exogamia, que é analisada em outro capítulo.

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