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A causa de pedir e os interesses individuais homogêneos (página 3)

Diógenes Faria de Carvalho
Partes: 1, 2, 3

Gostaria de principiar por uma crítica feita por José Marcelo Menezes Vigliar[29]que, antes de tudo, deve ser endereçada aos próprios operadores das demandas coletivas, que insistem em vislumbrar uma diferença, inexistente, entre as ações civis públicas e o que denominam de ações coletivas.

Trata-se de um desserviço, pois, insistir neste aspecto pode sugerir que haveria diferenças de essência entre as demandas coletivas que tutelam interesses difusos e coletivos e as que tutelam interesses individuais homogêneos. Como ressaltado, na verdade, o comportamento diverso do procedimento justifica-se pela diferença essencial entre a natureza do direito material que é defendido.

Nunca é demais lembrar que constitui atitude pouco técnica adjetivar as ações. Numa classificação verdadeiramente científica, as ações são de conhecimento ou executivas, subclassificando-se as primeiras em meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias; e há também as ações cautelares, que se opõem às principais, na mesma medida em que o provimento cautelar é acessório, ligado ao principal por um nexo de instrumentalidade hipotética. Essa classificação apóia-se exclusivamente na natureza do provimento jurisdicional postulado.

Nesta perspectiva, absolutamente correta e científica, exposta por Cãndido Rangel Dinamarco[30], constituiria um verdadeiro retrocesso buscar a associação do instituto da ação com o direito material de que proviria, mediante a adjetivação daquela.

Para os interesses transindividuais o mesmo acontece. Uma vez que determinado interesse transindividual, seja ele essencialmente coletivo, seja ele acidentalmente coletivo, reste violado, haverá a necessidade de se buscar a sua tutela através da atividade jurisdicional do Estado. O exercício do direito/poder da ação será exercido para que se rompa uma das características essenciais da jurisdição (a inércia, que garante a imparcialidade do juiz) e o Estado ( de forma imparcial e garantindo o contraditório, para legitimar justamente essa manifestação do seu Poder) possa prolatar um provimento jurisdicional que revele qual a vontade do direito. A autotutela é vedada, podendo caracterizar a conduta típica e ilícita descrita no art. 345 do Código Penal a busca da realização de um interesse pelas próprias mãos.

Nesse sentido, os dois grandes problemas da tutela jurisdicional coletiva, conforme também muito bem ressaltado por Cándido Rangel Dinamarco, repousam nos extremos lógicos dessa atividade jurisdicional do Estado, que se dá, invariavelmente, através do processo: a legitimação para agir (no início) e a coisa julgada (ao final).

Os principais problemas, então, estão em saber: quem poderá postular em juízo a tutela jurisdicional coletiva e quem se sujeitará àquela principal qualidade da sentença (a imutabilidade), ou seja, quem estará abrangido pelos limites subjetivos impostos pela coisa julgado.

Todo o resto ganha reduzida importáncia científica no estudo dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Romper a mentalidade individualista que marca o nosso sistema processual foi a tarefa que o legislador necessitou enfrentar, conforme já exposto.

Vencidas essas premissas, todos já poderiam concluir, sem nenhum esforço, que a terminologia ação civil pública é muito imprópria e somente se explica, entre nós, por um fator histórico: a Lei Complementar 40/81.

O que se tutela através da ação civil pública? Essa é a questão essencial, essa a questão de fundo, é o que realmente importa.

A resposta parece-me absolutamente óbvia e justificadora do rompimento com o processo civil tradicional: a ação civil pública tutela os interesses transindividuais, marcados pela indivisibilidade, ou ainda aqueles marcados pela divisibilidade, como é o caso dos individuais homogêneos, mas que nem por esse fato deixam de ser transindividuais, quando mereçam suas defesas através de demandas coletivas.

Não há como não recorrer, nesse momento, à melhor doutrina para se encontrar uma nota essencial existente nesses interesses que vão além de uma pessoa isoladamente considerada, muitas vezes até coincidindo com os interesses públicos primários e que não podem merecer a sua tutela por um desses interessados, justamente pela problemática da legitimação para agir.

Contudo, uma vez defendido em juízo, atingirá outras tantas pessoas que guardem em relação a ele a mesma qualidade de interesse.

Todos os bons autores citam e partem da base segura da doutrina de José Carlos Barbosa Moreira. Este processualista buscou identificar quais seriam os elementos essenciais para a caracterização de interesses como pertencentes à categoria dos interesses transindividuais, como sempre, soube expressar definições muito claras, usando elementos bastante significativos.

Uma passagem, porque célebre, merece ser lembrada. Refiro-me a um artigo[31] em que José Carlos Barbosa Moreira faz referência a determinados conflitos de interesses que originam o que ele denomina de "litígios essencialmente coletivos"

Reproduzo aqui sua significativa lição:

O seu objeto é por natureza indivisível, como acontece, por exemplo, em matéria de proteção ao meio ambiente, em matéria de defesa da flora e da fauna, em matéria de tutela dos interesses na preservação do patrimônio histórico, artístico, cultural, espiritual da sociedade; e, como acontece também, numerosas vezes, no terreno da proteção ao consumidor, por exemplo, quando se trata de proibir a venda, a exploração de um produto considerado perigoso ou nocivo à saúde.

Nesse sentido, ensina o autor que os interesses indivisíveis originam conflitos essencialmente coletivos. Se são indivisíveis, somente são fruíveis de forma coletiva e defensáveis de forma coletiva também. A indivisibilidade é a marca essencial para a caracterização desses interesses e dos conflitos que os envolvam (aqui, então, os interesses difusos e os coletivos em sentido estrito, que são essencialmente indivisíveis).

Ao lado desses conflitos que originam "litígios essencialmente coletivos" há aqueles que originam conflitos ou "litígios acidentalmente coletivos".

Exemplifica o Prof. Barbosa Moreira, com uma fraude financeira que cause prejuízos a um número de pessoas, que teriam sido iludidas por algum ardil. Nesta passagem, assim se expressa o autor:

A solução é perfeitamente cindível, nada tem de unitária, ao contrário do que se dá na outra espécie, em que não se conceberia que alguém pudesse ter interesse, por exemplo, numa fração da paisagem. Isso não faria absolutamente sentido; o interesse de cada um refere-se ao todo.

Os interesses divisíveis originam "conflitos acidentalmente coletivos": nada impede que cada qual busque exatamente a sua fração de prejuízo. Nada impede que cada um ajuíze a sua própria demanda individual. Mas, buscando o bom exemplo das class actions, do direito norte-americano, e considerando a necessidade de se moleculiarizar os conflitos de interesses, ao contrário do que o processo civil tradicional o faz (atomiza, individualiza os conflitos, quer pelo sistema da legitimação, quer pelos limites da coisa julgada), há a possibilidade de tratá-los como se coletivos fossem.

Melhor explicitando: os interesses, na essência , são divisíveis e decorrem de uma mesma origem; cada uma pode buscar, via tutela jurisdicional do Estado, a reparação de seus prejuízos, contudo, uma única demanda, que trate esses interesses como se coletivos fossem, se viabiliza também, em nome da economia processual e para que o Estado, agora agindo pelo Judiciário, dê uma mesma e idêntica solução aos conflitos que nasceram da mesma origem.

é justamente o que ocorre com os interesses individuais homogêneos.

Se nós nos detivermos à disciplina da coisa julgada, se nos detivermos aos diversos dispositivos criados pelo CDC, veremos que toda a nova disciplina introduzida pela Lei n. 8.078/90 visa, exatamente, viabilizar esta possibilidade detectada por Barbosa Moreira: os interesses, na essência, são individuais, não obstante podem ser tutelados mediante a ação civil pública que, quando ajuizada, busca justamente defender os interesses transindividuais.

Mais uma vez, então, conclui-se que a terminologia ação civil pública para nada mais serve e só se justifica a partir das premissas históricas lembradas; mais: foi o termo que a praxe forense cristalizou. O que realmente importa à conclusão de que se trata de interesses transindividuais incindíveis é a indivisibilidade. Mas mesmo os divisíveis podem se originados de uma forma comum, merecer um tratamento idêntico: ao invés de várias demandas (atomização dos conflitos), opta-se por uma única demanda, não se fechando a via da formação de litisconsórcio e concebendo uma eficácia da coisa julgada in utilibus : é a molecularização dos conflitos.

A partir, então, da possibilidade da defesa em juízo de interesses individuais que se comportam como se fossem coletivos, surge na doutrina e mesmo passa a vigorar como se mandamento fosse a idéia que pretende atrelar à defesa dos interesses individuais homogêneos a expressão ação coletiva. Numa palavra: multiplicando-se a adjetivação indevida, como num renascimento do imanentismo, cria-se mais uma "categoria de ações". Para os adeptos dessa teoria (que a própria praxe forense jamais consagrou), teríamos: ação civil pública para os interesses difusos e para os coletivos e ação coletiva para os individuais homogêneos.

Será que a expressão ação coletiva não seria a mais adequada para expressar as duas realidades?

é verdade que o vício imanentista ainda sobreviveria. Mas sobreviveria com alguma vantagem.

Se é verdade que "ação não tem nome", mas ainda temos necessidade de apelida-las ou adjetivarmos determinados institutos, que utilizemos um adjetivo mais adequado: ação coletiva.

Fica evidente que a ação coletiva tutela um interesse que é coletivo, seja ele acidentalmente coletivo, seja ele essencialmente coletivo, na exemplar lição de José Carlos Barbosa Moreira, já citada anteriormente.

Se não é adequado o adjetivo, é muito mais adequado que o empregado pela Lei n. 7.347/85, que foi o que vingou na prática diuturna do foro. Pelo menos, a expressão ação coletiva é muito mais adequada que outras tantas, que nada expressam.

Não se pode, até porque é de todo aconselhável que a sociedade assuma o seu papel de defender interesses transindividuais, não esperando do Ministério Público sempre a iniciativa, que se continue a utilizar a expressão ação civil pública como indicativa da ação que o Ministério Público ajuíza, até porque, como vimos, histórica e originariamente, não se destinava à tutela dos interesses transindividuais (o que valia era o critério da iniciativa da ação).

Mas não são poucos os bons autores que assim pensam. Hugo Nigro Mazzilli, um de nossos pioneiros, não se afasta dos enunciados e premissas acima.

Antônio Gidi, autor de excelente obra, curiosamente intitulada Coisa julgada e litispendência em ações coletivas[32], vem com uma concepção diversa daquela de Hugo Nigro Mazzilli, que mais adiante analisarei; contudo, não restringe a ação coletiva àquela destinada a tutelar somente os interesses individuais homogêneos.

Rodolfo de Camargo Mancuso[33] e Kazuo Watanabe[34], talvez dois dos autores que mais se dedicam ao aperfeiçoamento do estudo dos interesses transindividuais em juízo, aquele sendo autor de diversos livros e artigos sobre o assunto e este um dos anteprojetistas do CDC, justamente o diploma que criou os interesses individuais homogêneos e disciplinou a sua forma de defesa coletiva, sustentam que ação coletiva e ação civil pública significam o mesmo fenômeno.

Mancuso diz , textualmente, que se estará diante de uma ação coletiva "quando algum nível do universo coletivo" vier a ser "atingido no momento em que transitar em julgado a decisão que a acolhe, espraiando assim seus efeitos".

E é fácil entender o porquê desse posicionamento de Mancuso, já que ele aceita todas as premissas acima desenvolvidas, bem assim as idéias básica expostas por José Carlos Barbosa Moreira.

Kazuo Watanabe vai mais além e diz que para que uma demanda seja coletiva, além da natureza do direito ou interesse nela veiculado, há que questionar sobre a legitimação ativa, a causa de pedir, o tipo e abrangência do provimento jurisdicional postulado. De qualquer forma, lembra que a natureza do interesse ou direito é um dos elementos a serem pesquisados para que se diga que a ação é coletiva ou não.

Antônio Gidi[35], diante das expressões que emprega em sua definição, acaba por fazer uma afirmação sui generis, porque crê que coletiva será a ação que defender um direito/interesse coletivamente considerado. Se levarmos tal conceituação ao pé da letra então teríamos que somente as demandas que veiculassem interesses essencialmente coletivos (então os difusos e os coletivos em seu sentido estrito), é que seriam ações coletivas, ou seja, pela lógica, no emprego das expressões, chegaríamos ao oposto daqueles que pretendem fazer distinções por critérios nada científicos.

Além disso, a expressão coletiva, que só não foi aglutinada ao vocábulo ação pelos motivos acima lembrados (no duelo dos anteprojetos da Lei de Ação Civil Pública vingou o do Ministério Público, que veiculava tal expressão), é muito mais adequada para expressar que tipo de interesse estou defendendo, embora também não seja nada científico, pelo que restou acima analisado.

Assim, não há como sustentar seja a ação coletiva um gênero, do qual a ação civil pública seja uma espécie. é plenamente possível a utilização de uma expressão pela outra. Ambas não deveriam existir, pois ação não deve ser adjetivada. Mas a coletiva diz muito mais: diz que tipo de interesse se busca tutelar. A civil pública além de ser utilizada por outros legitimados que não o Ministério Público pode perfeitamente postular a defesa de um interesse individual homogêneo, já que tal ação se presta , porque de idêntica abrangência coletiva, a tutelar interesses coletivos, sejam essencialmente coletivos, sejam não-essencialmente coletivos.

Demais, a Lei n. 8.078/90 criou uma reciprocidade com a Lei n. 7.347/85, na qual operou sensíveis modificações. O art. 90 do CDC prevê que para a tutela dos interesses expressos em seu art. 81, portanto, também os interesses individuais homogêneos, é aplicável a Lei n. 7347/85. Ora, resta evidente a relação de instrumentalidade da Lei n. 7.347/85 em relação à Lei n. 8.078/90. Mais: o art. 21 da Lei n. 7.347/85 diz que os dispositivos do Título III da Lei que institui o CDC aplicam-se à defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais (havendo aqui a supressão da expressão "homogêneo", o que não altera o afirmado, porque os individuais homogêneos, na essência, são individuais).

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery[36] vão bem mais longe no que pertine à evidente integração dos sistemas da Lei de Ação Civil Pública e do CDC, quando analisam o art. 21 da Lei n. 7.347/85:

Pelo CDC 90, são aplicáveis às ações fundadas no sistema do CDC as disposições processuais da LACP. Pela norma ora comentada, são aplicáveis às ações ajuizadas com fundamento na LACP as disposições procesuais que encerram todo o Tít. III do CDC, bem como as demais disposições processuais que se encontram pelo corpo do CDC, como, por exemplo, a inversão do ônus da prova (CDC 6º,VI). Este instituto, embora se encontre topicamente no Tít.I do Código, é disposição processual e, portanto, integra ontológica e teleologicamente o Tít. III, isto é, a defesa do consumidor em juízo. Há, portanto perfeita sintonia e interação entre os dois sistemas processuais, para a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Ainda, devemos considerar que o inc. IX do art. 129 da Constituição Federal permite expressamente que outras funções sejam atribuídas ao Ministério Público, além daquelas previstas expressamente nos incisos anteriores. Ora, os interesses individuais homogêneos foram criados posteriormente ao advento da Constituição Federal de 1988. Foram criados e disciplinados pela Lei n. 8.078/90 que não faz qualquer restrição à possibilidade de o Ministério Público defender os interesses individuais homogêneos. Antes, na forma do art. 82 da Lei n. 8.078/90 o legitima a tanto (aqui convém lembrar que nem sempre o Ministério Público poderá defender os interesses individuais homogêneos). Se é assim e, se se pretender dizer que as ações ajuizadas pelo Ministério Público são sempre ações civis públicas ( naquela superada visão que diz que "ação civil pública é o direito conferido ao Ministério Público de fazer atuar, na esfera civil, a jurisdição"), fica evidente que ambas se destinam à mesma coisa.

Demais, a ação popular e o mandado de segurança coletivo são espécies de ação coletiva. Essa afirmativa somente se sustenta se dissermos (o que será correto) que a ação popular, por exemplo, seria uma ação coletiva porque veicula interesse coletivo. Apesar de óbvio e já repetido diversas vezes acima, o que faz de uma demanda coletiva ou não é a modalidade de interesse que ela veicula. Mesmo os interesses individuais homogêneos, que podem merecer uma defesa coletiva, através de uma ação coletiva, diante da opção criada pelo legislador, como tais são tratados para que possam merecer uma defesa, mediante ação civil pública.

Na ação popular, o autor popular veicula uma pretensão que não é sua. Antes é sempre essencialmente coletiva. Quando ele pede a tutela do meio ambiente, por exemplo, o faz da mesma forma que o Ministério Público faz na ação civil pública. Tanto é verdade que, para evitar a edição de julgados diversos, através da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, as ações poderão e deverão ser reunidas.

O nome, então, pouco importa. As ações serão coletivas porque veiculam pretensões coletivas. Ação civil pública por nenhuma razão sustentável poderia se classificar como espécie da coletiva, já que ela (que é a mesma coisa que a coletiva) também veicula pretensão coletiva (essencial ou acidental).

Agora, cabe uma análise sobre o procedimento próprio para a defesa dos interesses individuais homogêneos.

Os hermeneutas vêm ensinando que um dispositivo legal jamais pode ser interpretado isoladamente. Da mesma forma um capítulo, um título, etc. Sempre há que considerar o contexto, o ambiente em que a lei foi concebida para que se possa compreender a sua razão de ser. Lembremos, com um recente exemplo, citado dentro deste mesmo estudo, o magistério de Nery e Nery logo acima e veremos como os autores incluíram dispositivo estranho ao Título III da Lei n. 8.078/90 na sua integração que ela faz com a Lei n. 7.347/85.

Dessa forma cabe uma pergunta: será que o que está disposto nos arts. 91,92,93,94,95,97,98,99 e 100 é uma modalidade de ação, ou será que ali está disciplinado um procedimento especial, ou diferenciado, em relação ao procedimento que se adota para as ações civis públicas.

José Roberto dos Santos Bedaque[37] propõe uma nova leitura do art. 75 do Código Civil. De forma extremamente resumida, o autor lembra que a razão de ser da existência do processo é a tutela do direito material. Para cada direito material, diz o autor, deveria existir uma modalidade de provimento apropriada. Ora, sem desprezar as premissas levantadas e criteriosamente estudadas pelo autor, seria de se perguntar o motivo da existência de procedimentos especiais diferenciados. Ora, se essa pergunta fosse formulada, a resposta seria uma só: concebem-se procedimentos diversos diante das exigências do direito material.

Então, para demonstrar que o que está disciplinado a partir do art. 91 não é uma ação diferenciada e sim um procedimento diferenciado, que se justificará pela existência de outros dispositivos, vejamos: Art. 91 diz que os legitimados do art. 82 poderão propor em nome próprio uma ação civil coletiva para responsabilizar os causadores dos danos que individualmente eles (os interessados) tenham sofrido. Aqueles legitimados, diz o art. 91, poderão agir em nome das vítimas, ou dos sucessores das mesmas. Mesmo que levarmos em alta conta o título do Capítulo II e a expressão empregada pelo art. 91, o que se tem aí não é uma ação diferenciada.

Conforme vimos acima, principalmente a partir dos ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira, um interesse coletivo, seja ele acidental ou essencial, será defendido através de uma ação coletiva.

O que o Capítulo II e o art. 91 estão a dizer é que também os interesses individuais homogêneos poderão ser defendidos através de uma ação coletiva, e não somente os essencialmente coletivos, porque marcados pela indivisibilidade.

Esse art. 91, então se explica pela própria essência dos interesses individuais homogêneos, que têm natureza jurídica de interesses individuais, mas que podem merecer uma defesa de forma coletiva.

O grande problema é que os interesses individuais homogêneos, na maioria dos casos, são próprios das relações de consumo. Mas, lembremos com a maioria da doutrina: não somente os oriundos de relação de consumo.

Procurem associar o art. 91 e o art. 103, parágrafo segundo, e vejamos como, sistematicamente, eles se completam, desde é claro que se conheça a sistemática da coisa julgada. Analisem, ainda, esse dispositivo com a teoria que explica a coisa julgada in utilibus . Vejamos como as coisas se encaixam.

Quanto ao art. 92: nada de novo. Aqui, também, uma mera regra de procedimento. Diante da existência dos arts. 90 do CDC, e 21 da LACP, conforme visto acima, sequer necessitava de existir, já que no procedimento normal, previsto na LACP, há previsão expressa de intervenção do Ministério Público, quando este não seja o autor da demanda.

No que tange ao art.93: explicita regra de competência, mais uma vez, nada de novidade e nada relacionado a uma modalidade diversa de demanda coletiva.

O art. 94 traduz-se no grande exemplo da sistematização da interpretação. Ele somente se justifica diante da disciplina da coisa julgada e da possibilidade da intervenção do interessado em se habilitar como litisconsorte do autor da demanda coletiva.

Todos os demais artigos apenas revelam uma especial forma de tratar esse tipo de interesse (os individuais homogêneos); contudo, esse tratamento diversificado não se traduz em uma ação própria, apenas se justificando diante da natureza do interesse: que é individual, mas que pode ser tratado como se coletivo fosse.

Tanto ação civil pública como ação coletiva são expressões equivocadas. Esta, embora não seja a consagrada, deveria ser a utilizada, porque revela o tipo de interesse que se está a pleitear a tutela jurisdicional. O nome não terá a força para modificar a essência da coisa. Se o interesse for transindividual, na sua essência ou não, a demanda será coletiva.

No mais, convém mencionar que a Lei n. 8.078/90 reserva um tratamento lamentável que depõe contra o sistema de defesa dos interesses individuais homogêneos em juízo.

A uma, não fez a lei brasileira a previsão de representação adequada de um dos interessados, para que pudesse defender todos os demais, através de uma demanda que poderia até mesmo iniciar-se como sendo individual, convertendo-se em coletiva, por determinação judicial.

Demais, o edital de comunicação aos interessados do ajuizamento da demanda não tem efetividade, haja vista que sua publicação dar-se-á no Diário Oficial, não sendo difícil imaginar a ineficiência deste meio de comunicação, ao qual se associou a idéia de ficção, quando se trata da citação.

Portanto, corre o risco de toda a sistemática reservada à tutela dos interesses individuais homogêneos restar prejudicada, assim como as diversas causas de pedir (idênticas) transformarem-se em inúmeras demandas individuais, em desacordo com o espírito que animou a própria concepção de tais interesses.

5. CONCLUSÃO

Pode-se considerar que o objetivo principal da monografia foi alcançado, pois foram reunidos, por meio de redação simples e direta, num único texto, todos os dispositivos legais pertinentes à causa de pedir e os direitos individuais homogêneos, dando uma visão ampla de como a matéria é disciplinada no arcabouço jurídico brasileiro.

Logo no início da pesquisa, foi possível perceber que a tarefa não seria fácil, pois apesar da existência de inúmeros trabalhos dedicados ao estudo das demandas coletivas, não constatei a reserva de espaço destacado à análise da causa de pedir em demandas que evolvem direitos individuais homogêneos.

Procurei destacar, que a causa de pedir desperta um grande interesse para as demandas coletivas em geral e para aquelas que tutelam interesses individuais homogêneos em particular. Ressaltei, nesta parte, que a causa de pedir nas demandas coletivas, que tenham por objeto a defesa de interesses individuais homogêneos, terá a função de indicar a própria possibilidade de utilização da ação civil pública, pelo procedimento especial disciplinado no Título III da Lei 8.078/90, arts. 91 a 100.

O estudo que ora apresento versa tema pouco debatido na doutrina. Pretendi demonstrar que, se não há grandes considerações a fazer sobre a causa de pedir nas demandas coletivas que tutelam interesses difusos e coletivos, porque o comportamento de tais interesses prescinde da consideração de uma causa de pedir única, apta a unir os interessados que, em verdade, acham-se ligados apenas e tão somente pela indivisibilidade do interesse, para os individuais homogêneos há um grande campo para consideração, porque os fatos e os fundamentos jurídicos que levam ao pedido e, como conseqüência, a opção pela via da demanda coletiva devem ser os mesmos.

Constata-se que a causa de pedir, assim, será elemento decisivo a ser considerado para a admissão da dedução de pedidos essencialmente individuais na modalidade coletiva; ausentes a unidade e identidade de causas de pedir, fator de homogeneidade indispensável, impossível a via da ação civil pública e, assim, carecedor da ação o legitimado, por falta de interesse de agir.

é importante ressaltar a desnecessidade de se prender a detalhes terminológicos: ação civil pública ou coletiva, pois o importante é a efetividade da prestação jurisdicional.

No mais, convém mencionar que a Lei n. 8.078/90 reservou um tratamento lamentável que depõe contra o sistema de defesa dos interesses individuais homogêneos em juízo.

Conclui-se, finalmente, que se corre o risco de toda a sistemática reservada à tutela dos interesses individuais homogêneos restar prejudicada, assim como as diversas causas de pedir transformarem-se em inúmeras demandas individuais, em desacordo com o espírito que animou a própria concepção de tais interesses.

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[1] ALESSI, Renato, Sistema Instituzionale dell interesse difuso, apud in Hugo Nigro Mazilli,p.42

[2] MAZZILLI, Hugo Nigro, A defesa dos interesses difusos em juízo,p.43

[3] CDC, art.81, parágrafo único,I.

[4]MAZZILLI, Hugo Nigro. Op.cit., p.46

[5] CDC, art. 81,parágrafo único, III.

[6] NORTHFLEET, Helen Gracie. Acesso à Justiça,p26.

[7] DINAMARCO, Cándido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, p.19

[8] TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. CPC- Modificações, p.72-73

[9] MAZZILLI, Hugo Nigro . Op.cit., p.5

[10] MAZILLI, Hugo Nigro. Op.cit., p. 7

[11] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos.p.68

[12] MAZZILLI, Hugo Nigro. Op.cit., p7

[13] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. Cit., p. 68.

[14] MANCUSO, Rodolfo de Camarego. Op. Cit., p.79

[15] FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada. p.433-434

[16] PRADE, Péricles. Conceito de Interesses Difusos. p. 45.

[17] MILARé, Edis. A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos. p.55

[18] MANCUSO. Op.cit.65

[19] FERRAZ, Tercio Sampaio. A ciência do direito. p.10.

[20] DINAMARCO, Cándido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. P. 101.

[21] MANCUSO. Op.cit. p.65

[22] NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. p.577.

[23] MAZZILLI. Op. Cit. p.10

[24] MANCUSO. Manual do consumidor em juízo.p.6.

[25] NERY JUNIOR. Op. Cit. p.1.233.

[26] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ações Coletivas Na Constituição Federal de 1988. p. 188-189.

[27] WAMBIER, Luiz Rodrigues, et alli. Curso Avançado de Processo Civil, p.118.

[28] TUCCI, José Rogério Cruz e. Processo Civil: estudo em comemoração aos 20 anos de vigência do CPC, p.158.

[29] VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública.p.26

[30] DINAMARCO. Op cit. p.117

[31] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ações coletivas na Constituição Federal de 1988, RePro 61/188

[32] GIDI, Antônio. Coisa Julgada e litispendência em ações coletivas. p.15-16.

[33] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular. p.25

[34] WATANABE, Kazuo. Demandas Coletivas e os problemas emergentes da práxis forense. p.195

[35] GIDI, Antônio.Op. cit. p.16

[36] NERY. Op. Cit. p. 1.447

[37] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo.

 

 

Autores:

Diógenes Faria de Carvalho

Hélio Capel Filho

df_carvalho[arroba]bol.com.br

heliocapel[arroba]hotmail.com

Professores de direito na Universidade Católica de Goiás; Mestrandos em Direito Empresarial

Rua 90, n. 404, Setor Sul - Goiánia-GO

Outubro/2004

Partes: 1, 2, 3


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