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“Adesão ao A.A.” uma alternativa do jecrim (página 2)

Eliane Julkovski de Arazjo
Partes: 1, 2, 3, 4, 5

Por meio destes dados e por levantamento prévio de cada procedimento encaminhado ao NUPS pelo JECrim no ano de 2006, e que se relacionavam com violência contra a mulher, busco traçar o perfil sócio-econômico destes homens, conhecer a filosofia que orienta o A.A. e a possível contradição existente entre esta e os encaminhamentos judiciais. Neste capítulo dou, ainda, especial atenção à relação existente entre o alcoolismo e a violência, dando ênfase no papel que cabe ao A.A para a superação da violência contra a mulher.

INTRODUÇÃO

A violência tem sido fato constante na vida cotidiana de cidadãos e cidadãs, não só brasileiros/as, mas de todo o mundo. Estudos realizados pelo IBGE mostram que nos últimos vinte anos, das quase 2 milhões de mortes por causas violentas, dentre elas: homicídios, suicídios, acidentes e outras causas não naturais, seiscentos mil foram resultantes de homicídios.

A Síntese de Indicadores Sociais - 2003 constatou que o número de mortes por homicídios aumentou 130% desde a década de 80. Na década de 90, o número de mortes por armas de fogo aumentou em 95% entre os homens de 15 a 24 anos, grupo mais afetado pela violência. Em 1980, o total de homicídios no Brasil foi de 13.910, passou para 31.989 em 1990 e chegou em 45.343 em 2000.Segundo Raymund e Kavaguti (2003) no Estado de São Paulo a violência aumentou em 51% - 233,95 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes.

Esta violência tem ganhado visibilidade na mídia em geral, de forma banal e encarada com naturalidade, tal a freqüência com que estampam as manchetes. Todos os meios de comunicação, mas em especial, a televisão, pois esta atinge a quase 100% dos lares, noticiam fatos violentos com sensacionalismo, com o único intuito de aumentar a audiência. A violência é transformada assim, em uma mercadoria que propicia grandes lucros. E mais ainda, tem a função de moldar mentes, impor pensamentos e conformar comportamentos de acordo com os interesses da classe dominante, que é quem detém os meios de comunicação.

Cunha (2001), em seu artigo “Mídia dramatiza a violência, dizem pesquisadores” cita Kahn[1], para o qual "existe uma superexploração dos crimes violentos contra a pessoa, como chacinas, homicídios e seqüestros". Esta superexposição estaria influenciando na relação das pessoas, de todas as camadas sociais, com a violência.

Este contexto tem suscitado questionamentos sobre as origens dessa violência e sobre como combatê-la. Juízes, advogados, políticos e a população em geral se dividem em seus posicionamentos: para uns a violência só pode ser combatida através de uma “tolerância zero”, partindo do princípio que os altos índices de criminalidade está intrinsecamente relacionado à falta de punição. No entanto, há que se perguntar, “tolerância zero” diante de que? Para quem? Para Wunderlich[2],(2005) quando um conflito chega à justiça, este deve ser solucionado sem que se perca de vista as garantias e direitos previstos na Constituição, sejam os direitos das vítimas ou dos/as autores/as dos fatos. Não é possível que em nome de uma “tolerância zero”, se coloque a “defesa social” acima dos direitos e garantias individuais.

Para outros, estes índices têm origem mais complexas. Teriam forte vínculo com o nível de desigualdade social, ou seja, um país como o Brasil que detém o título de campeão mundial da desigualdade social, conferido pelo Banco Mundial, que divulgou estudo em 1995, informando que, os 20% mais ricos concentram 32 vezes mais renda do que os 20% mais pobres, cria um terreno propício para o aumento dos índices de violência.

A violência, para Shecaira[3] (1999), não pode ser tratada apenas como um caso de polícia, pois com uma política repressiva o Estado acaba gerando mais violência. Uma ação violenta geraria conseqüentemente, uma reação violenta.

Embora se observe que a violência não seja uma característica exclusiva do sistema capitalista - atos violentos têm sido observados em todos os períodos da história, em momentos e conjunturas diversas - o que se pode perceber, é que é no sistema capitalista que ela se intensifica alcançando níveis intoleráveis.

Partindo da perspectiva marxista, pode-se afirmar que a violência se acentua na sociedade capitalista a partir do desenvolvimento da questão social, entendida a partir da concepção de Iamamoto e Carvalho, como:

[...] as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão” (1983, p.77).

Portanto, a questão social se expressa na contradição do modo de produção capitalista, onde a riqueza gerada socialmente é apropriada pelos capitalistas, impedindo que o trabalhador usufrua dessas riquezas, portanto a diversificação e agudização do fenômeno da violência seria uma das expressões da questão social geradas no seio do capitalismo, assim como a pobreza, o analfabetismo, o desemprego, a fome, dentre outras.

Não raras às vezes, esta violência tem mostrado estreito vínculo com o uso abusivo de substâncias psicoativas, tendo o álcool grande destaque nesta relação. Pesquisa realizada em 1996, pelo Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde “Jorge Careli”[4], no Hospital Miguel Couto, do Rio de Janeiro, tendo como objetivo identificar o peso da violência no atendimento de emergência, mostra que dos 2.736 atendimentos relacionados a algum tipo de violência, 343 envolviam o uso de substancias psicoativas. Das 176 agressões atendidas neste hospital, 33% tinham o envolvimento de algum tipo de drogas. Nos casos de acidentes de trânsito, 40,5% dos 149 envolviam o uso de entorpecentes. Segundo Niewiadomski[5](2004) em seu artigo “Violências e Alcoolismo: Abordagem Biográfica em Alcoologia e Hermenêutica do Sujeito”, o álcool está envolvido em 30% dos acidentes de tráfego, em 10 a 20% dos acidentes de trabalho, em torno de dois terços dos homicídios voluntários e em mais de um quarto dos suicídios.

Pesquisa[6] realizada em São Paulo por Kahn e Zanect[7] (2005), mostra que entre os crimes cometidos por arma de fogo, nesta cidade, 41,0% das vítimas tinham feito uso de álcool, enquanto que nos crimes cometidos através de armas brancas, objetos contundentes e outros, esse percentual pode chegar a 58,9%.

Estes números, por si só, mostram a estreita relação entre álcool e violência, no entanto não é possível afirmar que o álcool seja a causa da violência, pois nem todos que bebem são violentos, assim como nem todos aqueles que praticam atos violentos bebem. Em matéria escrita por Carlos Eduardo Santos, publicada no Jornal do Commércio em 2004, Melo[8], declara não haver nenhuma relação química entre o álcool e a agressividade. O álcool atuaria como um desinibidor, diminuindo a censura do indivíduo e ressaltando uma agressividade já latente.

Esta violência generalizada e potencializada pelo uso de álcool atinge a burgueses e proletários, ricos e pobres, homens, mulheres, adultos e crianças indiscriminadamente. Porém, neste momento e por ser objeto deste estudo, será dado maior destaque a uma das expressões desta violência que também tem chamado a atenção e suscitado árduos debates, tanto em âmbito público como privado: a violência contra a mulher, entendida a partir da definição da Convenção de Belém do Pará - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher e adotada pela OEA em 1994 - como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.

Segundo a OMS, em estudo realizado em 2002, quase metade das mulheres assassinadas foram mortas pelo (ex) marido/companheiro ou (ex) namorado, sendo que, a violência responde por aproximadamente 7% de todas as mortes de mulheres entre 15 a 44 anos no mundo todo. Em alguns países, até 69% das mulheres relatam terem sido agredidas fisicamente e até 47% declaram que sua primeira relação sexual foi forçada.

O uso de álcool parece estar envolvido em até 50% dos casos de agressão sexual. Homens casados violentos possuem índices mais altos de alcoolismo em comparação àqueles não violentos. Estudos relatam índices de alcoolismo de 67% e 93% entre maridos que espancam suas esposas. Entre homens alcoolistas em tratamento, 20 a 33% relataram ter atacado suas mulheres pelo menos uma vez no ano anterior ao estudo, ao passo que suas esposas relatam índices ainda mais elevados. a Associação médica americana relata que o estupro representa 54% dos casos de violência marital [...] (ZIlBERMAN[9]; BLUME. 2005).

Ao longo de séculos, a mulher tem sido tratada como ser inferior que deveria curvar-se sob o domínio do homem a quem deve obediência. No pensamento coletivo, social e culturalmente construído, o sentido da existência desta mulher sempre esteve no seu papel de mãe zelosa e esposa servil. No entanto, com o acelerado processo de industrialização e o avanço do capitalismo, onde novas necessidades são criadas a cada instante, e impulsionadas pelos períodos de guerras, as mulheres se vêm obrigadas a sair do interior de seus “palácios” - onde nunca foram rainhas, mas sim servas submissas - para construir artefatos de guerra ou para substituir os homens onde quer que fosse necessário, a fim de prover o sustento de seus lares. Quando a guerra acabou, os homens regressaram e reivindicaram seus empregos de volta. Foram então, criadas estratégias para que essas mulheres retornassem aos seus lares. Estas estratégias ressaltavam o “papel de mãe e de rainha do lar” dessa mulher. Porém, estas estratégias fracassaram, pois já haviam encontrado um novo sentido em suas vidas, descobriram que podiam ser tão capazes quanto os homens, promovendo assim, transformações significativas nas relações sociais e especificamente, nas relações entre homens e mulheres.

Para Arendt[10] (1994) a violência se instala onde o poder perde espaço. Seria a violência então, o último instrumento utilizado na tentativa de manutenção do poder que nos escapa das mãos. Assim, onde um domina, o outro está necessariamente ausente.

Se fizermos um paralelo entre o pensamento de Arendt com o contexto no qual o homem proclamado pela sociedade, provedor e senhor de seu lar, perde seu espaço até então legítimo, podemos constatar que a violência contra a mulher pode ser encarada como uma reação desse homem diante dessa perda ou diminuição de seu poder sobre esta mulher, agora menos subserviente e mais senhora de si. No entanto, vale destacar que as causas dessa violência são muito mais complexas, envolvem fatores culturais, sociais, econômicos, entre outros.

Se para muitos, na atualidade, o ideal de mulher “Amélia”– frágil e submissa - está superado, em grande parte do imaginário masculino, e porque não dizer também, feminino, esta é ainda uma verdade inexorável. Se hoje já se esboça a construção de uma cultura onde a mulher possa ser tratada como um ser de direito, é porque esta mulher submissa encontrou condições históricas e psicológicas para reivindicar seu espaço na sociedade, não como um ser inferior, mas como ser humano.

Expressivo exemplo das conquistas das mulheres nos últimos anos é a criação de uma legislação que defende seus direitos de cidadãs e tenta instituir medidas protetivas à mulher agredida física, psicológica e/ou moralmente.

Esta é uma realidade patente no Núcleo Psicossocial Forense - NUPS do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá – JECrim, que orientado pela Lei 9.099/95 e sob a perspectiva da Justiça Terapêutica vem, desde sua criação em 2002, tentando encontrar alternativas para o enfrentamento da violência, e em especial, no enfrentamento à violência contra a mulher. Através de levantamento nesta instituição, pode-se verificar que dos 309 procedimentos relacionados à violência contra mulher, que deram entrada em 2006, no NUPS, 174 têm como potencializador desta violência o álcool e/ou outras drogas. Assim, esses agressores são encaminhados para tratamento no Centro de Atendimento Psicossocial - CAPS-Ad e principalmente para os Alcoólicos Anônimos, instituição que através de princípios construídos historicamente e que balizam sua intervenção, se propõe fortalecer os sujeitos para que estes possam superar sua dependência e reestruturar suas relações, reinserindo-se na sociedade.

Diante desse contexto é que se pretende através deste Trabalho de Conclusão de Curso, fazer uma reflexão sobre a relevância dos “encaminhamentos” como um mecanismo de superação da violência contra a mulher, mas entendidos por mim como imposições judiciais, haja vista que, a exigência de freqüência ao A.A. continua a ser uma prática constante nas 1ª e 2ª Varas Especializadas de Violência Contra a Mulher, mesmo após ter sido decretada a Lei nº 11.340/2006 - Lei Maria da Penha - que combate a violência doméstica e de gênero, retirando este delito da relação dos crimes considerados de menor potencial ofensivo.

Este trabalho é ainda relevante para a categoria profissional do Serviço Social, pois, além do papel de interventor e mediador, cabe a este profissional a desafiadora tarefa de produzir conhecimento acerca da realidade em que está inserido.

O Serviço Social, enquanto profissão que se institucionaliza a partir do evidenciamento da questão social, e da necessidade do Estado de amenizar os conflitos decorrentes da ordem capitalista, não pode esquecer-se do caráter pedagógico que passou a assumir ao longo de sua trajetória.

Apesar de estar inserido numa sociedade em que as relações são contraditórias em sua essência, e dividida em classes antagônicas, o profissional do Serviço Social deve se lembrar que - embasado no manancial de conhecimento construído ao longo de sua trajetória histórica e em seu Código de Ética - além de atender aos interesses do capital, pode e deve atender também, aos interesses da classe trabalhadora.

Nesse sentido, o Serviço Social deve criar estratégias para o atendimento das questões vinculadas a violência contra a mulher. Dito de outra forma, o profissional deve atender vítimas e agressores pautando-se no seu projeto ético-político, em defesa dos direitos humanos e sociais, da democracia, e da liberdade, sem se deter nas aparências, nem atender apenas as demandas do cotidiano institucional, indo além das manifestações e exigências imediatas,.

Além de refletir sobre a relevância dos encaminhamentos dos autores dos fatos ao A.A., este trabalho tem ainda, como objetivos:

a) Conhecer o perfil sócio econômico dos agressores encaminhados ao A.A.;

b) Conhecer a filosofia que orienta o A.A.;

c) Constatar se os encaminhamentos feitos pela via judicial ao A.A. confrontam com a filosofia que o orienta;

d) Identificar possíveis entraves no cotidiano dos apenados para o cumprimento desta medida;

e) Verificar se a freqüência ao A.A. contribui para uma mudança na relação violenta estabelecida entre autores dos fatos e vítimas.

Para que estes objetivos sejam alcançados busquei na fase exploratória desta pesquisa conhecer o universo a ser estudado. Para tanto, foi realizado um levantamento de dados, através do qual foi analisado cada procedimento que deu entrada no JECrim e que foi encaminhado para o NUPS, no ano de 2006, elegendo aqueles que tinham relação com a violência contra a mulher, ou seja, aqueles nos quais os autores dos fatos (homem) havia se envolvido em conflito com vitimas do sexo feminino, incluindo-se também os procedimentos que receberam no ato do Boletim de Ocorrência a classificação de “vias de fato”, onde há agressão mútua.

Constatou-se através deste levantamento, que neste ano, 309 procedimentos tinham estreita relação com a violência contra a mulher. Destes, por meio de uma análise cuidadosa do Boletim de Ocorrência, das fichas de entrevistas e dos encaminhamentos dados, verifiquei que 174 autores dos fatos tinham sido encaminhados às reuniões de A.A., ou por estes terem o hábito regular de fazer uso de bebida alcoólica ou por estarem alcoolizados no momento em que praticaram ato violento contra a vítima. Destes 174 procedimentos, verificou-se que apenas 33% estão cumprindo ou já cumpriram a medida, totalizando 58 procedimentos. Assim, estes procedimentos – 58 - passaram a constituir o universo desta pesquisa.

Como nenhum conhecimento neste sentido foi produzido até a presente data, a proposta aqui apresentada é de realizar uma pesquisa quanti-qualitativa de caráter exploratório, propiciando assim, uma aproximação e maior conhecimento dessa realidade.

Segundo Gil[11] a pesquisa exploratória “[...] tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias, tendo em vista, a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores” (GIL, 1999, p.42).

Assim, optei em realizar uma pesquisa exploratória, por considerar que esta atende aos objetivos previamente traçados.

A eleição da pesquisa quanti-qualitativa se deu pelo entendimento de que não há uma dicotomia entre elas, e que as duas se complementam, como discute Minayo[12] (2001), sendo que a pesquisa quantitativa permite uma análise dos dados objetivos, enquanto a qualitativa possibilita uma visão mais profunda sobre a realidade analisada, desvelando aspectos dessa realidade que não podem ser mensurados, devido sua subjetividade.

No referente à amostra, parte-se do entendimento de que 20% do universo delimitado poderão dar respostas representativas e relevantes ao problema delineado.

As hipóteses levantadas ao longo do processo de desenvolvimento deste trabalho partem do princípio de que mesmo freqüentando o A.A. involuntariamente, por determinação judicial:

1. Os autores dos fatos têm conseguido adaptar-se a filosofia dessa instituição;

2. Os autores dos fatos têm conseguido se fortalecer enquanto sujeitos capazes de superar a dependência do álcool e outras drogas;

3. Os autores dos fatos não têm encontrado condições para a superação das

relações conflituosas estabelecidas com as vítimas.

Para que possa confirmar ou refutar estas hipóteses, considera-se que esta amostra deva ser não-probabilística intencional, pois, segundo Gil (1999: p. 104), esta permite que o pesquisador selecione a população mais acessível de forma representativa, com base nas informações disponíveis e que atenda aos critérios pré-estabelecidos na pesquisa.

A coleta de dados será realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas com os homens agressores que tenham freqüentado o A.A. como medida sócio educativa, ou que ainda estejam cumprindo esta medida, desde que, num período não inferior a três meses.

A escolha da entrevista semi-estruturada se deu por esta atender aos requisitos deste trabalho, visto que, permite uma participação ativa do entrevistador, que elabora previamente um roteiro a ser seguido e que, por estar face a face com o entrevistado, tem oportunidade de esclarecer as questões para que este as compreenda melhor. Este tipo de entrevista apresenta questões fechadas que atendem as questões mais objetivas, assim como questões abertas, que permitem colher informações mais subjetivas sobre o sujeito pesquisado e sobre a realidade por ele percebida.

Inicialmente pretendia levantar discussões sobre quais os reais impactos da freqüência dos “agressores” ao A.A. no cotidiano destas mulheres através de reuniões com os grupos de

mulheres[13] realizados mensalmente no NUPS e organizados pelas profissionais de Serviço Social e Psicologia, assim como, pelos/as estagiários/as de Serviço Social, no entanto, devido à suspensão temporária deste trabalho, em virtude das férias, e devido o curto espaço de tempo para a conclusão desta pesquisa, optei por colher estes dados através das entrevistas de acompanhamento realizadas com essas mulheres regularmente no NUPS.

O aporte teórico será fundamental para o conhecimento da filosofia que orienta os Alcoólicos Anônimos, que possibilitará refletir em que medida os encaminhamentos judiciais contrariam ou não esta filosofia.

A fundamentação teórica é indispensável em todo o processo de aproximação da realidade e de construção de uma pesquisa. Para Minayo, teoria é :

[...] um conjunto inter-relacionado de princípios e definições que servem para dar organização lógica a aspectos selecionados da realidade empírica. Uma teoria reúne um conjunto de pressupostos e axiomas[14] [...], proposições logicamente inter-relacionadas e empiricamente verificáveis (2004: p. 91 - 92).

Portanto, o aporte teórico será constantemente revisitado no decorrer de todo o processo de construção deste trabalho, pois é ele quem fundamentará todas as reflexões aqui levantadas. Seja através de fontes primárias ou “de primeira mão” – documentos, questionários, entrevistas, entre outras, ou de fontes secundárias – livros, artigos, textos extraídos da internet, entre outros.

As categorias a serem trabalhadas no desenvolvimento deste trabalho a fim de dar respostas aos objetivos previamente traçados serão: Álcool e Alcoolismo, Alcoólicos Anônimos, violência, violência contra a mulher. No entanto, outras categorias relevantes podem surgir no decorrer deste.

CAPÍTULO I

1.0 APROXIMAÇÕES COM O CAMPO DE ESTÁGIO: Construindo uma Identidade Profissional

1.1 O Estágio Supervisionado

A partir da leitura de Buriola (1995), pode-se definir o estágio como o espaço acadêmico no qual o/a aluno/a poderá se munir de um referencial teórico e metodológico para sua atuação profissional. Embora, seja neste espaço onde se pode desenvolver uma consciência crítica - ou não - todo esse aprendizado, construído ao longo de quatro ou cinco anos, não basta para uma atuação competente.

A competência terá de ser construída constantemente no cotidiano desse/a profissional que enfrentará as mais diversas situações, as quais, só a prática, aliada à bagagem teórico-metodológica dará as condições necessárias para fazer o enfrentamento desta realidade.

Segundo Buriola: “O estágio é concebido como um campo de treinamento, um espaço de aprendizagem do fazer concreto do Serviço Social, onde um leque de situações de aprendizagem se manifesta para o/a estagiário/a, tendo em vista sua formação.” (1995, p. 13)

Assim, o estágio supervisionado é peça fundamental no processo de aprendizagem profissional. É neste espaço que o/a estudante poderá ter seu primeiro contato com a prática e com as relações que se estabelecem nas instituições e organizações a qual se vincula pelo estágio.

O espaço do estágio é onde podem surgir situações contraditórias, nas quais se evidenciam a tão discutida dicotomia entre a teoria e prática. Profissionais desmotivados/as, que tenham se afastado por completo, ou quase, do referencial teórico, podem se transformar em um obstáculo para o qual o/a estagiário/a deve estar atento/a e preparado/a para enfrentar.

É ainda no campo de estágio que o/a aluno/a pode aprender a fazer uso dos instrumentais estudados até então, vivenciando a práxis profissional, interagindo com as instituições e com o/a usuário/a de seus serviços.

O estágio é um desafio a ser enfrentado pelo/a aluno/a. Com certeza, um dos muitos desafios a serem enfrentados durante sua vivencia profissional. Desafio este, que será mais facilmente vencido se o/a aluno/a tiver consciência de que para uma prática eficaz, se precisa fundamentar ética e teoricamente, assumindo uma perspectiva e um posicionamento político claro.

O estágio apresenta certas dificuldades que, por vezes, tornam-se um impedimento para o desenvolvimento da identidade profissional do/a estagiário/a. Buriola (1995) elenca algumas destas dificuldades que são comuns a qualquer campo de estágio, e que pude constar em meu primeiro contato com o Núcleo Psicossocial Forense – NUPS, campo de estágio ao qual me vinculei ao ingressar no 6° semestre do Curso de Serviço Social da UFMT, embora, oficialmente, não faça parte do organograma do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá – JECrim, o NUPS foi concebido para subsidiar esta instituição.

Dentre as dificuldades relatadas por Buriola, as que pude encontrar nesse espaço institucional se referem à:

a) Falta de habilidade para lidar tanto com profissionais, quanto com usuários/as e ainda com a burocracia das instituições, pois esta dificulta ou impede que se cumpram os objetivos.

b) A dicotomia entre a teoria e a prática.

c) Falta de condições mínimas para a atuação do/a estagiário/a nas instituições que oferecem campo de estágio

d) Dificuldades em conhecer e entender o funcionamento das instituições,

e) Dificuldades em conciliar compromissos profissionais e o cumprimento da carga horária do estágio.

f) Delegação de atividades aos/às estagiários/as que não dizem respeito às suas atribuições.

Foi ainda, no texto de Buriola (1995), relatada como uma dificuldade do estágio, a natureza da instituição. O fato de a instituição ser de natureza pública é apontado como um condicionante para a dificuldade de atuação do/a estagiário/a, porém, o que se percebe é que, mesmo em instituições de natureza privada existem os mesmos problemas.

No referente a este último questionamento, o NUPS apresenta uma característica peculiar, pois, se constitui num espaço vinculado ao poder judiciário, que historicamente vem se afirmando socialmente como “superior”, estabelecendo uma correlação de forças com outras categorias profissionais que muito têm contribuído com sua atuação. Segundo Maria de Sousa Rodrigues[15]:

Discutir a respeito das implicações éticos políticos da construção do trabalho do Assistente Social, no sistema judiciário,[...] e Núcleos de Prática Jurídica, conselhos de direitos, dentre outros é marco histórico. Contudo, há que se pensar estas questões a partir da ocupação pelo Assistente Social, de um espaço de trabalho vinculado a poderes tradicionalmente visto como superior, mas que, o profissional contribui tecnicamente a partir da sua implicação com uma categoria que tem um projeto ético político e compromisso com a democracia, a liberdade e justiça social ( 2006, p. 67).

Ainda sobre o apoderamento do Poder Judiciário e das relações que o permeiam, podemos destacar que:

O campo jurídico, de acordo com Bourdieu, é entendido como o lugar por excelência da concorrência entre os operadores do Direito pelo ‘monopólio de dizer o direito’, ou seja, ‘o nomos, a boa distribuição, a boa ordem’. Lugar onde os agentes investidos de competência social e técnica se defrontam, procurando cada qual interpretar os textos que possuem em si a visão legítima, ‘justa’, acerca do mundo social.” ( Pocay[16]; Alapanian[17], 2006).

Para que possa relatar sobre esta experiência no campo de estágio, onde presenciei esta correlação de forças, me proponho explanar sobre o que é o NUPS, como foi criado e quais seus objetivos e os desafios enfrentados neste espaço. Buscando entender a Lei 9.099, os Juizados Especial Criminais e a dinâmica de seus procedimentos, e ainda, o conceito de Justiça Terapêutica, pois, esta é a diretriz que conduz as ações dos profissionais do NUPS. No entanto, necessário se faz entender primeiramente como se dá a aproximação do Serviço Social com o judiciário e ainda, ponderar sobre a competência teórico-metodológica desse profissional.

1.2 AAproximação do Serviço Social com o Judiciário

Se por um lado as profissões do Serviço Social e do Direito se colocam na defesa dos direitos conquistados, os fundamentos e ideologias que direcionam estas profissões são contraditórios. Enquanto os Operadores de Direito se preocupam exclusivamente com a “solução” do conflito, através da aplicação da lei, de forma fragmentada, o Serviço Social vê este usuário como um sujeito de direitos. Munido do método crítico dialético, no qual uma causa tem vários efeitos que incidem sobre a própria causa, num movimento constante, o profissional deve assumir uma perspectiva de totalidade, buscando apreender o maior número de mediações de determinada realidade para poder chegar a sua essência. Portanto, o Serviço Social se preocupa com o sujeito inserido num contexto histórico e numa conjuntura, e que ao mesmo tempo em que determina é determinado por ela. Garantindo os princípios de Democracia, Justiça social e liberdade a seus usuários.

Estas características singulares que o Serviço Social assume ao inserir-se no poder Judiciário, nos fazem tentar compreender como se deu a aproximação dessas duas categorias tão antagônicas.

Segundo Rodrigues (2006), é nas décadas de 20 e 30, com Mary Richmond, que o Serviço Social se insere no Campo Jurídico. No Brasil, esta inserção se dá em 1940, com a contratação da primeira Assistente Social para intervenção no Judiciário Paulista. Em meados do século XX a prática profissional do Serviço Social no campo sócio-jurídico é legalmente sancionada, porém, esta atuação não se dá num processo contínuo e evolutivo, pois esta categoria profissional é marcada historicamente por processos de ruptura e por diversos paradigmas e matrizes teóricas que dão direção ao seu pensamento e à sua prática.

Embora o Serviço Social esteja inserido no Campo sócio-jurídico desde a década de 20, é só com a edição da Revista Serviço Social e Sociedade, n° 67 e do X Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, em 2001, que se levantam discussões sobre o tema, trazendo-o à evidência.

O Serviço Social e operadores do Direito se debruçam sobre os mesmos fenômenos, no entanto, seus olhares e linguagem se dão de forma diferenciada, ocasionando assim, intervenções muitas vezes contraditórias.

Enquanto a intervenção profissional do Serviço Social se dá na perspectiva da garantia e ampliação de direitos, enxergando o usuário como um sujeito histórico, determinado e determinante, inserido numa relação de classes contraditória, os operadores do Direito, voltam suas preocupações para a resolução de um problema imediato, de forma fragmentada. Buscam dirimir os conflitos de interesses individuais e coletivos, para assim, assegurar a ordem jurídica e a harmonia social.

O/a assistente social, chamado para intervir no Campo Judiciário, via de regra, atende a demanda da instituição, submetendo-se as suas regras e normas, pois, este é um espaço, onde a relação de poder se faz presente de forma densa.

O poder no judiciário é tradicionalmente visto como “superior”, portanto, o profissional do Serviço Social deve estar bem fundamentado teoricamente e consciente de suas atribuições, a fim de que possa contribuir com a instituição, sem permitir ser “absorvido” por ela; sem romper com o compromisso assumido por esta categoria profissional, no sentido de promover a democracia, a liberdade e a justiça social aos seus usuários, conforme preconiza a Lei n° 8.662 de 07/06/93, que regulamenta a profissão.

A Corregedoria de Justiça do TJ/MT, em 2001, definiu as atribuições do Serviço Social no Judiciário, no Estado de Mato Grosso:

1. Efetuar atendimento ao público, por meio da triagem, encaminhamentos às instituições de apoio e retaguarda, quando necessário.

2. Atuar nos autos através da elaboração do estudo social e relatórios informativos complementares.

3. Realizar orientação, apoio e acompanhamento social dos casos determinados nos autos.

4. Efetuar visitas domiciliares quando necessárias, o juiz deverá providenciar os meios necessários para efetivação do trabalho.

5. Participar de audiências e fornecer laudos técnicos quando requisitados com o objetivo de subsidiar a autoridade judiciária em sua decisão.

6. Fazer acompanhamento do reeducando quando em mudança de regime, encaminhando-o e orientando no desenvolvimento do trabalho e de sua adaptação ao meio.

7. Elaborar, no Departamento Técnico do Fórum, o Exame Social que compõe o Exame Criminológico quando determinado nos autos.

8. Elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos e convênio com diferentes órgãos de Âmbitos Municipais, Estadual, Federal e ONGs.

9. Assessorar e/ou Coordenar ações que visem à efetivação de planos, programas, projetos no aspecto organizacional, administrativo e financeiro.

10.Realizar outras atividades correlatas à sua profissão, por determinação de autoridade judiciária.

11.Fica assegurada ao profissional a liberdade de manifestação, do ponto de vista técnico, responderão em juízo por todos os atos praticados e deverá elaborar o resultado dos estudos técnicos com as partes envolvidas a partir dos instrumentais próprios de sua profissão.

Diante destas atribuições e da realidade vivenciada no âmbito do Judiciário, fica evidente que a intervenção do Serviço Social neste espaço ocupacional se constitui em um desafio. Este é um campo onde podem se estabelecer grandes enfrentamentos, pois, o Judiciário possui uma estrutura fechada e formal, quase impenetrável e revestida de poder. “A prática tem demonstrado que a noção de intervenção é vaga e ambígua. Ora é sinônimo de mediação ou pode converter-se em mecanismo regulador, pode associar-se à coerção e a repressão para manter a ordem estabelecida” (Lourau et all; Lapassede apud RODRIGUES, 2006, p. 88).

No entanto, o Judiciário é um espaço promissor para a garantia do acesso aos direitos humanos. Espaço onde se evidenciam muitas das expressões da questão social, como a violência familiar, as questões de gênero e étnico racial, entre outras, sendo assim, campo fértil para a intervenção do/a assistente social que busca promover a cidadania. *Muitas são as dificuldades encontradas pelo assistente social neste espaço institucional. Das quais, podemos elencar, fundamentados na tese de doutorado de Maria de Sousa Rodrigues[18]:

[..] a dificuldade de atuação interdisciplinar; o desconhecimento da profissão de Serviço Social e posterior desvalorização por parte de outros profissionais; as ingerências advindas dos interesses diversos; a competitividade e as contradições advindas das relações sociais, e do próprio Estado neoliberal capitalista [...] (RODRIGUES, 2006, p. 80) .

Ainda segundo Rodrigues estas dificuldades podem levar o profissional a realizar um trabalho alienado, voltado à rotina, ou desenvolver um movimento contrário, no qual a intervenção profissional se dá de forma criativa e reflexiva. Neste sentido, o assistente social pode ir além da demanda, detectando problemas de ordem não jurídica, considerando todos os aspectos que perpassam o problema apresentado, tentando desvelar as verdades e não-verdades relatadas pelo usuário, e buscando orientá-los na obtenção de serviços e benefícios disponíveis em outras instituições públicas ou privadas, quando necessário. Para que isso ocorra, é preciso que o/a assistente social lance mão de um instrumento de grande relevância para sua atuação profissional, a criação de um banco de dados que contenha toda a rede de serviços prestados pelas instituições ou rede de serviços assistenciais e legislação referentes ás políticas públicas.

Avisita domiciliar é também, um instrumental importante para a intervenção profissional desta categoria, embora não esteja contemplada na Lei 8.662/93, que regulamenta a profissão, como um instrumento privativo do Serviço Social. Juntamente com as vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social, permite “verificar in loco vários aspectos do problema apresentado, conhecer a realidade além de complementar informação obtida nas entrevistas, o que possibilita maior aproximação e compreensão do litígio [...]” (RODRIGUES, 2006, p. 87).

Para que se possa alcançar o caráter transformador na intervenção, como o Serviço Social preconiza, é preciso que assistentes sociais e agentes do Direito atuem em uma perspectiva de interdisciplinaridade, ou seja, de forma integrada e recíproca, buscando uma visão unitária, rompendo com a tendência à fragmentação e a desarticulação. Entendendo-se interdisciplinaridade a partir de Morin:

A interdisciplinaridade tem que respeitar o território de cada campo do conhecimento, bem como distinguir os pontos que os unem e que os diferenciam. Essa é a condição necessária para detectar as áreas onde se possam estabelecer as conexões possíveis. A exigência interdisciplinar impõe a cada especialista que transcenda sua própria especialidade, tomando consciência de seus próprios limites para colher às contribuições e interface das outras disciplinas (2002, p. 31).

Rodrigues alerta que o cotidiano é um espaço que apresenta possibilidades e limites para a intervenção profissional. É um espaço que tende a limitar o processo reflexivo do profissional sobre suas ações e resultados alcançados, mas também pode se constituir num espaço de intervenção criativa, onde o assistente social seja um profissional propositivo e não meramente executivo. Caracteriza-se no espaço da práxis profissional.

O espaço privilegiado da intervenção profissional é o cotidiano, o mundo da vida, o todo o dia do trabalho que se revela como o ambiente no qual emergem exigências imediatas e são desenvolvidos esforços para satisfazê-las, lançando mão de diferentes meios e instrumentos (Baptista, 1995, p. 111).

E é só a partir de apoderamento de seu referencial teórico-metodológico e da instrumentalidade que lhe compete, que esse profissional poderá atuar sobre a realidade, seja ela em que segmento for numa perspectiva de práxis e de emancipação dos sujeitos.

1.3 A Competência Teórico Metodológica do Serviço Social

O Serviço Social é uma profissão inserida na ordem capitalista e apesar do agir profissional do/a assistente social estar fundamentado em um Código de Ética, norteado pelos princípios de justiça social, democracia e liberdade - esta tomada como valor ético-político central da profissão - representa um importante instrumento da reprodução da lógica capitalista e das relações sociais estabelecidas em seu interior. Esta reprodução não diz respeito apenas à reprodução material de existência, mas se dá ao nível da reprodução espiritual, em que a forma de pensar e ser do homem acabam sendo determinadas pela classe hegemônica. Assim, a reprodução das relações sociais se expressa no cotidiano do homem, em seu trabalho, sua família, lazer, escola, profissão, etc.

A institucionalização do Serviço Social se dá pelo evidenciamento da questão social e pela necessidade de amenizar os conflitos decorrentes da ordem capitalista. Estando inserido nesta sociedade onde as relações são contraditórias em sua essência, dividida em classes antagônicas, suas práticas profissionais estão sujeitas às mesmas peculiaridades. Sendo polarizado pela correlação de forças entre as duas classes existentes na sociedade capitalista. Acabando, assim, por atender aos interesses do capitalista e reproduzindo sua ideologia, e também, indiretamente, alguns dos interesses da classe trabalhadora.

O/a assistente social contratado/a pelo Estado e por Instituições privadas atua nas relações entre o trabalhador e a burguesia e muitas vezes é o facilitador do acesso dos trabalhadores às políticas públicas ofertadas pelo Estado. Acabando por atuar também na reprodução ideológica do capital, na medida em que usa seu poder de persuasão e de influência sobre o “usuário” dos serviços públicos, fazendo-os se adequarem às normas e regras impostas pelo capitalismo e neutralizando as possíveis tensões existentes entre capital e trabalho. O/a profissional é chamado/a a intervir no cotidiano do indivíduo em seus aspectos particulares, como a saúde, moradia, educação, entre outros.

É justamente a compreensão deste contraditório existente no interior da profissão que permite ao/a assistente social adotar um projeto societário alternativo, contrário àquele que o emprega, pois este profissional possui uma autonomia que lhe permite assumir determinada perspectiva política, que o leva ou não, a contribuir para a manutenção da sociedade capitalista. O que direcionará sua atuação profissional é a postura teórico-metodológica assumida.

Se por um lado, a função histórica do Serviço Social é garantir a reprodução e a manutenção do sistema do capital, por outro, esta função não é estanque. O Assistente Social possui determinada autonomia que lhe permite assumir determinada perspectiva política, que o leva ou não, a contribuir para a alteração da sociedade capitalista.

Assim, o/a assistente social como intelectual orgânico, pode legitimar o sistema capitalista ou assumir um projeto político alternativo, favorável aos interesses da classe trabalhadora, conforme o princípio ético de “[...] opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero”. (CFESS[19], 1993).

O projeto ético-político do Serviço Social defende uma sociedade onde os trabalhadores poderão desenvolver-se plenamente, onde não haja nenhum tipo de exploração, opressão ou alienação.

Segundo Faleiros (1996), a desigualdade se acentua quando o Estado garante o mínimo aos que não podem pagar e o setor privado garante os privilégios aos que têm acesso ao mercado, tornando desta forma a política de mínimos uma política pobre para os pobres, e cabendo justamente ao Serviço Social “[...] gerir a exclusão e não a inclusão social ou a reinserção” (1996, p.23).

Para Faleiros, em sua obra Estratégias em Serviço Social, é na dinâmica institucional que os sujeitos são estigmatizados e excluídos ou incluídos, é onde se constrói formas de se pensar a adaptação e a desadaptação dos sujeitos definindo assim, nesta relação de forças, o objeto de intervenção do Serviço Social. Nesta relação, ora se valoriza os conflitos entre os diferentes atores institucionais, ora se toma o projeto profissional como uma mediação para integrar e harmonizar estes conflitos.

As políticas sociais adotadas pelo Estado não têm o poder de eliminar os conflitos e as desigualdades existentes no interior da sociedade capitalista, mas as mascaram, reproduzindo e legitimando assim sua ideologia e antagonismos. São fragmentadas para que os cidadãos não possam distinguir o conjunto de suas necessidades, pois de uma visão global da realidade vivenciada poderiam emergir movimentos de transformação desta realidade. O/a próprio/a assistente social está inserido/a nesta fragmentação, e muitas vezes não visualiza a totalidade da sociedade, porém, por ter uma atuação direta, junto à população, têm condições privilegiadas de apreender o movimento da realidade. Este conhecimento permite que tenha uma visão globalizada da sociedade e da realidade pertinente às relações sociais.

Segundo Faleiros as relações de poder perpassam o cotidiano dos indivíduos e coletivos. Estas relações sofrem um processo de fragmentação tanto no que se refere à identificação social e cultural, como de autonomia, cidadania, organização e participação cultural. A intervenção profissional se constrói nesse processo de articulação do poder dos usuários e dos profissionais que constroem estratégias para dispor de recursos, poder de acesso, organização, informação, comunicação, desconstruindo/construindo nesse processo de mediação, sua identidade profissional e o objeto de sua intervenção em constante relação teórico/prática de acordo com as condições históricas dadas

Assim, é de grande importância a postura ideológica adotada pelo profissional do Serviço Social, pois este interfere de maneira direta na vida de seus usuários e usa sua influência para fazer com que o usuário de seus serviços incorpore esta mesma postura.

Este profissional tem compromisso com seus usuários, na medida em que devem lhes propiciar a conquista da cidadania, de direitos individuais e sociais e conseqüentemente, na perspectiva da emancipação dos sujeitos, que são capazes de autodeterminarem-se, ou seja, que são capazes de fazer escolhas e de conferir valores aos objetos de suas necessidades; de criar juízo de valores que servirão para direcioná-los em sua conduta.

Os sujeitos estão inseridos numa sociedade dinâmica, que está em constante movimento, o que implica no surgimento de novas demandas e exige dos profissionais do Serviço Social reflexão sobre sua instrumentalidade e sobre seus instrumentais.

Segundo Guerra (2000), a instrumentalidade, mais que o apoderamento de instrumentos que auxiliam na intervenção profissional, implica em capacidade e qualidade. É construída ao longo da trajetória sócio-histórica da profissão e é uma categoria reflexiva que permite ao assistente social pensar nos valores subjacentes às suas ações e na direção das respostas que tem dado com seu agir profissional, ou seja, nas conseqüências que seu agir desencadeia.

Em seu artigo ”Instrumentalidade do processo de trabalho e Serviço Social” publicado na revista Serviço Social e Sociedade n° 62, a autora parte do suposto que a instrumentalidade é necessária à reprodução humana. Se refere a relação do homem/mulher com a natureza e à capacidade teleológica deste homem/mulher, que planeja seu trabalho, projeta objetivos e finalidades, é capaz de antever o objeto de sua produção antes de sua efetivação.

Ao transformar a natureza para garantir sua sobrevivência, o homem/mulher constrói instrumentos de trabalho. O processo de trabalho humano tem assim, uma dimensão instrumental que se refere à operação e manipulação instrumental que diz respeito a operação e manipulação da natureza e uma dimensão material, pois, o objetivo do trabalho, entendido como transformação da natureza, é a produção de um bem útil.

Portanto, a relação do/a homem/mulher com a natureza implica na transformação da natureza e na transformação do/a próprio/a homem/mulher. Aí reside o caráter emancipatório da instrumentalidade do processo de trabalho, pois nesse processo o homem e a mulher adquirem habilidades e capacidades, criando alternativas e tomando decisões que o transformam e à natureza; fazendo com que surjam novas necessidades.

Estas novas habilidades e necessidades construídas pelo/a homem/mulher, além de atender aos objetivos imediatos darão origem a novos conhecimentos.

Todo esse processo de trabalho que vai desde o momento em que o produto é idealizado, até sua concretização, requer uma instrumentalidade, ou seja, requer o conhecimento de todo o processo de trabalho: “[...] dos objetos sobre os quais atuam, dos modos de atuar, da adequação entre eles, dos resultados alcançados”. Requer um conhecimento das “propriedades das coisas e suas conexões”. (GUERRA, 2000, p. 09).

Em suma, pode-se considerar a “instrumentalidade como as propriedades sociais das coisas, atribuídas pelos homens no processo de trabalho ao convertê-las em meios/instrumentos para a satisfação de necessidades e alcance dos objetivos/finalidades [...]” (GUERRA, 2000, p. 11).

Na sociedade capitalista, marcada pela divisão sócio-técnica do trabalho, pela imediaticidade, individualismo e pela busca incessante pelo lucro, a racionalidade operativo-instrumental é cada vez mais exigida. Assim, o trabalho é especializado e perde seu caráter emancipatório, pois, os homens e mulheres apoderados/as dos instrumentos estabelecem uma relação instrumental com o trabalho, ou seja, perde sua capacidade teleológica, sua capacidade de projetar, sua identidade com aquilo que faz; seu trabalho agora é fragmentado e não se dá mais num sentido coletivo, mas individualista. O homem e a mulher se alienam, se coisificam e produzem para o interesse do capital. Seu trabalho se dá no sentido da reprodução.

Em suma, com o advento do capitalismo o homem e a mulher são invadidos/as pela razão instrumental capitalista perdendo sua capacidade de reflexão crítica e sua autonomia. A razão instrumental é introjetada em detrimento da razão substantiva e emancipatória, que se volta aos fins universalistas, em que o homem ao produzir se preocupa e pergunta “produzir porque e para que” e quais as implicações desta produção, e não apenas em “como produzir”.

A categoria instrumentalidade permite que o profissional resgate “[...] sua dimensão emancipatória capaz de preservar as conquistas histórico-sociais dos sujeitos e os valores sociocêntricos”. (GUERRA, 2000, p. 32)

A autora entende a instrumentalidade como categoria que discute a capacidade profissional do Serviço Social nas mediações, ou seja, no movimento da atuação profissional. O/a assistente social pode atuar de forma a utilizar sua razão instrumental em favor da classe dominante, ou pode atuar em uma razão dialética, emancipatória, buscando politizar seus usuários e usuárias. Entender a instrumentalidade enquanto mediação é pensar em como a profissão tem pensado as questões que estão postas e como tem dado respostas a estas questões, é pensar o que está sendo solicitado à categoria e o que está sendo posto pelo seu agir profissional.

A instrumentalidade como mediação é poder apreender as condições objetivas e subjetivas que o/a profissional pode adotar para a sua intervenção, a instrumentalidade como um meio para se chegar a determinado fim. O/a profissional precisa apreender a conjuntura da Instituição em que trabalha para refletir, elaborar e agir em busca da emancipação social.

A instrumentalidade do Serviço Social é sem dúvida uma mediação que aponta formas de inserção profissional, que permite pensar as respostas que são postas pela demanda, é uma categoria emancipatória, uma capacidade adquirida na trajetória sócio-histórica da profissão, enfim, um conjunto de condições que criadas e recriadas que se diversificam ao longo da história profissional.

Assim, a instrumentalidade é também a categoria que permite ao assistente social ir além da demanda imediata. Em outras palavras, é a categoria que permite ao profissional vincular-se a seu projeto ético-político, em defesa dos direitos humanos e sociais, da democracia, e da liberdade. O profissional do serviço social, vinculado ao projeto ético-político e à perspectiva teórica que norteia a profissão, não pode se deter nas aparências, nem atender apenas as demandas do cotidiano institucional. Deve ir além das manifestações e exigências imediatas.

1.4 O Núcleo Psicossocial Forense – NUPS, a Lei 9.099/95 e a Justiça Terapêutica

O regulamento estágio estabelece que a prática do estágio deve ser efetivada nos núcleos de estudo e pesquisa. O núcleo de pesquisa da UFMT, ao qual optei me vincular, foi o Núcleo de Estudos sobre a Mulher e as Relações de Gênero - NUEPOM, fundado em 1991.

Este núcleo tem como objetivo o desenvolvimento de trabalhos de ensino, pesquisa e extensão que contribuam para a superação da subordinação da mulher na sociedade e para a construção de novas relações de gênero. Ao longo de sua existência o NUEPOM vem trabalhando com as mais diversas facetas que perpassam o cotidiano das mulheres, como sexualidade, saúde, política, direito, violência, entre outros.

A UFMT firmou convênio com o Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá – JECrim em 2005. Este convênio estabelece o Núcleo Psicossocial Forense - NUPS que foi concebido para dar subsídios ao Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá – JECrim - embora, oficialmente, não faça parte de seu organograma - como campo de estágio vinculado ao Núcleo de Estudos sobre a Mulher e as Relações de Gênero - NUEPOM .

Tendo como objetivo a inserção do Serviço Social no Juizado promover ações crítico-reflexivas a respeito da violência contra a mulher, buscando a superação das dificuldades, tanto no âmbito privado, como nos espaços institucionais de atendimento.

O Núcleo Psicossocial Forense dos Juizados Especiais Criminais foi criado em maio de 2000 em Brasília pela Corregedoria de Justiça do TJDFT. Em Cuiabá, por iniciativa do Juiz de Direito Dr. Mário Roberto Kono de Oliveira, é criado em meados de 2002 o Núcleo Psicossocial Forense – NUPS do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, baseado nos princípios de uma Justiça Terapêutica, compreendida como a aplicação da lei juntamente com oferta de recursos que auxiliem o indivíduo a compreender e modificar a gênese de seus problemas com a Justiça.

A criação do NUPS tem a finalidade de dar subsídios ao Magistrado e aos Operadores do Direito na aplicação da lei e acompanhar as pessoas atendidas no JECrim – Juizado Especial Criminal, que atende os casos considerados de menor potencial ofensivo, ou seja, delitos cuja a pena prevista no código penal não exceda a dois anos[20], entre elas, Lesão corporal, Ameaça, Agressão, entre outros, segundo a Lei 9.099/95 e integrando os princípios da Justiça Terapêutica, que se resume num conjunto de iniciativas empenhadas no tratamento dos infratores envolvidos com drogas.

O objetivo maior e original das ações da Justiça Terapêutica, de gênese norte-americana, é interferir no binômio “uso de drogas – crime”, partindo do pressuposto que as condutas ilegais são cometidas por cidadãos/ãs usuários/as, abusadores/as ou dependentes de substancias psicoativas. Nesse sentido, busca-se que a legislação seja cumprida harmonicamente com medidas sociais de tratamento aos criminosos.

A Lei 9.099/95, segundo Carmem Hein Campos, dispõe sobre os Juizados Civis e Criminais, e propõe a aplicação de penas não privativas de liberdade e com cunho sócio educativo. Esta idéia surge a partir do contexto internacional de informalização do Poder Judiciário e da complexidade da sociedade moderna, na qual a violência intra-familiar, em especial, voltada para mulheres e potencializada pelo consumo de álcool e outras drogas, é recorrente e na qual, a repressão não é capaz de resolver esses conflitos, estabelecendo-se assim, mecanismos de conciliação entre as partes envolvidas nos processos.

Ainda segundo Carmem Hein Campos, antes desta lei, o crime de violência contra a mulher não chegava ao conhecimento da autoridade judicial, não eram julgados (descriminalização), comportando-se as delegacias, como mediadoras destes conflitos que eram crimes naturalizados.

A partir desta lei o inquérito é suprimido e substituído pelo Termo Circunstancial, que é mais simplificado. A Lei 9.099 acelera a movimentação processual da Justiça penal, onde setenta por cento dos processos se referem à violência contra mulher e à violência doméstica.

O tempo médio para um Termo Circunstancial chegar ao JECrim é de 30 a 40 dias. Do registro da ocorrência até o Juizado podem decorrer até um mês, a partir de sua chegada ao Juizado até a audiência o tempo médio é de vinte dias. Assim, o processo é rápido se for comparado ao procedimento comum, e lento se for comparado às expectativas da vítima.

Para que os procedimentos sejam encaminhados ao JECrim, se faz necessária a representação da vítima. Carmem Hein Campos esclarece que o movimento feminista assume dois posicionamentos quanto a esta necessidade:

- A mulher não deveria ser obrigada a oferecer denuncia, pois, fica sujeita à pressão do agressor, para retirar o processo, impedindo assim seu andamento.

2° - A mulher ao dispor da possibilidade de representar queixa (denúncia), tem o poder nas mãos, podendo usá-lo ao seu desejo. Seria este o momento em que ela é o sujeito do processo penal.

A autora considera que antes da lei, o Ministério Público acabava por não cumprir com seu papel de representar queixa, e na prática nem o inquérito policial, nem a denúncia era oferecida. A vítima raramente queria representar queixa, porém, queria que a autoridade policial “freasse” a violência. A conciliação pré-processual era cumprida pela delegacia, sem a participação do Ministério Público, assim, a representação da denuncia, só acabava acontecendo pelo desejo da mulher-vítima.

A propositura da denúncia pelo Ministério Público exclui a vítima do processo, esta não tem participação no desenrolar do processo, a mulher é expropriada do conflito.

A Lei 9.099/95 apenas desloca a conciliação informal da delegacia para o poder judiciário, passando a ter um caráter formal.

Para Campos[21][...] a representação adquire o efeito simbólico de restabelecer o equilíbrio da relação e de devolver o poder à mulher [...] mesmo quando não havia o desejo de finalizar a relação, mas romper o ciclo violento, a representação cumpria esse papel.” (1995, p. 06 )

Assim, a interferência do Poder Judiciário nas questões relacionadas à violência de gênero e/ou intrafamiliar, acaba assumindo um significado simbólico, e mais poderoso que os procedimentos da delegacia.

A Justiça Terapêutica tem como premissas a colaboração entre os serviços de saúde e do judiciário; um claro entendimento do papel e dos critérios e prioridades de cada um, e contatos e consultas com outras equipes profissionais. Esta é uma proposta de alternativa penal, nascida nos Estados Unidos da América e já adotada em alguns estados brasileiros, como Rio Grande do Sul, Brasília e Curitiba. Consiste em um conjunto de medidas voltadas para que o infrator envolvido com a utilização de drogas receba tratamento, ou outro tipo de terapia de acordo com as necessidades e verificados os requisitos legais; buscando-se, desta forma, priorizar a reeducação e reintegração deste infrator, ao invés de aplicar pena privativa de liberdade, que notoriamente não tem surtido os efeitos esperados, haja vista, o aumento dos índices de violência em nosso país e que, de alguma forma, estão relacionados ao uso de substâncias psicoativas.

No Brasil, o Estado pioneiro a implementar estes princípios foi o Rio Grande do Sul. Em Mato Grosso, a aplicação da Justiça Terapêutica pelos Juizados Especiais, além das questões relacionadas com o uso de álcool e outras drogas, incorpora também as situações relacionadas aos conflitos familiares, indo além do modelo americano.

Algumas discussões têm sido levantadas, pois o tratamento de dependentes químicos, na perspectiva da saúde deve ser voluntário, no entanto, para o sistema judiciário o tratamento pode se dar compulsoriamente ou por pressão. Ou seja, ao usuário de drogas, que chega ao Juizado Especial Criminal, é oferecida duas “opções”, fazer o tratamento ou ser preso.

Segundo Carmen Có Freitas[22],nenhum tratamento é totalmente voluntário, pois, o usuário de drogas é um enfermo, e mesmo os considerados voluntários podem se submeter ao tratamento por pressão da família, não sendo assim totalmente voluntário, e ainda que, aqueles que se submetem à internação são advertido de que pode ser retido contra a vontade, caso não se adapte ao tratamento. Configurando-se assim, num tratamento compulsório.

O NUPS, em Cuiabá, é chamado a atender esta nova demanda, contando para isso com um quadro de profissionais que englobam três assistentes sociais e três psicólogas. Sua equipe técnica possui ainda, duas auxiliares administrativas, um Oficial de Justiça e um motorista. Este número de profissionais é irrisório diante da demanda da instituição. E as condições de trabalho são inadequadas, ferindo os princípios éticos que norteiam as profissões do Serviço Social e da Psicologia. Estes profissionais em sua maioria são cedidos por outras instâncias do Estado, podendo portanto, a qualquer momento serem convocados a retomarem seus cargos de origem, o que fragiliza o NUPS.

Iniciando suas atividades em outubro de 2002 sem um modelo prévio de estruturação e funcionamento, as profissionais desta instituição acabam por organizarem suas atividades a partir da demanda, acomodando-se a infra-estrutura precária disponível, tendo de constantemente recorrer à parcerias com outros órgãos a fim de desenvolverem suas atividades, como exemplo o Arquivo Público de Cuiabá, que constantemente tem cedido salas para a realização de reuniões de grupos.

O Código de Ética do Serviço Social, no Capítulo II, que trata “Das relações com as instituições empregadoras e outras”, dispõe em seu art. 7° “Constitui direitos do Assistente Social: a) dispor de condições de trabalho condignas seja em entidade pública ou privada, de forma a garantir a qualidade do exercício profissional”.

Este artigo tem sido desconsiderado há praticamente cinco anos, pois, atualmente, o espaço físico, embora tenha melhorado em relação ao início de suas atividades, ainda está muito aquém das condições de trabalho, senão ideal, pelo menos aceitáveis. A privacidade do usuário está sendo diariamente negligenciada, pois, as salas onde as entrevistas são realizadas abrigam vários profissionais, sendo que os profissionais da área administrativa têm transito livre nestas salas durante a realização das entrevistas, muitas vezes levando constrangimento aos usuários, sejam eles vítimas ou autores dos fatos.

As atividades que o NUPS desenvolve estão principalmente relacionadas ao combate à violência familiar e ao tratamento do uso e abuso de drogas lícitas e ilícitas. Os principais atendimentos resumem-se em:

a) Entrevistas de anamnese e acompanhamentos dos casos;

b) Visitas domiciliares;

c) Orientações diversas quanto a conquistas de direitos nos órgãos públicos competentes;

d) Encaminhamento à rede de apoio para o atendimento médico e psicossocial: Policlínicas (SUS); Casa de Amparo às mulheres vítimas de violência, Casa do Albergado, Conselhos Tutelares, Centro de Tratamento para Reeducandos, Centro de Especialidades Médicas, grupos de apoio como Alcoólicos Anônimos, Alanon, Amor Exigente, Centro Integrado de Apoio Psicossocial (CIAPS), Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) - Hospital Adauto Botelho, para internações de desintoxicação e consultas, entre outros;

e) Reuniões mensais de acompanhamento com grupo de homens (agressores) e de mulheres (vítimas).

Os/as estagiários/as de Serviço Social, durante sua estada nesta instituição, têm podido contribuir na sistematização destas reuniões. Aos grupos de homens são encaminhados, pelo NUPS, todos aqueles que após terem se envolvido em crime de violência contra a mulher, após audiência de conciliação no Juizado Especial Criminal tenham assinado a Transação Penal, para cumprir medidas sócio-terapêutica e educativas ou mesmo que tenham sido encaminhados pelo juiz após terem aceito a conciliação. Estes grupos têm como objetivo os levarem à reflexão sobre os motivos que desencadearam na violência praticada, e conseqüentemente, a possibilidade de superação deste conflito.

Inicialmente as reuniões eram realizadas mensalmente, o que prejudicava seu andamento, devido ao grande número de participantes. As reuniões acabavam se traduzindo em um momento para mera troca de folhas de presença nos grupos de Alcoólicos Anônimos ou Caps. Hoje este grupo foi subdividido em seis grupos, que se reúnem sempre às sextas feiras, contendo no máximo vinte e cinco participante.

A redução no número de homens nestes grupos permite maior espaço de participação a eles, que agora têm um espaço para se expressarem, para falarem sobre seus pensamentos e suas angústias com relação ao relacionamento com as “vítimas”, que na maioria das vezes são suas esposas ou companheiras. Espaço este, que historicamente tem sido negado aos “autores dos fatos”, tanto nas delegacias quanto nas audiências de “conciliação”. A duração destas reuniões é de uma hora e meia, contando sempre com a presença, dos/as estagiários/as de Serviço Social, de Psicologia e de pelo menos uma das profissionais do NUPS.

Também foram subdivididos os grupos de mulheres, que até então se dava numa reunião única, enfrentando também o problema do grande número de participantes, o que inviabilizava a manifestação de todas as mulheres presentes na reunião e que em geral, estão ansiosas para compartilharem seus conflitos e angustias. Assim, esta reunião, que atualmente acontece na primeira sexta-feira de cada mês, está subdividida em dois grupos de aproximadamente vinte e cinco mulheres, que podem falar com liberdade sobre sua condição de vítima dos homens que amam ou dos quais são dependentes, tanto financeira, quanto psicologicamente, sem medo de pré-julgamento, que também invariavelmente as vitimizam, pois todas se encontram em situação análogas. As reuniões são ainda, espaços que podem oportunizar o acesso destas mulheres à informações sobre seus direitos.

No entanto, no tocante as orientações dos/as usuários/as quanto ao acesso aos direitos constitucionalmente garantidos, embora ocorra, se dá de forma insuficiente e/ou ineficiente. Verifica-se que não há uma sistematização destas informações, nem da rede de atendimento, o que acaba por prejudicar o bom andamento dos trabalhos. Fica clara a necessidade de se criar um banco de dados, que deixe clara toda a rede de atendimento que os/as usuários/as dos serviços do NUPS necessitam. Estes dados devem conter o nome das instituições, quais os serviços oferecidos por elas, endereços e contatos. Estas informações devem ser passadas de forma clara e objetiva para que os/as usuários/as compreendam qual o caminho devem percorrer para terem acesso à seus direitos constitucionalmente garantidos.

Como contribuição do/das estagiário/as foi organizado um documento contendo dados de instituições como Alcoólicos Anônimos-A.A., Caps, Grupos de Mútua Ajuda, Pastorais da Sobriedade e da Rede de Atendimento a Dependente de Álcool e outras drogas. Porém, embora se caracterize num avanço, estes dados estão incompletos e não satisfaz todas as necessidades dos/as usuários e profissionais do NUPS, deixando evidente a necessidade de se criar uma rede de informações e serviços.*Faleiros[23] (2006), na obra Estratégias em Serviço Social, discute a importância do trabalho em rede, tratando-o como possibilidade de fortalecimento da relação de forças dos oprimidos e de articulação com os “poderes”.

A construção das redes segundo Faleiros (2006) deve ser processual e dinâmica, envolvendo os familiares, amigos, vizinhos, partidos, sindicatos, assim como as organizações de saúde, educação, assistência, entre outros.

Sob a perspectiva das redes o sujeito não é visto através de seu problema, mas como um sujeito em relação. É na articulação da rede de relações que o Serviço Social constrói seu objeto de intervenção.

1.5 Dinâmica dos Procedimentos nos Juizados Especiais Criminais
Partes: 1, 2, 3, 4, 5


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