Teste de análise de leitura e escrita – tale
Tradução, adaptação e validação

Partes: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8
  1. Resumo
  2. Introdução
  3. Objetivos
  4. Justificativa
  5. Definição de termos
  6. Fundamentação teórica
  7. Metodologia
  8. O teste tale
  9. Resultado da análise qualitativa
  10. Análise e discussão de resultados
  11. Considerações finais
  12. Referências
  13. Anexos

RESUMO

A presente dissertação denominada como Teste de Análise de Leitura e Escrita - TALE traz a professores e especialistas interessados no sucesso das aquisições de aprendizagem da leitura e escrita o desenvolvimento de um estudo/pesquisa que teve como objetivo a tradução, adaptação, aplicação e validação de um teste padronizado – TALE - já existente e utilizado como instrumento normativo na Espanha, sendo seus autores Josep Toro Cervera Cervera (1990), da Universidade de Barcelona – Espanha. A inexistência de instrumentos normativos que permitem o profissional de saúde escolar verificar as características evolutiva da leitura e escrita foi o que motivou este estudo. Este instrumento permite traçar o perfil das aquisições esperadas em leitura e escrita, bem como, seus indicadores positivos. Este instrumento traduzido e adaptado à realidade brasileira foi aplicado com o rigor científico, numa amostra de 101 crianças matriculadas no ensino fundamental de escolas públicas, constituindo-se numa pesquisa aplicada de ação participante, descritiva/exploratória de caráter quantitativo e qualitativo. Para tabulação, elaboração e descrição dos dados foi utilizado o programa EPI-Info 6.0. Os resultados demonstraram que o uso do TALE favoreceu a identificação dos níveis atingidos em leitura e escrita nos quatro níveis, bem como a identificação dos focos de dificuldades, estes significativos para o educador criar novos recursos técnicos metodológicos. Com os resultados verificou-se que nos quatro níveis as crianças atingiram índices preocupantes na aquisição de leitura e escrita, que serão vistos em estudos futuros. Neste estudo levou-se em conta o uso e validade do instrumento TALE.

Palavras-chave: Estudo. Teste. Adaptação. Validação. Instrumento. Perfil de níveis de leitura e escrita. Profissionais da saúde escolar.

ANDERLE, Salete Teresinha dos Santos. Teste de Análise de Leitura e Escrita Tradução, Adaptação e Validação. 2005. 210f. Dissertação (Mestrado em Psicopedagogia) – Programa de Pós-Graduação da Universidade do Sul de Santa Catarina, UNISUL, Florianópolis, SC.

ABSTRACT

The present dissertation, denominated as Writing and Reading Analysis Test – TALE brings to teachers and specialists interested in the success of acquisition in the reading and writing learning process, the development of a study/research which had as its goal the translation, adaptation, application and validation of a standardized test – TALE – is already existent and is used as normative instrument in Spain, having its authors Josep Toro Cervera (1990), of the University of Barcelona – Spain. The inexistence of normative instruments that allow the academic health professional to verify the reading and writing improvement features was the great motivation for this study. This tool permits us to trace the profile of the expected acquisition in reading and writing, as well as, its positive indicators. This tool that was translated and adapted to the Brazilian reality was applied with the most scientific rigor, in a sample of 101 children enrolled in the primary years of the public schools, which is an interactive, descriptive which will measure the quality and the quantity of its character. The program EPI-Info 6.0 was used in the elaboration, and description of the data used in this research. The results have shown that the use of TALE has favored the identification of the reached levels of reading and writing in the four levels of the primary school, as well as the identification of levels of difficulty, thus, these levels of difficulty was an indicator to the teacher in order to create new technical methodological resources. With the results, it was verified that, in the four levels of the primary school, the children reached alarming indexes in the reading and writing learning process. But this problem will be discusses in future studies. In this study, it is important to recognize the use and the effectiveness of the instrument TALE

Key-words: Studies, Tests, Adaptation, Effectiveness, Instrument, Tool, Reading and Writing Profile Levels, Academic Health Professionals.

  1. INTRODUÇÃO
  2. Quando uma criança ingressa no mundo escolar, cria-se em torno dela um verdadeiro circuito de expectativas referentes à organização da leitura e escrita, sendo este momento um dos marcos na sua inserção e integração social.

    Ao longo de toda a História da humanidade, o ato de ler e escrever desempenhou um importante papel político e social na formação das sociedades. As pessoas que eram dotadas dessas técnicas sempre exerciam uma função de dominância sobre os demais, que eram tidos como "analfabetos".

    O presente estudo, de caráter informativo e formativo, traz a professores e especialistas interessados no sucesso da aprendizagem da leitura e escrita o desenvolvimento de uma pesquisa realizada por meio da tradução, adaptação, aplicação e validação de um teste padronizado. Este contribuirá para identificar os níveis e repertórios já atingidos na leitura e escrita - perfil - e possíveis focos de dificuldades nesses processos.

    Atendendo a esse propósito, a pesquisa foi desenvolvida na linha do Diagnóstico e da Intervenção Psicopedagógica das Dificuldades de Aprendizagem, tendo como Área de Concentração a Psicopedagogia Clínica.

    Para atingir os objetivos propostos nesta pesquisa aplicada, optou-se por um desenho metodológico qualitativo, quantitativo, descritivo e exploratório.

    Para a coleta de dados usou-se como critério o sorteio de 10 escolas públicas estaduais do perímetro urbano de Caxias do Sul/RS, Brasil.

    O registro dos dados obtidos foi feito por meio da tabela de Registros do Teste TALE de Análise de Leitura e Escrita, instrumento da pesquisa, traduzido e adaptado ao contexto brasileiro.

    Com os dados obtidos e, depois de tabulados e analisados, verificou-se se o teste é adequado para testar, controlar e registrar os níveis evolutivos atingidos em termos de leitura e escrita, bem como as competências lingüísticas nos domínios desses processos.

    No entanto, sabe-se o quanto é difícil considerar um trabalho como pronto: há sempre algo a acrescentar, tirar, modificar e, até mesmo, retomar o ponto de partida. Espera-se que este estudo/pesquisa, por meio do TALE seja um recurso e um meio estimulante para os educadores desenvolverem sua missão de forma efetiva e eficaz. Além de suscitar outros olhares sobre o tema, pois acreditamos não existir um único jeito de agir nos processos, formas, recursos para aquisição do mundo das linguagens, seja oral ou escrita está sempre em transformação.

    1. PROBLEMA
    2. Servirá este instrumento para trazer os indicativos positivos, nas aquisições de leitura e escrita, e traçar o perfil das aquisições feitas por crianças do ensino fundamental. Após estes questionamentos chegou-se ao problema dessa pesquisa que é: "um teste padronizado de leitura e escrita poderá servir de instrumento normativo para detectar os indicadores positivos ou alterações no processo de aquisição de leitura e escrita, e traçar o perfil em crianças do Ensino Fundamental?".

    3. OBJETIVOS
      1. Objetivo geral
      2. Para responder a essa questão, estabeleceu-se como objetivo principal traduzir, adaptar, aplicar e validar o teste TALE, como instrumento de medida para se ter um perfil em leitura e escrita, satisfatório ou não, para uso do educador e demais profissionais da saúde escolar.

      3. Objetivos específicos

Os objetivos específicos desta pesquisa são:

  • Aplicar, analisar e classificar nível de aquisição da leitura de letras, sílabas, palavras e textos nos quatro níveis observando pronúncia, velocidade de leitura, ritmo e expressividade, respeito a pontuação, tom e volume da voz, erros, trocas, omissões, substituição, vacilação, repetição leitura silabada, leitura correta, retificação e tempo de execução.
  • Aplicar, observar e classificar o tempo de leitura, concentração, atenção, interpretação e compreensão do texto de acordo com as perguntas apresentadas na compreensão da leitura nos quatro níveis.
  • Observar, verificar, anotar e classificar o tempo, categoria e conceito de cada um nos quatro níveis na parte da cópia do TALE verificando forma de grafismo, superposições, omissões, adições e cópia correta.
  • Aplicar, observar e classificar o tempo de escrita, concentração, atenção, escrita do texto, do ditado do TALE, de acordo com o texto apresentado no nível correspondente observando grafismo, acentuação, pontuação erros ortográficos e outros.
  • Observar, anotar e classificar a escrita livre do TALE verificando a reprodução dos conteúdos expressivos, a seqüência lógica dos fatos, escrita adequada, estilo telegráfico, escrita correta durante aplicação nos diferentes níveis.

    1. JUSTIFICATIVA
    2. Em pesquisas recentes constatou-se que na sociedade brasileira são encontrados 15 milhões de "analfabetos puros" (que tiveram acesso símbolos convencionados mas usam de forma restrita) e muitos outros tidos como "analfabetos funcionais" (segundo pesquisa estão os que possuem menos de 4 série de estudos concluídos), denunciando que a leitura e a escrita se constitui um grande problema social da atualidade.

      Professores, educadores e profissionais da área da saúde escolar, conscientes desta realidade, se deparam com a falta de instrumentos pedagógicos ou psicopedagógicos, nas avaliações da leitura e escrita, que muitas vezes necessitam dar resultados concretos e com caráter mais científicos e, principalmente terem presentes os níveis de aquisições atingidas para servir de indicativos e assim criarem novas estratégias, diversificados recursos e técnicas para a evolução nos processos de aprendizagem.

      Saber ler e escrever é uma capacidade indispensável para que o indivíduo se integre à sociedade da qual faz parte.

      Freire (1992) trata da interação do sujeito no mundo em que vive como fundamental para sua formação. Ler e escrever podem ser vistos como condições essenciais nesse processo.

      A possibilidade de admirar o mundo implica estar não apenas nele, mas com ele consiste em estar aberto ao mundo, captá-lo, compreendê-lo e transformá-lo.

      O uso de um instrumento normativo vem atender aos aspectos quantitativos e qualitativos necessários à postura profissional e à práxis psicopedagógica que pressupõe a atuação tanto no processo "normal" do aprendizado como na percepção de possíveis dificuldades. Daí a necessidade de verificar a viabilidade e a utilização do TALE na realidade das escolas brasileiras.

    3. DEFINIÇÃO DE TERMOS

De acordo com Batista (2002), os termos a seguir servem de guia para o entendimento do processo presente no decorrer deste estudo/pesquisa:

  • Consciência fonológica: habilidade metafonológica é um conjunto de habilidades que deriva da capacidade de o sujeito pensar e refletir conscientemente sobre a própria linguagem. Capacidade de identificar e discriminar sons.
  • Princípio alfabético: a idéia de que sons específicos podem ser representados por letras específicas, ou seja, pelo código alfabético.
  • Decodificação: a capacidade de transformar letras em sons (ler) e sons em letras (escrever). Vinculadas ao processo de análise e síntese.
  • Metacognição: habilidades e estratégias para aprender a aprender e controlar o próprio processo de aprendizagem.
  • Letramento: resultado da ação de ensinar ou aprender a ler e escrever: o estado ou condição que adquire um grupo social ou indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita (SOARES, 2004, p.18).
  • Analfabeto puro: que tiveram acesso a símbolos convencionados mas usam de forma restrita)
  • Analfabetos funcionais: segundo pesquisa estão os que possuem menos de 4 série de estudos concluídos

  1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
    1. LINGUAGEM, LEITURA, ESCRITA, CONCEITOS E AQUISIÇÕES
    2. A história evolutiva humana é cultural: nos tornamos humanos na cultura; cultura esta representada por um modo de conviver determinado pelo entrelaçamento entre a linguagem e emoção, que formam redes de comunicação. Participando destas redes, nos humanizamos. Maturana (1997) salienta que humanizar-se é compartir com outros um conjunto de valores e significados que dão sentido as relações estabelecidas por este grupo.

      O fenômeno social se fundamenta na aceitação do outro e o amor é a emoção que funda o social. O desenvolvimento e a aprendizagem ocorrem no operar sob condições de recursão e conservação da recursão nas coordenações consensuais de comportamento, desta forma linguagem e modo de vida está estreita e mutuamente interligados.

      Como nos esclarece Maturana (1997, p.175):

      [...] todo afazer humano se dá na linguagem, e o que na vida dos seres humanos não se dá na linguagem não é afazer humano; ao mesmo tempo, como todo afazer humano se dá a partir de uma emoção, nada do que seja humano ocorre fora do entrelaçamento do linguajar com o emocionar e, portanto, o humano se vive sempre num conversar.

      Aprender uma língua não é somente aprender as palavras, mas também seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio sócio-cultural entendem e interpretam a realidade.

      A linguagem constitui um dos eixos básicos no desenvolvimento do sujeito/criança, dada sua importância na formação, interação e na construção de conhecimentos e no desenvolvimento do pensamento.

      Convivendo, interagindo com os outros seres humanos por meio da imitação e modelagem a criança vai adquirindo a linguagem – conduta básica – para suas futuras aquisições.

      Ajuriaguerra (1992 apud ROSA NETO, 2002, p. 24) confirma as possibilidades e implicações da linguagem:

      A linguagem nos possibilita representar as complexas abstrações que são o fundamento de nossa sociedade. No desenvolvimento da linguagem, intervêm fatores biológicos e ambientais. A execução de tarefas construtivas práticas é uma das formas manifestadas da atividade intelectual do homem. A segunda forma, muito mais elevada, é o pensamento discursivo ou lógico-verbal, mediante o qual o homem, baseando-se nos códigos da linguagem, é capaz de ultrapassar os marcos da percepção sensorial, refletir sobre relações simples e complexas, formar conceitos, elaborar conclusões e resolver problemas teóricos complicados. Essa forma de pensamento é singularmente importante, já que serve como base à assimilação e ao emprego dos conhecimentos e como meio fundamental da atividade cognitiva complexa do homem.

      Todos esses aspectos complexos que envolvem os processos da estruturação da linguagem a criança vai adquirindo aos poucos, por meio das diferentes formas de comunicação entre a criança e o meio (ROSA NETO, 2002).

      Pelos estímulos de toda ordem, os aspectos filogenéticos e ontogenéticos (TORO; CERVERA, 1990) e as relações estabelecidas com o meio e com as pessoas, a criança vai adquirindo cada vez mais suas condutas orais, aumentando progressiva quantitativa e qualitativamente seu repertório de comunicação e compreensão.

      Ajuriaguerra (1992 apud ROSA NETO, 2002, p. 27) refere:

      O acesso à linguagem propriamente dita se caracteriza por um abandono progressivo das estruturas elementares da linguagem infantil e do vocabulário que é o próprio, substituindo-o por construções cada vez mais parecidas com a linguagem do adulto. Ao mesmo tempo, a linguagem passa a ser um instrumento de conhecimento, um substituto da experiência direta. A redundância com a ação e com o gesto desaparece pouco a pouco.

      A linguagem oral, nas suas diferentes formas de comunicação é tida como um sistema de símbolos. A verdade é que a comunicação compreensiva e expressiva é condição imprescindível para o aprendizado da leitura e escrita.

      A aquisição de informações, a cultura, a aprendizagem (indiferentemente da esfera em que acontece), a comunicação interpessoal são imprescindíveis ao domínio da leitura-escrita. Verdadeiramente, a leitura-escrita tem sido e é agente essencial na transmissão cultural entre gerações e entre os seres humanos em geral por meio de suas aprendizagens.

      A aprendizagem é um processo dinâmico e multidimensional, abrange fatos da vida e áreas de conhecimento sempre móveis, mutáveis, em evolução e transformação.

      Para o ser humano nada é estático, tudo se caracteriza pela mobilidade e pelo dinamismo.

      A aprendizagem é também um processo vital e sua vitalidade é mutacional, transformadora, evolutiva.

      A aprendizagem é tão difícil e multidimensional quanto à própria vida. Envolve dimensões de sentimento, interesse, curiosidade, coragem, prontidão, motivação e, principalmente, maturidade.

    3. LEITURA E ESCRITA: CONCEITOS E AQUISIÇÕES

      A leitura é um fenômeno de utilização de signos lingüísticos e não um fenômeno de sinais impressos para decifrar. O que proporciona o significado é a escrita relacionada ao contexto em que se encontra. No ato da leitura, sempre está envolvido o uso múltiplo de muitos índices, e a escrita é uma parte delas.

      Para que se tenha uma visão mais geral do que vem a ser a leitura e sua dimensão, conceitos de leitura abordados por Silva (1983), em Leitura e realidade brasileira, e outros definem o ato de ler como uma necessidade concreta para aquisição de significados e, conseqüentemente, de experiências nas sociedades onde a escrita se faz presente.

      Ratifica, ainda, o mesmo autor, a definição acima quando diz que "[...] leitura sem compreensão e sem recriação do significado é pseudoleitura. É um entendimento mecânico".

      Vygotsky (1996) vê a "[...] leitura como um ato de reconstrução dos processos de produção".

      Charmeux (2000) diz que "[...] ler um projeto é entender compreender plenamente um texto".

      "Ler é compreender", diz Cagliari (1989) "[...] pois a leitura não se efetiva sem compreensão".

      Mas o que é ler? O dicionário Aurélio (1986, p. 1019) registra: "ver o que está escrito, decifrar, interpretar um texto por meio de leitura: compreender o que está dito através dos sinais gráficos; tomar conhecimento do conteúdo de um texto pela leitura; reconhecer a mensagem do texto".

      Em seu conceito amplo de leitura Freire (1998, p.11) também se refere a uma compreensão crítica do ato de ler, "[...] que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa do mundo e se alonga na inteligência".

      Para Kato (1985, p. 87), "[...] a leitura pode ser entendida como um conjunto de habilidades que envolvem estratégias de vários tipos". Essas habilidades seriam: a de encontrar parcelas significativas do texto; a de estabelecer relações de sentido e de referência entre certas parcelas do texto; a de estabelecer coerência entre as proposições do texto; a de avaliar a veroassimilação e a consistência das informações extraídas; a de inferir o significado e o efeito pretendido pelo autor do texto.

      Em todas as definições citadas e encontradas, desde a mais simples às mais complexas, encontra-se, implícita ou explicitamente, um ponto em comum: a compreensão. Então, parece que, para caracterizar a leitura, tem-se que começar por definir compreensão, os seus mecanismos e o modo como opera em se tratando de leitura, visto ter sido evidenciado que "ler é, antes de tudo, compreender" (SILVA, 1983, p.67).

      Por muito tempo vigorou, principalmente no meio escolar, o entendimento de que compreender um texto consiste tão-somente detectar a idéia principal e responder a questões de compreensão. Enfatizando esse procedimento, acrescenta Silva (p. 67-68): "No que se refere à compreensão, o aluno deve responder a um questionário por escrito, onde as respostas todas devem ser retiradas do texto, pois estão claramente aí expressas".

      Um dos pioneiros no processo de concepção contemporânea em leitura Freire (1998, p. 47) entende que "[...] a leitura do mundo precede a leitura e escrita da palavra". O autor nos coloca que é impossível separar a palavra do pensamento; para ele, toda leitura da palavra leva a uma re-leitura do mundo e, daí, à escritura do mundo. Donde "entendo por escrever o mundo, transformá-lo" introduz como fator indispensável, tanto para a leitura como a compreensão da mesma, o já citado, significado, ou seja, o contexto. "A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto" (p.12).

      Além de Freire, outros autores nos dão respaldo quando destacam o contexto como fator de interferência na compreensão.

      Condemarin e Chadwuick (apud TORO; CERVERA, 1990) dizem que tanto a leitura como a escrita discrimina os itens que nos permitem delimitar competências subjacentes: por um lado, a compreensão dos textos lidos, por outro a capacidade de decodificação de letras e palavras. Esses mesmos autores apresentam indicações preciosas sobre os problemas que fazem ou impedem a competência de ler e escrever.

      A leitura, a compreensão e o contexto, em outras palavras, são o mesmo que abranger o homem e todas as suas manifestações lingüísticas, e que se pode observar, tanto por parte das abordagens cognitivas quanto das lingüísticas, embora devam ser fenômenos vistos sob um mesmo prisma, já que o lingüístico (palavra) e o cognitivo (pensamento, conhecimento) mantêm uma relação tal, muito bem descrito por Vygotsky (1988, p.108):

      A relação entre pensamento e a palavra não é uma coisa, mas um processo, um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra e vice-versa. Nesse processo, a relação entre o pensamento e a palavra passa por transformações que em si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no sentido funcional. Cada pensamento não é simplesmente expresso em palavras: é por meio delas que ela passa a existir. Cada pensamento se move, amadurece e desenvolve, desempenha uma função, soluciona um problema.

      Para Vygotsky, a leitura nunca é mera decodificação mecânica. Nos momentos em que a decodificação dos signos está presente, a leitura vem impregnada de sentidos e predomina sobre o significado da palavra. As mudanças de sentido não atingem estabilidade do significado. Segundo Vygotsky, as palavras obtêm seu sentido no contexto do discurso; mudando o contexto, varia o sentido da palavra.

      Aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de tudo, aprender a ler o mundo, compreender seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade.

      Para Marcuschi (apud TORO; CERVERA, 1990, p.46), o contexto é também um dos fatores de maior interferência na compreensão:

      Por mais que a decodificação (leitura de uma mensagem exija um esforço concentrado na linguagem utilizada, para permitir a apreensão do significado pelo receptor, na verdade a sua compreensão só se concretiza através da sintonização com o universo cultural de que se valeu o emissor e que possui componentes extralingüísticos, vale dizer histórico-contextuais).

      Tudo indica que a compreensão não se dá como um fruto da simples apreensão do significado literal das palavras e sentenças, mais compreender uma sentença ou texto exige mais do que situá-lo em seus contextos de ocorrência. Exige também uma contextualização cognitiva dependente da própria organização dos conhecimentos e das experiências pessoais.

      1. Aquisição da leitura
      2. Segundo Toro e Cervera (1990) a leitura oral é um conjunto de respostas verbais articuladas, emitidas seletivamente ante um conjunto de estímulos visuais constituídos pelo que chamamos de letras, sílabas, palavras ou textos. Se a resposta verbal é sistemática, correta, e, se diante dos elementos gráficos emite sempre um som, é que os estímulos visuais em questão (os elementos gráficos) são alcançados junto com o poder de controle sobre aquela resposta verbal.

        O ensino da leitura, bem como a leitura propriamente dita, é um processo complexo que modifica o caráter que certos estímulos visuais têm para o sujeito, ou para certas respostas do sujeito, influenciado pelos significados e significantes estruturados ao longo do processo de aquisições inter e intra-sócias.

        Esse processo farto e complexo atravessa várias fases e momentos.

        Na leitura, os estímulos visuais implicados deixam de ser neutros, o que ocorria antes de aprendermos a lê-los para passar a ser discriminativos. Por conseguinte, o aprendizado da leitura – o ensino da leitura - é um processo mediante o qual se modifica o caráter que certos estímulos visuais têm para o sujeito, ou para certas respostas do sujeito. Conforme o referido anteriormente, os elementos gráficos em questão, de neutros passam a ser discriminativos, o que implica que, em sua presença, o sujeito poderá responder adequada e especificamente.

        Para Toro e Cervera (1990 p.15):

        A separação visual de cada letra vai acompanhada e fica facilitada pela atribuição de cada letra, de um som, de uma determinada verbalização. A relação entre a letra e a verbalização é univogal. O processo de descriminação visual se manifesta através de uma conduta verbal específica: fonema, nome da letra em questão, etc. Também se manifesta assinalando a letra requerida do interlocutor, que, neste caso, se transforma em emissor da conduta verbal.

        O conjunto de estímulos visuais o reconhecimento de letras, palavras, os estímulos visuais e os espaços discriminativos entre significado e significantes são associados às unidades da linguagem falada e controlados pelos símbolos gráficos das palavras, ou seja, o significado conduz à leitura de palavras e a leitura de palavras implica significado.

        Segundo Tsuetkova (1977 apud TORO; CERVERA, 1990), a consolidação do processo sintetizado permite um incremento de fluidez e velocidade leitora. O leitor, segundo mostram os estudos dos movimentos oculares que se produzem durante a leitura, somente fixa seu olhar em um número limitado de letras, não presenciando o soletrar propriamente dito. A familiarização com a leitura leva a atender àqueles estímulos visuais que resultam mais significativos, que representam mais quantidade de informação, é dizer que está adquirindo maior poder de controle.

        Atendendo às palavras, tais elementos parecem ser fundamentais, os léxicos. Esses procedimentos de análise e síntese de discriminação de estímulos visuais simples e complexos parecem ser aprendidos de modo simultâneo e indissolúvel.

        Para Capovilla e Condemarin (2002), ao longo de seus estudos feitos análises e sínteses, discriminações elementares e discriminações complexas são duas caras da mesma moeda dialeticamente conexa.

        Ao refletir-se sobre os processos sintéticos e mencionando a preferência de fixação visual nos elementos significativos das palavras (e das orações), defronta-se com o fenômeno da significação e, por conseguinte, com a compreensão da leitura.

        Ler supõe elaborar autênticas suposições semânticas que são verificadas sobre a caminhada. Uma vez apreendida uma parte do significado de um texto, o leitor antecipa de algum modo o que vai ler. E mais, o estudo dos movimentos oculares põe de manifesto a presença de autênticas comprovações, com fixação e "regresso" do olhar feito e supostamente lido, conforme Tsvetkova (1977 apud TORO; CERVERA, 1990).

        Os processos de síntese que vão sendo adquiridos ao longo do processo permitem incrementar a velocidade ao fixar a atenção visual em determinadas letras ou sílabas, mas não em todas, graças às verificações da conjectura durante o processo da leitura. "Pula-se" para frente, mas também para trás. Sem impedimentos, esses retornos vão diminuindo com a idade, com o incremento do aprendizado. A criança que começa a ler, inclusive, pode não chegar a cultivar o significado do texto que tem perante seus olhos.

        Toro e Cervera (1990) assinalam que todo esse processo completo permite, como já foi dito, que alguns estímulos visuais (letras, sílabas, palavras, frases) se constituam em estímulos discriminativos suscetíveis de controlar certas respostas verbais do leitor, respostas que devem formar parte de seu repertório verbal. Para que um estímulo chegue a se constituir em discriminação sobre uma dita resposta, que deve resultar reforçada ao ser emitida em presença daquele atinge diretamente o ensino em geral.

        Para que todo este processo de aquisições aconteça, a conduta mediadora do professor e das figuras de referência da criança é que irá reforçar suas respostas até conseguir que as letras sejam discriminativas, e que cheguem a controlar as respostas – a leitura – adequadas.

        [...] A discrepância entre idade mental real de uma criança e o nível que ela atinge ao resolver problemas com o auxílio de outra pessoa indicam a zona de seu desenvolvimento [...]. Essa medida dá-nos uma pista mais útil sobre a dinâmica do progresso cognitivo do que aquela que nos é fornecida pela idade mental [...] (VYGOTSKY, 1998, p.128-129).

        Para que aconteça a leitura, força da ação social é imprescindível a presença de modelos de instruções, especialmente nas respostas do professor que traz a leitura para a criança. Sua aprovação, seus gestos de aceitação, seu elogio, seu interesse, seu olhar carinhoso, isso tudo é o que conta, pois ele de alguma forma vai autorizar a criança a aprender.

        Fernandez (2001, p.180) salienta que "[...] a tão comentada ‘motivação’, aquilo de incitar o aluno está em o professor estar apaixonado e interessado pelo conteúdo que ensina".

        Certamente toda essa atuação do professor, e de outros modelos identificatórios (pais, irmãos, outros educadores) é reforço positivo. O "rechaço", no sentido técnico do vocábulo, também está implicado, concretamente, quando o professor demonstra desaprovação e crítica. Essa estimulação aversiva também pode ser exercida pelo adulto, tais como: a correção de um erro cometido ao ler, a percepção do próprio fracasso verificado ao observar a leitura de ouros, etc., para não falar do rechaço, que se manifesta desde as linguagens corporais simbólicas ou verbais, observadas na inter-relação de professor e aluno pela criança.

        Trata-se, sempre, de estimulação aversiva que traz conseqüências muitas vezes difícil de resignificar, perdurando pela existência do sujeito.

        Com isso a leitura desencadeará uma ansiedade cada vez mais intensa na criança, pois se sabe que toda estimulação aversiva provoca ansiedade.

        A ansiedade, por outro lado, podem desorganizar os comportamentos instrumentais da criança, inclusive os adaptados. Por exemplo, os aspectos corretos de sua leitura, o comportamento em sua classe, etc. Enquanto que, por outro, põe em marcha às condutas de evitar conseqüências. Nessas circunstâncias, vê-se que a criança sozinha não lê bem, porém faz o papel de "palhaço" em classe, ou sempre está no "mundo da lua", ou está bloqueada, ou tem problemas de atenção, entre outros.

        Em qualquer caso, a influência interpessoal é inevitável nas primeiras fases do aprendizado da leitura. Existem outros estímulos que também resultam significativos, entre eles, as diferenças ou semelhanças existentes entre o nível médio da leitura alcançando pelo grupo e o conseguido por uma criança que está à margem da situação escolar, etc.

        As influências e os reforços sociais significativos são imprescindíveis até a aquisição da leitura propriamente dita, pois eles correspondem ao terreno cognitivo, sensorial e emocional, fatores indispensáveis ao processo de aprendizagem.

        Assim, uma criança que já aprendeu a leitura (enquanto conduta simplesmente articulada) chegará a ser reforçada e controlada pelos reforços sociais e pelo significado da mesma função de grau de aquisição de todas as complexidades próprias da linguagem oral. Quando o nível de linguagem da criança é adequado, imagens e emoções provocadas pelo que lê são capazes de reforçar intermitentemente sua conduta leitora. Em tal caso, tem-se uma criança propensa à leitura, habituada a inter-atuar complexamente com seu entorno mediante a linguagem em todas as suas modalidades. Além disso, a leitura fica facilitada pelo conhecimento das palavras e corrente de palavras (locuções) usuais na linguagem, que diminuem assim o número de fixações visuais precisas para ler e compreender.

        Por conseguinte, a chamada leitura mecânica não é mais do que a leitura controlada exclusivamente pelos aspectos físicos, gráficos e visuais do texto. A leitura compreensiva, observada neste estudo, supõe que a leitura, assim como outras condutas imediatas ou mediatas do assunto, estão determinadas pelos significados do contexto e acontece a partir das relações inter e intra do sujeito.

      3. A escrita
      4. A linguagem escrita, ao contrário da oral, não faz parte de nossa hereditariedade. Se, por um lado, nascemos para falar; por outro, precisamos aprender a escrever.

        Algumas sociedades possuem a escrita, outras não. Se for considerado o desenvolvimento normal, entre um e dois anos de idade, as crianças estão começando a falar. No caso da escrita, o aprendizado dependerá das condições sociais, ou seja, estará subordinada à aprendizagem informal ou espontânea, decorrente do contato da criança com pessoas letradas ou de aprendizagem formal ou escolar, a partir de situações planejadas para tal fim.

        Estudos das obras de Ferreiro (1995), que tiveram como base Piaget, comprovam que a escrita é uma produção social e, como tal, sofreu inúmeras transformações ao longo da História da humanidade.

        A forma da escrita mais antiga de que temos notícia é a pictográfica (CAGLIARI, 1989). Para representar um objeto qualquer se usava um desenho convencionado (mas reconhecível) desse objeto. O pictograma representa o próprio objeto. A escrita pictográfica, portanto, só permitia a representação dos objetos que podiam ser desenhados.

        Um outro sistema de escrita da mesma natureza, mas mais avançado, é o ideográfico. Esse sistema de escrita foi muito difundido na Antigüidade pelos egípcios e continua existindo atualmente na escrita chinesa. A diferença entre um pictograma e um ideograma é que, apesar de os dois representarem o objeto a que se referem, o fazem de forma diferente: o ideograma é uma convenção, refere-se ao objeto por analogia, isto é, dá uma idéia do objeto representado e, para ser lido, precisa ser aprendido. Em chinês, a cor vermelha é representada pela montagem de quatro ideogramas: rosa, cereja, ferrugem e flamingo. Quatro objetos cujo atributo comum é a cor vermelha.

        Como se pode perceber, a escrita ideográfica é menos limitada que a pictográfica. Gelb (apud CALIGLIARI, 1989), em História da escrita, mostra que uma das dificuldades dos povos antigos era a escrita dos nomes próprios e que foi por aí que se iniciou a fonetização como a logografia. O logograma ainda era construído com desenhos. Por exemplo: a palavra "soldado" poderia ser escrita, mas os desenhos já não mais se referiam ao objeto representado, mas aos seus nomes.

        Essa mudança, a fonetização da escrita, desenvolveu-se rapidamente na direção das escritas silábicas. Esse sistema de escrita, o silábico, desvencilhou-se completamente do desenho e passou a trabalhar com sinais inteiramente arbitrários, um para cada sílaba. Nesse momento, a escrita passou a representar o desenho sonoro das palavras, também surgindo à necessidade de valores sonoros convencionais estáveis, das convenções de orientação e direção da escrita e, principalmente, da ordem das grafias que precisavam corresponder à ordem de emissão da fala.

        A escrita alfabética evolui da escrita silábica. Evoluiu pela reflexão, evoluiu pela tomada de consciência das propriedades da linguagem. Por exemplo: a letra "F" não corresponde a uma emissão sonora isolada. Não é possível dizer o "F", ela é o que o "FA", a "FÉ", o "FI", o "FO", o "FU", etc., têm em comum.

        Representar os fonemas em lugar das sílabas significou uma enorme economia, a começar pela redução do número de sinais a ser memorizado. Os adultos alfabetizados consideram o sistema alfabético de escrita que foi aprendido como óbvio e único possível, sem se dar conta de que a humanidade precisou de milhares de anos e muita reflexão para construí-lo e de que ele não é a única forma possível de escrita.

        Independentemente de concepções diferenciadas, para Ferreiro e Teberoski (1986, p.91) a escrita é definida como a representação de palavras ou idéias por meio de sinais.

        Para Cagliari (1993, p. 112) ela é um fenômeno social, um bem cultural, um fenômeno dinâmico que evolui com o passar do tempo.

        Não há idade para se aprender a escrever; portanto, essa habilidade é arbitrária, ficando condicionada à existência de condições culturais específicas, de um ambiente letrado e ao momento em que a criança passa, de alguma forma, a ser ensinada. Em outras palavras, podemos aprender a escrever aos 4, 7, 10, 30 anos, ou nunca, dependendo das oportunidades de acessos a bens culturais, sendo a linguagem escrita um dos aspectos mais importantes que uma sociedade pode ter.

        "A fala não se confunde com a escrita. Escrever não é transformar o que se ouve em formas gráficas, assim como ler também não equivale a reproduzir com a boca o que o olho reconhece visualmente" (FERREIRO, 1993, p. 34).

        Cagliari (1993, p.117) reforça o pensamento de Ferreiro (1987), a fala e a escrita constituem realidades diferentes, pois apresentam, entre outras características, formas e recursos expressivos distintos embora ambas lidam com o mesmo objeto: a língua. "[...] é uma ilusão pensar que a escrita é um espelho da fala. A única forma da escrita que retrata a fala, de maneira a correlacionar univocamente letra e som, é a transcrição fonética" (FERREIRO, 1987, p. 20).

        Ferreiro (1987) e Teberosky (1994) demonstram, por meio de seus estudos, que as crianças têm idéias próprias sobre como se escreve o que se pensa e formulam hipóteses de como isso ocorre, ao expressar-se por meio da escrita. Em atividades de leitura e escrita, essas hipóteses vão sendo progressivamente testadas pelas crianças, até se tornarem alfabetizadas, isto é, saber quais e quantas letras são necessárias para escrever uma palavra e em que ordem deve ser colocada para que outras pessoas possam ler.

        Negar, então, toda e qualquer forma de produção é desconhecer quão importante são essas etapas na produção da escrita propriamente dita.

        O que se observa é que as pesquisas na área da aprendizagem da escrita, nos últimos vinte anos, têm provocado uma revolução na forma de compreender como esse conhecimento é construído, que é possível saber produzir textos sem grafá-los e que é possível grafar sem saber produzir, que o domínio da linguagem escrita se adquire muito mais através da leitura do que da própria escrita; que não se aprende ortografia antes de se compreender o sistema alfabético de escrita e que a escrita não é espelho da fala.

        A escrita possui dois sentidos: o sentido estrito que consiste no processo das garatujas à escrita alfabética e o sentido latu, onde, através dele, faz-se à representação de palavras ou idéias por meio de sinais. A linguagem escrita é a que se usa para escrever. Está de acordo com as normas cultas da língua (portanto, é mais estável e resistente a mudanças), pressupõe um interlocutor distante e não se situa em um contexto imediato, precisando, assim, de maior explicitação. Embora na linguagem escrita haja elementos da linguagem oral (fonologia, morfologia, sintaxe e léxico) implícitos, há diferenças estruturais e funcionais marcantes entre elas.

        A escrita possui duas funções distintas: função social (a escrita como memória), comunicação à distância, comunicação com um grande número de pessoas e identificação de um objeto ou uma produção, e a função expressiva, sendo a escrita a demonstração de expressões de sentimentos, emoções e visão de mundo.

        Por meio da escrita é possível produzir textos com destino escrito, textos espontâneos ou a partir de modelos. Nessas produções, utilizam-se estratégias próprias de acordo com a intenção, o registro de histórias, os bilhetes, a elaboração de jornais, revistas, notícias e outros. Ainda é possível o letramento, que é o produto da participação em práticas sociais que usam o sistema de escrita como sistema simbólico, mesmo que o sujeito não domine perfeitamente o sistema da linguagem escrita.

        Nas sociedades atuais não existe grau zero de letramento que envolva outros sistemas simbólicos, além do verbal, como o visual (pintura, escultura, arquitetura, dança) e outras manifestações através dos símbolos visuais passíveis de leitura e identificação, como rótulos, outdoor, placas de trânsito, a cor do sinal e o contexto em que se insere. O letramento torna o sujeito capaz de reconhecer o ônibus que o leva para casa, à escola ou ao trabalho.

        Em muitas escolas a escrita ainda é considerada apenas como habilidade motora e ortográfica, na qual a criança necessita decodificar para transcrever. Isso é argumentado nas palavras de Teberosky (1994, p. 76): "Acreditamos que o professor é quem cria, planeja, inventa situações e atividades de forma que as crianças aprendam a ler e escrever".

        E isso é radicalmente diferente de ensinar a ler e a escrever. Vygotsky (1998) fundamenta, também, essa posição da prática escolar atual quando diz: "Até agora, a escrita ocupou um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento cultural da criança. Ensinam-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita" (p. 139).

        É evidente que tanto a leitura como a escrita exige pré-requisitos para a sua aquisição onde corpo, organismo, desejos estão envolvidos de forma intrínseca.

        A escrita representa uma atividade motriz usual que requer a atividade controlada de músculos e articulações de um membro superior associada à coordenação visuomanual. Considerando que a mão e o olho não são absolutamente indispensáveis, a escrita manual guiada pela visão proporciona o modelo gráfico mais regular e rápido. A escrita consiste em uma organização de movimentos coordenados para reproduzir as formas e os modelos; constitui uma praxia motora. (ROSA NETO, 2000, p. 15).

        Isso nos mostra que fatores intrapsicológicos-orgânicos e interpsicológicos fazem parte de todas as funções do desenvolvimento geral da criança e que aparecem sempre duas vezes no social a partir das relações e no interior com sua bagagem própria.

        Conforme Myklebust (apud FONSECA, 1995, p.11) a linguagem é uma conseqüência da transformação sensorial para a informação cognitiva, processo que somente é possível na espécie humana. "A leitura e escrita implicam uma tradução do que está impresso na página em equivalentes auditivos que são apreendidos previamente. A hierarquia da linguagem é um todo. O falar, a leitura, e a escrita não podem ser vistos como elementos isolados".

        Para Fonseca (1987, p. 58) a leitura e escrita são processos complexos que implica diversos fatores significativos:

        Ler não é uma aprendizagem de novos sinais. Trata-se apenas de lidar com material já adquirido auditivamente, mas agora sobrepondo o sinal visual (grafema) de sobre o sinal anterior (fonema). A diferença está na modalidade sensorial e na função neurológica. Na linguagem escrita à modalidade é visual passando pela auditiva através dos processos neurológicos pré-estruturados e de equivalências significativas que constituem o domínio integrado do código [...] a simples leitura "wuord-ealling" de palavras ou frases sem as ligar à significação não tem relevância.

        Vygotsky (1998) coloca, também, que a escrita tem grande significado para as crianças, despertando nelas necessidades intrínsecas, pelo fato de ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a vida e, assim, desenvolver-se como uma forma nova e complexa de linguagem e acrescenta:

        No entanto, o ensino tem de ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem necessárias as crianças. Se forem usadas apenas para escrever congratulações oficiais para membros da diretoria escolar ou para qualquer pessoa que o professor julgar interessante (e sugerir claramente para as crianças) então o exercício da escrita passará a ser puramente mecânico e logo poderá entediar as crianças; suas atividades não se expressarão em sua escrita e suas personalidades não desabrocharão. A leitura e a escrita devem ser algo de que a acriança necessite. (VYGOTSKY, 1998, p. 155-156).

        Para Lúria (1998), a escrita pode ser definida como uma função que se realiza, culturalmente, por mediação. A condição fundamental exigida, para que a criança seja capaz de tomar nota de alguma noção, conceito ou frase, é que algum estímulo seja empregado como símbolo auxiliar, cuja percepção a leve a recordar a idéia que se refere.

        "A história da escrita começa muito antes da primeira vez em que o professor coloca um lápis em sua mão e lhe mostra como formar letras" (LÚRIA, 1998, p. 143).

        Lúria (1998) escreve que as origens desse processo estão na pré-história do desenvolvimento das formas do comportamento infantil. Ao entrar na escola, a criança já chega com uma bagagem, um patrimônio de habilidades e destrezas que a habilitará a aprender a escrever em tempo relativamente curto.

        Para La Rosa (2003, p.224), "[...] as primeiras comunicações de afeto e confiança vão construir e preparar as aprendizagens futuras, irá estabelecer os primeiros modelos lingüísticos e sua capacidade de simbolizar [...]".

      5. Aquisição da escrita

    Escrever, aprender a escrever é não copiar, reproduzir ou imitar certas condutas manuais que dão lugar a determinados estímulos visuais. A criança vai adquirindo algumas condutas motoras manuais básicas por meio da reprodução de modelos gráficos que são estímulos visuais. A criança escreve de acordo com eles quando alcança função discriminativa, quando controla sua conduta manual. A reprodução do modelo gráfico e a conseguinte comparação entre o realizado e aquele supõem uma possibilidade de auto-correção (reforçamento), que se acrescenta à ação social suficientemente exposta ao se tratar da leitura. O primeiro modelo a imitar estaria constituído pela mão do professor e de "outros" no momento de traçar o que foi escrito. Existiria, pois, um modelo manual motor estritamente relacionado com o modelo escrito.

    Ambos seriam modelos visuais, sendo o fruto do primeiro, sua conseqüência no tempo.

    Até aqui, o processo analisado é totalmente sobreposto ao aprendizado do desenho. As topografias são semelhantes e os estímulos descriminados também. Esse feito está levando alguns, conforme Freinet (1968 apud TORO; CERVERA, 1990) a apresentar o desenho como requisito do aprendizado da linguagem escrita, o que não é mantido em absoluto. Batista (2002) grifa a importância que tem, para a criança, o fato de escrever, desenhar, aprender a sentar-se, a situar seu corpo em certa posição perante a mesa, e exercer uma determinada pressão do lápis, a movê-lo e detê-lo em seu decorrer pelo papel, etc. Mas o desenho não conduz a escrita nem a escrita precisa de desenho para seu aprendizado.

    Uma vez iniciado o processo, o acerto – a semelhança em relação ao modelo escrito – reforça a escrita correta (movimento manual) e ainda dispensa a intervenção pessoal do professor.

    Dessa forma, alguns estímulos visuais neutros, o modelo da escrita de copiar, as letras, se constitui em estímulos discriminativos de uma conduta manual (escrever), que tem como conseqüência à aparição de outros estímulos visuais: as primeiras letras escritas pelo sujeito.

    Outro fato que ocorre é na escrita do ditado e na escrita espontânea. A escrita no ditado implica o aprendizado da correspondência existente em um código ou idioma dado entre fonemas e grafemas, onde outros fatores estão correlacionados como memória, atenção, percepção. Em outras palavras, os estímulos sonoros, auditivos, emitidos pela pessoa que dita ou fala, deve converter-se em discriminativos em relação às respostas manuais próprias da escrita. Certamente, trata-se de um processo muito mais complexo que a cópia. Um processo que começa pela análise dos sons verbais. O fluxo verbal de quem fala, de quem "dita", deve ser decomposto em seus elementos. O aprendiz tem que adquirir a habilidade de descriminar os fonemas. Essa análise resulta facilitado, uma vez mais, do conhecimento que o assunto tem da palavra ou das palavras em questão. Sua própria articulação pode ser, e de pronto é, analisada. A partir desse instante, e também simultaneamente, a equivalência entre o som ouvido e o significado escrito vai sendo aprendida. Nesse momento do processo, a sobreposição entre aprendizagem de leitura e aquisição da escrita é muito clara. Os fonemas são emitidos antes dos traços, e o escrito se traça segundo uns fonemas. O controle que os fonemas exercem sobre a conduta de escrever em uma situação de ditado, não é o único que se produz.

    Cabe pensar que, especialmente, nas primeiras etapas do aprendizado, também exerce controle sobre a ação manual, a resposta visual condicionada provocada pelo fonema em questão. Em tal caso, a título de exemplo, o som "pa" provocaria a imagem visual "pa" e esta, à sua vez, controlaria a operante manual que leva e escreve "pa". Precisamente esse fenômeno é uma das razões que leva a sublinhar a relação desse processo com o aprendizado prévio da leitura; processo esse que permite o condicionamento das respostas sensoriais concretas que chamamos de relação entre significados e significantes.

    Dessa maneira, a escrita no ditado está controlada pelos sons discriminados auditivamente e pelas imagens literais suscitadas ou imaginadas.

    A análise deve ser seguida da retenção dos fenômenos na mesma ordem em que foram emitidos e escutados. Essa ordem, uma vez estabelecida às equivalências entre fonemas e grafemas, é o que deve manter-se na escrita. A organização dos grafemas em seqüências de letras em palavras é o processo de síntese que também encerra a escrita.

    Da escrita ao ditado assim mesmo constitui uma rara variedade do que se chama controle verbal da conduta motora, fenômeno que é "parente" muito perto do que Lúria (1986) qualifica como "função diretiva" da linguagem. Tais denominações fazem referência ao que a conduta motora de um indivíduo é suscetível de ser modificada através da linguagem. Tratam-se de algo estritamente implicado no segmento de instruções, cumprimento de ordens, sugestões, etc.

    Em todos esses casos a conduta do sujeito depende de uma conduta verbal e, mais concretamente, do significado desta. A escrita espontânea é o processo de maior complexidade. As respostas da escrita carecem de modelo físico imediato visual e sonoro. Os estímulos discriminativos não dão ato à situação geral de escrever, se não da sucessão de respostas manuais concretas, implicando a denominação de linguagem interior significativa (conduta verbal não manifestada).

    Logicamente, não pode existir escrita espontânea sem que previamente tenha sido adquirida a habilidade de escrever copiando ou escutando, "inter-atuando" e "sobrepondo-se" à leitura. A escrita espontânea supõe um complexo processo de codificação e de decodificação, de análises e sínteses sucessivas e intercaladas. A precisão de escrever pode surgir da necessidade de transmitir ou manifestar uma informação (carta a um amigo, trabalho solicitado por professor, etc.).

    A informação em questão é, em primeira instância, pensamento: verbalizações internas, imagens visuais e auditivas, emoções. Todos esses elementos devem ser significantes. A linguagem interior, o repertório individual de cada um, seus estudos e delimitações é um dos temas mais apaixonantes da psicologia da aprendizagem. Na escrita espontânea implica, junto à inevitável aquisição da linguagem oral, a existência de uma representação e um repertório interior e à imagem do mesmo com a capacidade de controle suficiente sobre o ato de escrever. Trata-se de um auto-ditado de onde o modelo – o estímulo discriminativo – não é a conduta verbal de outra pessoa, mas estímulos próprios singulares e significativos.

    Para finalizar, os reforçadores da conduta escrita espontânea são complexos e diversos. Podem ser as respostas previstas pelo sujeito, destinatário do texto, as respostas emocionais do próprio escritor ao ler o escrito, a sonoridade dos fonemas que se manifesta mediante sua leitura, entre outras coisas.

  2. METODOLOGIA
    1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
    2. A metodologia se compõe de dados verificáveis. Toda tese científica deve ser testada pelo crivo da experiência.

      Para Rauen (2002), a ciência é certa ou provável porque não se pode atribuir certeza absoluta aos estudos científicos. Se, por um lado, há conceitos certos, há por outro uma infinidade de conceitos prováveis.

      A metodologia é um processo vinculado à ciência, pois conforme Scharppo (2002), é a explicação minuciosa, detalhada, rigorosa e exata de toda ação desenvolvida no método (caminho) do estudo de pesquisa.

      É na metodologia, então, que se explicam o tipo de pesquisa, de instrumento utilizado; o tempo previsto; as formas de tabulação e de tratamento e análise dos dados, enfim, de tudo o que é utilizado no estudo de pesquisa.

      Nesse sentido, e com o intuito de refletir o papel da mediação interventiva, preventiva na leitura e escrita, optou-se neste estudo, num primeiro momento, à análise do TALE e de outros autores relacionados à área em questão, por meio de pesquisa bibliográfica.

      De acordo com Lakatos e Marconi (1992, p. 43), "[...] a pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre o assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando muitas vezes a conclusões ou hipóteses inovadoras".

      Num segundo momento, foi realizada a pesquisa de campo para testagem, confirmação e validação teórico-prática do problema levantado no estudo.

      Segundo Bastos e Keller (1992, p. 55),

      [...] a pesquisa de campo visa suprimir dúvidas ou obter novas informações e conhecimentos a respeito de problemas para os quais se procura resposta ou a busca de confirmação para hipóteses levantadas e, finalmente, a descoberta de relações entre fenômenos ou os próprios fatos novos e suas respectivas explicações.

    3. IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
    4. Título: Teste de Análise de Leitura e Escrita – TALE – adaptação, tradução e validação para uso de profissionais de saúde escolar.

      Linha de pesquisa: Diagnóstico e intervenção psicopedagógica das dificuldades de aprendizagem.

      Área de concentração: Psicopedagogia escolar e clínica.

      Instituições: Escolas públicas estaduais de Ensino Fundamental e Médio de Caxias do Sul – RS – Brasil.

    5. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
    6. Esta pesquisa caracteriza-se como descritiva e analítica, do tipo diagnóstico exploratório, com a finalidade de analisar os níveis de leitura e escrita esperados nas diferentes séries do Ensino Fundamental.

      O registro dos dados ocorreu por meio da tabela de registro do TALE, Teste de Análise de Leitura e Escrita, traduzido e adaptado à realidade brasileira.

      Os dados foram registrados, tabulados e analisados de forma quantitativa e qualitativa e analisados e tabulados com suporte na fundamentação teórica de base do teste TALE (TORO; CERVERA, 1990) e em outras referências bibliográficas necessárias, que atendessem aos objetivos propostos, seguindo uma abordagem histórico-cultural.

      De acordo com Rauen (2002), esta pesquisa pode ser classificada como pesquisa quantitativa e qualitativa de descrição, uma vez que a pesquisa quantitativa de descrição é conhecida como levantamento de dados, de sondagem ou survey e consiste na solicitação de informações a um grupo estatisticamente significativo de pessoas sobre um problema estudado, para posterior análise qualitativa e/ou quantitativa.

      "O modelo de levantamento tem como vantagem o conhecimento direto, econômico e rápido da realidade, numa abordagem quantitativa ou redutível à quantificação. Porém, são pontos negativos a superficialidade e a redução dos fenômenos a uma perspectiva" (RAUEN, 2002, p. 56).

      Por meio da análise, comparação e do cruzamento de dados, identificou-se e quantificou-se de forma quantitativa e qualitativa todos os dados e as categorias levantadas nos quatro níveis para se ter, assim, uma amostra (perfil) dos diferentes níveis de aquisição da leitura e da escrita, esperados e desejados dentro de um padrão "normal", bem como, os diferentes tipos de focos ou dificuldades de leitura e escrita encontradas em crianças do Ensino Fundamental de Escolas Públicas da Rede Estadual de Caxias do Sul – RS.

Partes: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8

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